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Brasil pode lançar microssatélites em Alcântara; planos de expansão revelados

Por| 18 de Fevereiro de 2020 às 21h40

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Divulgação/MD
Divulgação/MD

Em novembro do ano passado, o Senado aprovou o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) para que os Estados Unidos possam usufruir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, o que permite o uso comercial do local. Agora, a AEB (Agência Espacial Brasileira) já começa a negociar com empresas estrangeiras que poderão usar a base de lançamentos para enviar microssatélites à órbita.

As negociações podem inserir o Brasil em um mercado bilionário - atualmente, são cerca de US$ 350 bilhões (R$ 1,5 trilhão) movimentados ao ano, e espera-se que o país consiga fisgar ao menos 1% desses negócios a partir de 2040. Embora não descarte empresas maiores, o foco por enquanto seriam os pequenos satélites de órbita baixa.

Para atrair essas empresas comerciais, a AEB tenta mostrar as vantagens que a localização da CLA oferece para o lançamento de pequenos foguetes. É que sua posição próxima à linha do Equador é ótima para esse tipo de lançamento. Essa localização faz com que os custos sejam reduzidos em até 30% por oferecer boa capacidade angular de órbitas.

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Aliás, por conta da nova estratégia comercial, o CLA vai mudar de nome e será chamado de CEA (Centro Espacial de Alcântara). De acordo com o presidente da AEB, Carlos Augusto Teixeira de Moura, o Brasil já está em negociações com empresas de pequeno e de grande porte para uso do centro. “Não posso divulgar nomes, mas existe, por exemplo, um grupo forte querendo se instalar em Alcântara para lançamentos de grande porte”, disse Moura ao Tilt.

Atualmente, o centro está preparado para lançamento de pequenos satélites com até 200 kg, destinados à órbita baixa ou média. Moura afirma que, com a estrutura atual, o centro pode receber empresas que não precisariam de mais nada. "Ela traz o foguete, chega lá nas áreas de plataformas de lançamento e pronto. O restante (radares, aparelhos de meteorologia, tecnologia) já temos", diz. A movimentação por lá levaria a um ecossistema de empresas do setor na região.

Discordâncias

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Apesar das vantagens apresentadas pela AEB, alguns pesquisadores questionam o projeto. Um deles é José Dias, professor da UFRN e doutor em astrofísica e técnicas espaciais da Universidade Paul Sabatier, na França. Ele disse que o projeto brasileiro “tem tudo para não dar certo”.

Para ele, o principal problema é o acesso, “já que viajar não é coisa simples”. Mas o ponto principal que ele e alguns outros cientistas destacam é que “a indústria de componentes espaciais possui qualificações muito exigentes; não faz sentido montar uma fábrica de componentes, por exemplo, próximo de onde um foguete é lançado". "Isso não existe em lugar nenhum do mundo”, afirma.

José dias também opina que apenas empresas de serviço deveriam se instalar em Alcântara. "Por exemplo: empreiteiras, indústria de alimentos, de limpeza; ou seja, uma cadeia secundária à atividade espacial".

Contradições

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Talvez o ponto mais sensível que ainda precisa ser resolvido é o litígio com os moradores da maior área quilombola de Alcântara. A comunidade local é contra a expansão do centro, o que exigiria retirada de moradores dali. Em abril do ano passado, quilombolas apresentaram à OIT (Organização Internacional do Trabalho) uma queixa formal contra o Estado por violações, justamente por causa dos planos de expansão da base.

Segundo o presidente da AEB, não está prevista a ampliação de área nesse momento. Em 10 de abril, o ministro Marcos Pontes (do MCTIC - Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) disse em uma comissão da Câmara dos Deputados que não havia uma expansão da área. “A área estabelecida do centro é aquela já definida. Não existe uma questão de expansão”, declarou, completando que “não se pode afirmar que populações locais interessadas serão diretamente afetadas por ele [o acordo]”.

No entanto, a Folha de S. Paulo obteve acesso a documentos que contrariam essas declarações. Os documentos foram produzidos por um grupo de trabalho formado por onze ministérios e demonstra que o plano de remoção de cerca de 350 famílias quilombolas de Alcântara está, na verdade, em fase avançada.

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Além dos onze ministérios, fazem parte do grupo de trabalho órgãos como o Incra, e fundações como a Palmares. Os papéis incluem mapas e atas das conversas que mostram todo o plano de expansão da área e a retirada das famílias até setembro de 2020. “Será necessário realizar o deslocamento de famílias (aproximadamente 350) de alguns quilombos de Alcântara para áreas mais distantes da faixa litorânea, onde outras comunidades já se encontram situados”, diz uma apresentação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

O governo admite que “essa iniciativa, como já sabemos, trará alterações na delimitação do território que tradicionalmente [os quilombolas] ocupam”. Há entre os documentos a citação de um laudo antropológico que traz dados sobre o município de Alcântara, fundado em 1648, e o fato de que o Maranhão chegou a ter 133,3 mil escravos. Quando o núcleo central do CLA foi criado, a ditadura militar realizou a remoção de mais de 300 famílias de 24 povoados.

Em detrimento do histórico e das revindicações, a pasta de Marcos Pontes já preparou até mesmo uma campanha de marketing que visa amenizar a operação e convencer os moradores a aprovarem as remoções. Com a hashtag “Alcântara Ajudando o Brasil”, a campanha é voltada para as redes sociais e mostra um morador negro sorrindo ao lado de textos como: "Alcântara, gerando benefícios a todos!", relata a Folha.

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Um texto diz que a campanha de marketing, que também inclui camisetas, foi criada para “amenizar resistência”. A ideia é “iniciar um movimento social de apoio e replicação de discurso otimista para integrar as comunidades e sociedade como um todo sobre a relevância do tema”.

Outro documento propõe criar uma “linha de diálogo” com o objetivo de “recuperar a credibilidade do Estado junto às comunidades: ganhar corações e mentes”. O texto diz que é necessário esclarecer às famílias que o AST não é vinculado a Alcântara, ainda que o mesmo documento deixe clara a associação entre o acordo com os EUA e a remoção das famílias.

Em nota à Folha, o MCTIC declarou novamente que “a área atual do CLA é suficiente para as operações espaciais previstas para acontecerem após as etapas de aprovação do AST” pelo Congresso e “a estruturação do modelo de negócios do CLA”. Indagado duas vezes pelo veículo sobre os documentos obtidos, o ministério não comentou.

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Fonte: UOL, Folha