6 grandes falhas da Apple que entraram para a história
Por Renan da Silva Dores • Editado por Wallace Moté |
A Apple é reconhecida por ter papel essencial na popularização dos smartphones modernos quando lançou o primeiro iPhone em 2007, além de praticamente dominar o mercado de tablets com a família iPad. Também está na lista de sucessos da gigante de Cupertino o fortalecimento de chips baseados na arquitetura ARM, a mesma vista nos celulares, graças aos processadores Apple Silicon que a companhia passou a usar em seus computadores.
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Apesar disso, nem só de bons momentos viveu (e vive) a empresa fundada por Steve Jobs e Steve Wozniak — a Maçã coleciona alguns erros que custaram verdadeiras fortunas e acabaram ficando marcados na história. Do computador que antecedeu o lendário Macintosh, ao carregador sem fio recheado de problemas de desenvolvimento, reunimos alguns dos projetos promissores que se trouxeram as piores dores de cabeça para a Apple.
Apple Lisa: o Macintosh antes do Macintosh
Se o iPhone é considerado o dispositivo responsável por definir o conceito moderno de smartphone, apesar de não ter sido o primeiro, o Macintosh estabeleceu muitos dos aspectos vistos em interfaces de computador tidos como óbvios atualmente, desde o ícone de disquete para indicar a função "salvar" até o uso das pastas — ideias que, vale destacar, já estavam em desenvolvimento nos laboratórios da Xerox, e que inspiraram Steve Jobs.
O que poucas pessoas sabem ou mesmo lembram é que, antes do sucesso do Macintosh, a Apple já havia apostado em outro computador pessoal equipado com uma interface mais amigável e interação via mouse: o Apple Lisa. Trazendo um visual similar ao do Mac original, mas com um corpo mais largo, o Lisa foi apresentado em janeiro de 1983 trazendo a primeira versão do sistema operacional da Maçã com uma interface, apoiado por especificações poderosas para a época.
Além de um processador Motorola 68000 de 5 MHz, modelo popular de uma época em que a empresa tinha forte influência no mercado de semicondutores, a máquina contava com 1 MB de RAM (ou 1.024 KB), quantidade absurda para o período, com o padrão sendo cerca de 96 KB (ou menos de 1/10 da capacidade do Lisa). Também era destaque a presença de dois leitores de disquetes de 5,25 polegadas, no formato proprietário (e pouco confiável) Apple FileWare, de 871 KB cada.
Apesar de chamar a atenção de empresas e entusiastas, o computador inovador da gigante de Cupertino passava longe de ser perfeito: o sistema Lisa OS e sua capacidade de realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo — em janelas muito similares a que temos hoje no macOS e Windows — estressava demais o processador, resultando em lentidão. Mais grave era o preço exorbitante de US$ 9.995, ou algo equivalente a cerca de US$ 30 mil (~R$ 150 mil) em correção para os dias atuais.
Mesmo não sendo o desktop mais caro à venda, posto curiosamente ocupado pelo Xerox Star e seus US$ 16.565 (próximo de US$ 50 mil após correção para 2023, ou ~R$ 250 mil), o Lisa não conquistou o público e acabou se tornando um dos primeiros grandes fracassos da Apple. O último prego no caixão do aparelho foi o Macintosh, anunciado exatamente um ano depois com configurações mais modestas, sistema simplificado para melhorar a performance e um preço bem menos assombroso: US$ 2.495 (US$ 7.250 nos dias atuais, ou ~R$ 36 mil).
Apple Newton: o "avô" do iPhone e iPad
Gostando ou não das propostas da Apple, é inegável que o iPhone original teve um enorme impacto na indústria de celulares, definindo o esqueleto do que é um smartphone, com influência mesmo nos modelos mais modernos. Curiosamente, mais de uma década antes do lendário celular, a gigante de Cupertino já havia tentado revolucionar a comunicação pessoal e os dispositivos portáteis com o Apple Newton.
Conhecido como um Personal Digital Assistant (PDA), ou Assistente Digital Pessoal em tradução livre, o Newton teve o desenvolvimento iniciado em 1987 e levou ao investimento de mais de US$ 100 milhões (~US$ 270 milhões atuais, ou ~R$ 1,3 bilhão), quantia extremamente elevada para o período. Ao chegar ao mercado em 1993, o aparelho estava à frente de seu tempo em alguns aspectos, contando com um sistema operacional próprio (Newton OS) e grande versatilidade para permitir que o usuário tivesse anotações e dados importantes sempre à mão.
Mesmo com a aposta promissora, não é preciso dizer que a solução foi uma falha. Os problemas começaram já durante o desenvolvimento: os processadores da época eram simples demais para o que a fabricante estava propondo, o que levou o engenheiro Steve Sakoman, um dos responsáveis pelo projeto que também esteve envolvido com o Macintosh II, a procurar uma companhia especializada.
O especialista contatou a AT&T — sim, a operadora norte-americana, uma das dezenas de empresas que apostavam no desenvolvimento de semicondutores nas décadas de 1980 e 1990 —, que desenhou uma versão de baixo consumo de suas CPUs com arquitetura proprietária CRISP, conhecida como AT&T Hobbit. A homenagem aos Senhor dos Anéis não salvou o projeto do fracasso: em entrevistas, um dos cientistas-chefe da Apple, Larry Tesler, afirma que a Hobbit "era lotada de bugs, mal projetada para o própósito [do Newton] e cara demais".
Relatos indicam ainda que as limitações forçariam o Newton a ter três AT&T Hobbit por unidade, o que teria levado o preço para o consumidor a inacreditáveis US$ 6.000 (equivalente a US$ 16 mil nos dias atuais, algo próximo de R$ 80 mil). A Apple decidiu então encerrar o contrato quando encontrou uma possível salvação, a pequena empresa britânica Acorn, que conseguiu criar uma CPU verdadeiramente eficiente com boa velocidade de processamento.
Após investir US$ 3 milhões, a Maçã trabalhou junto à Acorn para redesenhar seu chip na nova arquitetura, a chamada Acorn RISC Machine — atualmente conhecida como Advanced RISC Machine, ou ARM, e presente em praticamente todos os smartphones. Com os obstáculos de desenvolvimento contornados, o Newton chegou às lojas em 1993 por US$ 900 (US$ 1.940, ou R$ 9.600, na cotação atual) chamando atenção pelas promessas.
Na prática, o PDA da Apple ainda tinha alguns problemas: o reconhecimento de escrita com a caneta stylus inclusa tinha baixíssima precisão, precisando ser treinado por muito tempo para entender corretamente o que era escrito pelo usuário. A bateria também decepcionou, assim como as funcionalidades que, apesar de robustas, não atenderam às enormes expectativas criadas pela fabricante.
O Newton chegou a ganhar sucessores que aprimoraram diversos aspectos, mas a imagem negativa do modelo original acabou ficando enraizada nos usuários. Com o retorno de Steve Jobs à gigante em 1998, a iniciativa acabou sendo cancelada, o que não significou necessariamente seu fim. Diversos engenheiros que trabalharam no PDA mais tarde se envolveram nos projetos que culminaram no iPhone e iPad, visivelmente influenciados por seu "avô" de 1993.
Pippin: o console fracassado da Apple e Bandai
Antes do mercado de consoles ser praticamente dominado por Microsoft, Nintendo e Sony, diversas companhias tentavam conquistar o espaço nas estantes dos consumidores com um videogame próprio. Com Steve Jobs ainda distante depois de sua demissão em 1985, a Apple também considerou ser uma boa ideia apostar nesse segmento, mas não quis se envolver diretamente no projeto, optando por licenciar suas marca e tecnologias para que outra fabricante lidasse com a iniciativa.
Com uma ambição parecida, a Bandai (hoje parte do grupo Bandai Namco) decidiu abraçar a oportunidade e, em 1995, foi lançado o Pippin, um console com alma de Macintosh. O aparelho usava um leitor de CD-ROM para reproduzir os games e realmente trazia especificações parecidas com as da linha de Macintosh da época, incluindo um processador PowerPC, uma versão "light" do macOS e até conectividade com a Internet.
Mesmo com os nomes de peso envolvidos, o Pippin foi um fracasso de vendas — com preço de US$ 599 (~US$ 1.200 na cotação atual, ou cerca de R$ 6 mil), 100 mil unidades foram fabricadas, mas apenas 42 mil foram vendidas, por vários motivos. Além de ser mais caro, mas menos potente que os concorrentes renomados (PlayStation, Sega Saturn, etc.), a solução da Apple com a Bandai recebeu pouquíssimos jogos, sendo a biblioteca completa estimada em menos de 80 títulos.
Fun fact: Pippin é uma espécie de maçã, de tamanho menor que a maçã McIntosh, de onde veio o nome do Macintosh. Segundo os relatos, a Apple escolheu o nome Pippin para que o console fosse facilmente associada à ela. A escolha também envolve a relação do aparelho ser uma variante mais compacta e limitada do computador da gigante.
AirPower: o carregador sem fio ambicioso demais
Caminhando a passos largos, a tecnologia de carregamento sem fio é promissora e pode acabar se tornando essencial no futuro, especialmente com o estabelecimento de novos padrões como o Qi 2. A função usa eletroímãs (emaranhados de fios de cobre, ou bobinas, que geram ondas magnéticas quando uma corrente elétrica passa por eles) no dispositivo e em uma base de carregamento para fazer com que a bateria seja carregada.
A Apple é uma das principais empresas a trabalhar com a recarga sem fio, tendo inclusive papel importante no desenvolvimento do Qi 2 ao ceder parte dos recursos do MagSafe ao Wireless Power Consortium (WPC), consórcio responsável por regulamentar o método. Quem vê a confiança da Maçã nesse quesito pode não imaginar (ou mesmo lembrar) de uma falha bastante recente relacionada ao carregamento sem fio.
Uma das dificuldades de usar a tecnologia é que os eletroímãs precisam estar alinhados em uma posição específica para que a recarga funcione corretamente. Visando contornar essa limitação, a gigante de Cupertino havia iniciado um projeto que foi apresentado ao público antes da hora, em 2017, o AirPower. Usando uma enorme quantidade de bobinas espalhadas na base, o AirPower permitiria que o usuário recarregasse até 3 dispositivos, colocando-os em qualquer posição no acessório.
Depois do anúncio, o carregador ambicioso sumiu das notícias, ganhando destaque apenas entre os rumores, que não eram nada positivos. Segundo as informações, o sumiço repentino estaria relacionado com problemas graves que a gigante estaria enfrentando no desenvolvimento. Após anos de muitas especulações, a Apple confirmou em 2019 que realmente havia cancelado o AirPower, por "não atender aos padrões de qualidade" da empresa.
Tudo foi devidamente esclarecido em outubro de 2022, quando o canal do YouTube Unbox Therapy teve acesso a um protótipo do dispositivo. Aparentemente, a proposta era ambiciosa demais para a própria Apple: o número exagerado de eletroímãs estaria gerando calor em excesso, a ponto de tornar inviável o uso por longos períodos, e até o sistema elétrico teria problemas. É possível notar os grandes desafios enfrentados pela marca ao avaliar a documentação que acompanhava a unidade de testes.
Segundo as anotações, o AirPower não podia ser mantido na fonte de energia por mais de um minuto, sendo necessário desligá-lo por cinco minutos para resfriar. Além disso, ele não deveria ser conectado a um adaptador de tomada para evitar danos — a recomendação era usá-lo apenas em portas USB-C de MacBook Pro, com um cabo original Lightning/USB-C.
Para completar, o protótipo em específico possuía algumas limitações bastante incômodas, como circuitos expostos que causavam choque e insuficiência de carga para iPhones mais robustos, como os da série Max.
O que torna essa falha particularmente desagradável para a imagem da Apple é que, apenas dois meses após o vídeo de Unbox Therapy, em dezembro de 2022, a Tesla (sim, a fabricante de veículos elétricos) anunciou o Wireless Charging Platform, que funciona exatamente da maneira que o AirPower se propunha a operar. Mais do que isso, a solução da Tesla possuía vantagens como suporte amplo ao padrão Qi e compatibilidade com potências de recarga maiores, que se mantivessem no limite de 65 W do adaptador de tomada.
iPhone 4: o "Antennagate" e problemas de sinal
Mesmo depois do retorno de Steve Jobs e a grande reformulação imposta pelo antigo CEO da Maçã, a Apple apresentou mais algumas falhas marcantes. Prova disso foi o escândalo do "Antennagate", como ficaram conhecidos os problemas de recepção de sinal do iPhone 4. Lançado em junho de 2010, o sucessor do aclamado iPhone 3GS foi o primeiro a apostar em uma construção mais premium de vidro e metal, trazendo o design de laterais retas que inspirou modelos mais recentes como o próprio iPhone 14.
A escolha teve uma consequência desastrosa: por estarem posicionadas junto às laterais de alumínio, as antenas de recepção de sinal de redes móveis e Wi-Fi sofriam com sérias interferências, algo que era agravado quando o usuário estava com o celular nas mãos. A resposta da empresa às reclamações gerou revolta, por supostamente incluir comentários como "evite segurar o telefone desta forma" e a negação de que havia falhas no design.
Como não podia deixar de ser, o caso foi parar em órgãos de defesa do consumidor, enquanto soluções paliativas como colar pedaços de fita adesiva e até lixas de unha em torno do dispositivo foram usadas para tentar melhorar a recepção. Com o tempo, a gigante admitiu apenas ter errado no algoritmo responsável por calcular e exibir o sinal recebido, com o código antigo mostrando duas barras a mais do que era de fato captado, algo corrigido em uma atualização liberada durante o primeiro ano de vida do aparelho.
A confusão só foi mesmo solucionada com a chegada do iPhone 4s no ano seguinte, com uma mudança de design importante que acabou guiando o futuro da indústria em aparelhos que usam construção em metal: a implementação de um número maior de antenas e faixas de plástico nas laterais para evitar que as mãos impedissem a passagem de sinal — esse é o motivo pelo qual seu smartphone moderno possui diversas pequenas listras ao redor do corpo.
Curiosamente, não foram as listras de plástico que causaram outra dor de cabeça para a Apple poucos anos depois com o iPhone 6 Plus e o "bend-gate", onde usuários do smartphone relatavam uma enorme fragilidade em seu corpo que fazia o aparelho entortar com o mínimo esforço. De forma resumida, o que se descobriu foi que o aparelho era exageradamente fino, e sua estrutura metálica não tinha reforços nas posições corretas, o que o deixava frágil à aplicação de força em determinados pontos.
Foram feitas mudanças no iPhone 6s Plus e seu sucessores, e desde então a desagradável característica parece ser coisa do passado.
MacBooks: o fiasco do teclado borboleta
Os teclados dos computadores modernos estão disponíveis em uma variedade de tipos com diferentes tecnologias, mas uma das mais populares e amplamente usada em notebooks é a de membrana. De forma bastante resumida, esse tipo de teclado é acionado quando o usuário leva dois contatos elétricos a se encostarem ao pressionar uma tecla. Esses contatos são separados por uma membrana — de onde vem o nome da tecnologia — normalmente feita de silicone, que passa uma sensação de maciez.
Algumas pessoas não se agradam com essa maciez, e portanto mecanismos foram desenvolvidos para fazer com que o apertar das teclas se tornasse mais responsivo, com sensação que lembra um clique. Nos MacBooks, a Apple utilizava uma versão própria do mecanismo padrão da indústria, em que cruzava pequenas placas de metal que se moviam e clicavam conforme os botões eram apertados — em virtude do formato, esse mecanismo é conhecido como "scissor" (ou tesoura, em português).
Por insatisfação, ou mesmo buscando tornar as máquinas ainda mais finas, a gigante de Cupertino decidiu desenvolver um novo mecanismo, no qual as placas de metal eram posicionadas em altura mais baixa no formato de um "V", ou ainda de uma borboleta, o que o levou a ser conhecido como "butterfly". Sua estreia aconteceu com o lançamento do MacBook de 12 polegadas, seguida de uma segunda geração com a chegada do MacBook Pro de 2016, e uma terceira geração em 2018 no MacBook Pro e MacBook Air.
Com as teclas butterfly, a Maçã prometia quatro vezes mais estabilidade de digitação, componentes mais finos, teclas maiores e grande redução no key travel (a profundidade de pressionamento de uma tecla para envio de sinal à placa), algo que não agradou boa parte do público. Positivas ou não, as mudanças começaram a ser ofuscadas em 2017, com a explosão de casos graves de falhas, que iam de digitação duplicada a teclas travadas e até inutilização completa dos botões.
A Apple respondeu aos casos e lançou um programa de reparos para os usuários afetados, mas ofereceu apenas quatro anos de cobertura, ao mesmo tempo em que substituía os teclados defeituosos pelo mesmo modelo. As atitudes da marca levaram a um grande processo judicial coletivo encerrado em dezembro de 2022, pelo qual a companhia foi obrigada a pagar uma indenização de salgados US$ 50 milhões (~R$ 240 milhões).
Manchete constante de canais de tecnologia, o caso motivou a gigante a retornar ao mecanismo scissor com o lançamento do MacBook Pro de 16 polegadas em 2019, agora sob o nome "Magic Keyboard", trazendo aprimoramentos como key travel de 1 mm e "teclas mais estáveis e responsivas".
Fonte: Com informações de Computer History Museum, Museu Capixaba do Computador, The Mac Geek