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EXCLUSIVO! O que o Brasil fará no Programa Artemis? Presidente da AEB conta tudo

Por| 18 de Junho de 2021 às 15h50

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NASA
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*Por Patrícia Gnipper e Danielle Cassita

A NASA segue trabalhando para conseguir levar os próximos astronautas à superfície da Lua, incluindo a primeira mulher e a primeira pessoa negra — e, se tudo correr conforme o planejado pela agência espacial norte-americana, isso poderá ocorrer em 2024. Estes e outros objetivos fazem parte do Programa Artemis, uma iniciativa da NASA em que novas tecnologias e sistemas serão usados para explorar a Lua de maneira permanente e sustentável, contando com o apoio de parceiros comerciais e internacionais.

Já existem 10 países comprometidos a participar do programa — e, recentemente, o Brasil passou a integrar esta lista. A parceria brasileira com o programa teve início em dezembro de 2020, quando o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e a Agência Espacial Brasileira (AEB) assinaram um acordo de intenção de cooperação com a NASA, que sinalizava o compromisso do Brasil em participar. Na ocasião, os oficiais do governo brasileiro afirmam que o país iria produzir e desenvolver pequenos equipamentos robóticos para ajudar na exploração lunar.

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Já em junho de 2021, o MCTI assinou, de fato, o acordo — que, agora, oficializa a participação do Brasil no Programa Artemis. Com isso, nosso país foi o primeiro da América do Sul a integrar os Acordos Artemis e o décimo a oficialmente fazer parte da colaboração. A cerimônia de assinatura contou com a presença de Marcos Pontes (atual ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações), Todd Chapman (embaixador dos Estados Unidos), Carlos Alberto França (ministro das Relações Exteriores) e com o presidente Jair Bolsonaro.

Em sua fala, o ministro Pontes destacou os benefícios da participação brasileira no programa, que envolvem o engajamento de universidades, preparação de pesquisadores e de centros de pesquisa. Apesar da presença de diversas autoridades no evento, não houve novas informações sobre o que, de fato, será feito pelo Brasil durante o Programa Artemis, e também não foram feitas menções às contribuições tecnológicas descritas durante a assinatura do documento em dezembro.

Então, para entender como será a contribuição brasileira no retorno da humanidade à Lua, conversamos com Carlos Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB). Mas, antes, você confere um resumo sobre o Programa Artemis e entende melhor o que são os Acordos Artemis, que permitiram a participação do Brasil no retorno da NASA à Lua.

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O que esperar do Programa Artemis

Ao lançar o satélite Sputnik-1, em 4 de outubro de 1957, a União Soviética saiu na frente dos rivais norte-americanos durante a corrida espacial. Os grandes esforços empregados para vencer a nação levaram os Estados Unidos à criação da NASA e, posteriormente, ao programa Apollo, que levou os primeiros humanos à Lua em 1969. A empreitada contou com 11 missões tripuladas, sendo que seis delas incluíram alunissagens (nome dado aos pousos na Lua), levando doze astronautas à superfície lunar. A última missão do programa foi realizada em dezembro de 1972 e, desde então, os seres humanos nunca mais estiveram em nosso satélite natural.

É isso que a NASA tentará mudar com o Programa Artemis. O programa ambicioso tem nome inspirado na deusa Artemis — na mitologia grega, ela é a irmã gêmea do deus Apolo e deusa da Lua. Além do retorno humano à superfície lunar, o programa também visa estabelecer a presença humana e sustentável por lá, para que, futuramente, a experiência adquirida permita missões tripuladas rumo a Marte. Pois é: os objetivos são bastante ambiciosos e, para atingi-los, ainda há várias etapas a serem percorridas.

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A primeira delas é a missão Artemis I, em que a NASA irá realizar um voo de teste não tripulado, com destino à órbita lunar, que deverá durar até 42 dias. A ideia é testar a cápsula Orion, que levará os astronautas nas missões tripuladas, e o foguete Space Launch System — mais poderoso que o Saturn V, usado na era Apollo. Esta missão tem lançamento estimado para novembro de 2021 e será realizada para garantir que, quando chegar o momento dos voos tripulados, todos os componentes e a trajetória já tenham sido testados e aprovados.

Depois, a segunda missão deverá ser lançada em 2023 também com destino à órbita lunar — e, desta vez, a cápsula Orion terá uma tripulação em seu interior, mas sem pouso na superfície. Se tudo correr bem, em 2024 chegará a vez da Artemis III, o momento do tão esperado retorno da humanidade à superfície lunar. Ali, os astronautas vão viajar a bordo da cápsula Orion até a órbita da Lua, e irão acoplá-la a uma estação orbital. Depois, a tripulação será transferida para o Human Landing System (HLS), o novo módulo lunar que os levará ao solo lunar. Ao fim da missão, eles retornarão para a nave Orion para voltar à Terra em segurança.

Desta vez, a NASA espera que o retorno da humanidade à Lua permita o estabelecimento da presença humana de longo prazo por lá. Para isso, a agência espacial espera utilizar a água e outros recursos naturais disponíveis na Lua, que serão necessários para a estadia a longo prazo, além de estudar formas de manter tripulações em nosso satélite natural por períodos prolongados. Assim, esta experiência irá proporcionar avanços tecnológicos necessários para o envio de astronautas a Marte, no futuro não muito distante.

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O que são os Acordos Artemis?

Não é exagero dizer que o Programa Artemis estabelecerá uma nova era para a exploração espacial. Embora a NASA esteja na dianteira da empreitada, ainda serão necessárias colaborações com outros países para que seja possível estabelecer a presença humana sustentável em nosso satélite natural. Como já há diversas nações e players do setor privado realizando missões e operações no espaço lunar, é importante criar um conjunto de princípios para guiar a exploração civil e o uso do espaço.

É aqui que entram os Acordos Artemis, documento que estabelece 10 princípios para a criação de um ambiente seguro e transparente para permitir e facilitar a exploração espacial, junto da ciência e atividades comerciais, para o benefício de toda a humanidade. Diversos tópicos são abordados, e um deles destaca que todas as atividades do programa sejam feitas para fins pacíficos, principalmente em relação à cooperação entre as nações participantes.

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Os Acordos Artemis foram criados com base no Tratado do Espaço Sideral, um documento que foi assinado entre os Estados Unidos, União Soviética e o Reino Unido em 1967, apenas dois anos antes da célebre missão Apollo 11. Este documento estabelece que corpos celestes não podem ter donos e nem pertencer a nações e proíbe o uso de armas nucleares. Perceba que este forte perfil não armamentista vem do contexto geopolítico da época, marcado pela vigência da Guerra Fria.

Antony Blinken, Secretário de Estado dos Estados Unidos, destacou a importância dos Acordos Artemis em um vídeo, que foi exibido durante a cerimônia de assinatura. "Deixe-me dizer como estou feliz de receber o Brasil no acordo. Vocês se juntam aos nossos parceiros espalhados por todo o globo, todos trabalhando para avançar a cooperação internacional para fins pacíficos e responsáveis da exploração espacial", disse ele, ressaltando que o país espera que outras nações sigam o exemplo brasileiro e também assinem os termos.

Mesmo que os novos termos apresentem o objetivo de garantir um futuro “seguro, próspero e pacífico no espaço”, algumas nações não gostaram muito do documento, já que países rivais dos Estados Unidos podem entender estes termos como uma imposição de regras norte-americanas para outras nações.

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Ao se juntar aos Acordos Artemis, o Brasil integra o grupo já composto por Austrália, Canadá, Itália, Japão, Luxemburgo, República da Coreia, Reino Unido, Emirados Árabes, Ucrânia e, mais recentemente, Nova Zelândia — além dos próprios Estados Unidos, claro. É esperado que, conforme a NASA continue trabalhando com parceiros internacionais, mais países assinem o documento.

Entrevista com Carlos Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira

Para, então, descobrir como será, exatamente, a participação brasileira no Programa Artemis, conversamos com Carlos Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB). A entrevista completa você confere logo abaixo:

Canaltech (Patricia): Olá, Carlos Moura, muito obrigada por falar com a gente!

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Carlos Moura: Olá, é um prazer! A gente acompanha o Canaltech, vocês são um órgão que privilegia a boa informação, então muito bom estarmos mais conectados com vocês.

CT (Patricia): Como foi o processo de o Brasil assinar os Acordos Artemis?

CM: Nós estamos muito empolgados com as oportunidades, é como ter a oportunidade de entrar num clube, então ser aceito nesse clube é muito importante, ser considerado como um país relevante nessas cooperações é muito importante para nós. Eles fizeram questão que nós entrássemos, então esse reconhecimento estratégico do país é interessante.

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Existem dois pratos nessa balança: um é o prato da decisão política, de você se engajar numa parceria internacional, então isso faz com que demore um pouco mais para se fazer um trabalho de convencimento em alto nível. Aqui na Agência, não havia dúvidas, especialmente com os nossos esforços com a nossa embaixada em Washington, o Itamaraty acompanhou muito, então existia mesmo um reconhecimento de que isso era importante para o país, mas sabe, existem vários níveis de decisão na esfera federal, então isso acabou tomando um pouco mais de tempo; por isso essa lacuna aí desde o final de dezembro e até finalmente a assinatura e essa divulgação pública.

A outra questão é o quanto nós realmente vamos investir nisso, e para fazer o quê. Em termos de fazer o que, nós temos diversas possibilidades aqui na agência e com o meio acadêmico, científico e industrial do Brasil. Agora, tudo isso tem que ser calibrado em função do que a gente realmente já tem maturidade para fazer, e de quanto nós poderemos investir nisso.

Então talvez até por isso, também, o ministro [Marcos Pontes] tenha se reservado um pouco em não fazer já um anúncio de como será essa nossa participação, porque ele tem sempre essa preocupação de quanto vai poder alocar para isso, e nesse ambiente que estamos vivendo de pandemia, necessidade de investir em pesquisa de fármacos, de vacinas… realmente a prioridade ficou muito concentrada para isso. Mas ele entende, sim, que é importante investir nesta área, e o que nós fizemos, já desde aquela época [da assinatura do acordo de intenção] foi dizer o seguinte: dá para fazer coisas interessantes, mesmo com artefatos de pequeno porte, mas com uma concentração boa de tecnologia e fazendo alguma contribuição relevante.

Então o que víamos de mais imediato que poderia ser feito era isso, porque já era uma ideia anterior nossa, antes mesmo do Artemis, nós já vínhamos cogitando algum projeto que desse uma repercussão maior, saindo da esfera de apenas colocar satélites em órbita, mas indo além, já que outros países estão fazendo isso. É um desafio tecnológico, mas tem também todo um potencial de motivar, de dizer que a gente é capaz, que a gente pode ir mais longe.

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CT (Patricia): Sobre a participação brasileira no Programa Artemis… em dezembro do ano passado, o Brasil havia assinado o acordo de intenção de participar dos Acordos Artemis, na época revelando que poderíamos participar com o desenvolvimento de equipamentos robóticos, como espaçonaves, sondas ou até mesmo um rover lunar. Porém, no recente anúncio da assinatura dos Acordos, nada foi falado nesse sentido. Exatamente como o Brasil vai colaborar com o programa lunar da NASA?

CM: O que nós falamos lá em dezembro permanece válido. Nós acreditamos que um dos projetos poderia ser esse, um pequeno objeto robótico, o que nós somos capazes de fazer — a gente já faz para a área automobilística, para a área petrolífera, então é possível e nós temos capacidade de fazer isso. Agora, esse objeto faria o quê? Qual tipo de experimento? Qual tipo de investigação?

Uma que nós vemos de imediato poderia ser algo relacionado à investigação do solo lunar, algo que desse uma conexão com nossas atividades de mineração, geologia, que é algo que o Brasil tem um bom domínio. Mas nós poderíamos também expandir para outro tipo de experimento científico, alguma coisa relacionada a investigações do ambiente lunar, ou alguma coisa relacionada a comunicação. Recentemente, a Europa se propôs a criar um sistema de comunicação na Lua, por exemplo.

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Então, assim: não tem ainda um projeto fechado, mas permanece aquela ideia, e nós agora vamos procurar parceiros e vamos calibrar isso em função da quantidade de investimentos que nós conseguirmos. Se a gente conseguir verbas governamentais, ótimo; se conseguirmos investimentos de parceiros privados, melhor ainda.

CT (Patricia): Então a participação do Brasil pode ir além de uma demonstração de nossas tecnologias, podendo haver, de fato, um objetivo científico com o que nós desenvolvermos para ser utilizado no Programa Artemis?

CM: Nós sempre advogamos que haja realmente alguma contribuição nesse sentido, porque senão a sociedade sempre questiona: fez tudo isso só para dizer que fez? É claro que, com o simples fato de vencer todos esses desafios e chegar lá, você arrasta muito desenvolvimento tecnológico e muito conhecimento, mas para a sociedade em si fica meio difícil. E também para atrair investidores eu tenho que dizer que aquilo ali terá um resultado prático.

Então por isso que nós já imaginamos, de imediato, que o setor de mineração é realmente um parceiro quase óbvio, porque o Brasil já é forte na área da mineração, então empresas dessa área que possam querer não só demonstrar que são capazes, que investem em tecnologia, mas começar também a se inserir também nesse novo mercado. Antigamente, quando se falava em exploração espacial, isso era olhado mais como uma questão científica, mas hoje já existem iniciativas embrionárias falando em realmente explorar minerais raros no espaço. Então a gente acredita que a porteira está aberta, é um campo virgem ainda, mas nós temos empresas que poderiam se lançar neste novo mercado. No fundo, é uma corrida: quem chega primeiro consegue as melhores posições.

CT (Danielle): Já tem alguma informação sobre quais instituições poderiam participar do desenvolvimento desse objeto que o Brasil construirá para o Artemis?

CM: Nós sabemos que existem competências em São Paulo, incluindo universidades que já promovem competições de robótica… o SESI, o SENAI de São Paulo também já fez algumas coisas para a AEB em tempos anteriores, então são potenciais parceiros. Mas o que avançou mais concretamente e, por sinal, nem estava em nosso farol imediato, mas foi uma aproximação muito bacana, foi uma aproximação com a Universidade de Brasília [UNB]. Nós vimos que eles estavam participando de um projeto piloto com o FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] justamente para começar a introduzir de uma forma mais global o ensino de robótica no Brasil, porque nossas escolas públicas não têm isso na grade curricular, e quando vamos para avaliações internacionais nós perdemos muito. Existe um projeto piloto do FNDE com a UNB para ver como poderíamos introduzir esse tipo de ensino e, se isso der certo, vai ser expandido para toda a rede pública nacional — então veja a abrangência, são milhões de jovens participando.

Eles sentiram falta de um fio condutor para esse ensino de robótica — vou fazer robô para quê? E quando eles viram que nós inclusive já temos algumas coisas rolando, como, por exemplo, simulações de ambientes espaciais inóspitos aqui na Terra, ou um ambiente em Natal onde acontecem simulações de robôs percorrendo terrenos acidentados, eles pensaram que poderiam conectar esse desenvolvimento do ensino da robótica visando, por exemplo, colocar um robô em algum lugar.

Então nós mostramos a eles como poderíamos calibrar esse esforço buscando realizar alguma coisa concreta. Ou seja: não seria apenas mostrar que somos capazes de fazer robôs, mas sim fazer robôs com valor tecnológico e científico. Nós apresentamos esse programa e eles acharam interessante, então muito provavelmente o que nós faríamos seria isso: trabalhar em diferentes construções de robôs, com aumento gradativo de complexidade, até chegar a algo no topo da pirâmide em que fôssemos capazes de construir alguma coisa que pudesse ser levada ao espaço.

Essa, hoje, é a construção mais concreta que nós temos: uma parceria com o FNDE, de forma que todo esse esforço nacional de introduzir o ensino robótico no Brasil possa culminar, efetivamente, num objeto real e que seja levado ao espaço.

CT (Patricia): O Programa Artemis começa antes de 2024, na verdade, com missões robóticas, não tripuladas, prevendo o retorno de humanos à superfície a partir de 2024, e visando a permanência humana no terreno lunar a partir daí. E quanto à participação do Brasil em tudo isso, existe algum cronograma prevendo quando nosso país entra, de fato, no programa?

CM: De fato, 2024 é um cronograma muito apertado. Não é impossível, mas fica muito apertado. Mas, no restante do mundo, está acontecendo uma modificação grande na atividade espacial, pois aquilo que, antigamente, era liderado quase que exclusivamente por governos, hoje ganha um protagonismo maior do setor privado. Nós aqui da Agência temos calibrado nossa forma de pensar, visando adequar as capacidades brasileiras para este novo mundo. Nem tudo depende de governo, muitas coisas podem ter liderança privada — o Brasil mesmo já tem uma empresa que faz satélites por conta própria, por exemplo.

E no caso dos EUA, tem todo esse esforço da parte tripulada sendo liderada pela NASA, mas também existe um setor de transporte comercial em que a NASA apresenta o desafio a empresas, elas mostram que são capazes de fazer, e depois essas empresas vendem o serviço de transporte tanto para a NASA quanto para outros que estejam interessados em mandar alguma coisa para a Lua.

Então, por esse caminho de transporte comercial de cargas à Lua, já existem empresas que nos procuraram; por isso eu falei que isso vem antes do Artemis, pois nós já vínhamos discutindo com essas empresas a possibilidade de mandar pequenas cargas, coisas de 3 ou 4 quilos, à Lua, usando esse sistema. Se nós tivéssemos um aporte razoável de recursos para fazer algo em dois anos, seria possível dentro desse caminho; mas, dentro do conceito mais amplo do Artemis, a gente ainda vai ter que definir exatamente que tipo de participação nós podemos ter, e eu acredito que isso vá tomar mais tempo.

CT (Patricia): Você mencionou empresas brasileiras que podem (e vão) estar envolvidas nisso tudo. Vocês têm já alguns nomes dessas empresas já cotadas para a participação?

CM: Eu não quero ser injusto com as empresas, porque existem tantas, e a cada dia nós temos surpresas mais interessantes ainda. Mas dando um exemplo concreto: outro dia nós estivemos em Santa Catarina, onde existe uma capacitação muito grande, e fomos ao Instituto de Inovação do SENAI. Ali, nós vimos um robô submarino, para atender o setor de óleo e gás, por exemplo. Por isso eu estou muito seguro em dizer que nós temos muita competência na área de mecatrônica, na área de de eletrônica, de software, que pode ser aplicada a isso.

Voltando para o setor espacial, nós temos empresas que produzem painéis solares, que até já produziram aqui para os nossos sistemas, e que hoje já estão exportando. Uma delas é a Orbital, de São José dos Campos, que já exporta painéis solares e está abrindo uma filial nos EUA. Então esse robô [que vamos desenvolver] vai precisar de energia; agora nós não teríamos condições de fazer energia nuclear para ele, então obviamente ele usaria energia elétrica, por meio da energia solar, com baterias… então essa é uma das empresas que são candidatas naturais a participar.

Partes de estruturas, nós temos empresas mais voltadas para estruturas espaciais. Em São José dos Campos temos a Akaer, temos a Fibraforte… então são empresas que já estão acostumadas a fazer estruturas para satélites e que podem também contribuir nessa área. Digamos assim: o parque aeronáutico nosso já é muito forte, a área de mecatrônica, de eletrônica e de software também é forte, e nós vamos ter que juntar esse time todo — e aí entra aquilo que a área espacial demanda muito, que é a engenharia de sistemas. Como juntar muita competência em pouco espaço, fazer aquilo bem leve, confiável, e que ainda sobreviva num ambiente hostil? Esse é o grande charme da área de engenharia espacial.

CT (Patricia): O Brasil vai ter um astronauta na Lua? Existe algum plano de treinamento de astronautas a partir desta parceria com a NASA? Na próxima década, digamos, a gente pode sonhar em ver astronautas brasileiros pisando na Lua?

CM: Eu diria que nós sempre devemos sonhar. Vamos pegar o caso do Pontes: a missão dele levou o nome de Centenário, que foi feita 100 anos depois do exemplo de Santos Dumont e, quem diria, naquela época, que um brasileiro seria capaz de fazer balões, dirigíveis, e depois um avião mais pesado — e o Pontes marcou época para nós. Ele serve de inspiração: em todos os eventos que nós fazemos, vemos que todo mundo se empolga muito com o exemplo que ele deixou, e fica aquele sentimento de "quando é que a gente volta?".

Então, hoje, dada toda essa contingência de arrocho fiscal que nós sofremos, não existe uma atividade de missões tripuladas na AEB, mas nós sabemos que temos que, gradativamente, ir criando competências para isso. Se falarmos só das missões brasileiras, teríamos que primeiro começar com missões robóticas, para depois chegar a esse nível de missões tripuladas, dado o custo e o risco que isso implica.

Mas eu tenho uma notícia boa. Mesmo não havendo, ainda, uma retomada de atividades tripuladas em nosso programa espacial, tem muita gente motivada com envolvimento de seres humanos em missões desse tipo. Nós temos jovens brasileiros que já foram para o exterior e que começaram a se preparar para se candidatar a uma carreira de astronauta — é claro que, como hoje ainda não tem no Brasil, eles teriam que se candidatar nos Estados Unidos ou outro país. Mas outra atividade bem curiosa que vem sendo feita são experiências em ambientes hostis, simulando condições da Lua ou de Marte. Alguns lugares mais inóspitos do planeta já criaram essa espécie de laboratório, tem um no Havaí, que contou com uma brasileira vivendo nesse ambiente por duas semanas, e temos outro chamado Habitat Marte no interior do Rio Grande do Norte. Eles têm feito um trabalho interessante com isso, estão interconectados com grupos de pesquisa mundo afora, e então está se criando, realmente, essa cultura.

Digamos assim, de baixo para cima, estamos criando uma base de possíveis astronautas — e o que é curioso: a maioria dessas pessoas são mulheres, são jovens meninas ou já em nível universitário que se dispõem a essa atividade, que não é uma aventura, mas sim uma contribuição científica.

CT (Patricia): Estamos vendo uma nova corrida espacial mundial envolvendo a Lua. Além da participação brasileira com a NASA no Programa Artemis, existe a intenção de também se unir a programas de outros países?

CM: No início de novembro de 2019, nós estivemos no Congresso Internacional de Astronáutica, o diretor da NASA, na época, convidou todas as agências espaciais do mundo para discutir essa questão de colaboração. Na época, estava sentado à minha frente do presidente da agência espacial israelense, e ele questionou: "e nós das agências menores, como poderemos participar?". O diretor da NASA propôs que nós nos engajássemos num grupo de agências de menor porte que podem participar de diversas formas, com componentes, com software, enfim, então nós estamos discutindo com esse grupo sobre como podemos participar não só de missões à Lua, mas como outras no espaço exterior.

No momento, estamos sondando o mercado e nos mostrando capazes, aos poucos estamos demonstrando essa competência, e nós fomos convidados por Israel para participar da segunda sonda lunar que eles pretendem lançar — a primeira Beresheet efetivamente chegou à Lua mas teve problemas no pouso, então a missão não foi concluída. Mas eles nos convidaram para entrar no empreendimento da Beresheet 2. Nosso ministro já verbalizou o orgulho dessa oferta, e estamos agora justamente dependendo de como fazer esse arranjo financeiro para poder participar. Estamos tentando estruturar essa parceria com Israel.

CT (Danielle): Quando pensamos no Programa Artemis, um dos principais tópicos é o envio da primeira mulher para a Lua. Eu queria então saber um pouco sobre como será a participação das mulheres no envolvimento do Brasil com o programa.

CM: Nós já temos uma participação muito bacana das mulheres no programa espacial, com muitas profissionais voltadas a áreas como matemática e física, tanto no INPE quanto no IAE [Instituto de Aeronáutica e Espaço] e em Alcântara, nós sempre tivemos mulheres envolvidas. Mas agora está havendo uma procura maior pela atividade espacial.

Nós temos aqui na Agência um grupo muito interessante de mulheres concursadas que entraram aqui não só com formação em STEM, mas também áreas de humanas, de direito, de relações internacionais… então as mulheres já participam do programa espacial. A gente inclusive procura desmistificar um pouco, porque o programa espacial não é só satélite, não é só foguete, existe muito desse componente humano, a parte da saúde, de relações… tudo isso é muito importante. Eu tenho certeza que as mulheres brasileiras vão dar contribuições muito relevantes.

CT (Patricia): E sobre a base de Alcântara? Ela vai participar de alguma forma no Programa Artemis?

CM: Nós estamos conseguindo um resgate de um compromisso de décadas, que é finalmente colocar o espaçoporto de Alcântara aberto para o mundo, cumprindo o destino que tínhamos visto lá nos anos 1980. Ali é o melhor lugar do mundo para se fazer determinados lançamentos espaciais, e nós não o desenvolvemos com a velocidade que gostaríamos, mas finalmente agora isso é um fato concreto. Já temos empresas negociando contratos para começar serviços de lançamentos de pequenos satélites em órbita baixa.

Então, ainda não estamos falando de sair do campo da Terra e chegar à Lua. Porém, nós já fizemos um segundo chamamento para a área que outrora seria operada pelos ucranianos, com o projeto Ciclone 4 que foi paralisado, mas temos uma infraestrutura semipronta ali. Fizemos esse segundo chamamento e já temos cinco empresas que se apresentaram com o objetivo de aproveitar aquela área e implantar projetos que já consideram veículos de médio a grande porte.

Alcântara tem todo esse potencial. Demora um tempo porque é preciso estruturar o projeto, fazer construções específicas, mas Alcântara tem condições de, num futuro, vir a acolher projetos de grande porte, veículos reutilizáveis e até mesmo programas tripulados. Existe um potencial forte em Alcântara para atividades de turismo espacial, também. Agora, para poder se engajar realmente no Artemis, de imediato acredito que Alcântara poderia participar com lançamentos de sistemas de rastreio e comunicações. Temos, sim, potencial para chegar longe!

CT (Patricia): Muito obrigada, Carlos! Em breve, voltaremos a nos falar para explicar ao público do Canaltech tudo o que faz a Agência Espacial Brasileira!

CM: O programa espacial e a própria Agência não são tão conhecidos da sociedade, nós temos feito um esforço muito grande para realmente mostrar ao Brasil o que fazemos e nosso potencial gigantesco. Quanta coisa boa a gente já fez, e temos o compromisso aqui de fazer do nosso programa espacial um motivo de orgulho para todos os brasileiros, e que continue inspirando homens e mulheres para pensar alto. Muito obrigado!