O que é energia nuclear? Saiba como funciona uma usina
Por Danielle Cassita • Editado por Patricia Gnipper | •
Entre os diferentes processos capazes de gerar energia elétrica, está a tecnologia nuclear. Se você não sabe o que é energia nuclear, saiba que, resumidamente, é uma fonte não renovável de energia que usa elementos radioativos como recurso principal — em especial o urânio.
Considerada uma alternativa aos combustíveis fósseis, a energia nuclear tem vantagens e desvantagens. Nesta matéria, você vai entender como a energia nuclear é produzida, vai conhecer os tipos de energia nuclear e vai descobrir como funciona uma usina nuclear.
Energia nuclear: o que é e como é produzida?
A energia nuclear é uma fonte de energia gerada através de reações químicas que acontecem no núcleo dos átomos do urânio — elemento com o núcleo atômico mais pesado da natureza.
Tais reações liberam uma grande quantidade de energia, que, então, é transformada em eletricidade. Esse processo se chama fissão nuclear, no qual acontece a quebra da estrutura dos átomos envolvidos no processo.
Tipos de reação nuclear
- Fissão nuclear: processo que quebra a estrutura dos átomos de elementos químicos, em especial o urânio. Essa reação acontece em ambientes controlados chamados usinas nucleares e libera muita energia, que então é usada para gerar eletricidade
- Fusão nuclear: processo que junta um ou mais núcleos atômicos, produzindo grandes quantidades de energia para formar um núcleo maior. Costuma liberar muito mais energia do que consome e acontece naturalmente no universo, sendo a principal fonte de energia das estrelas, como o Sol
Vantagens da energia nuclear
- Baixa emissão de poluentes na atmosfera
- Facilidade de se instalar uma usina em regiões isoladas
- Produz muita energia a um custo de operação mais baixo
- Alternativa à queima de combustíveis fósseis
Desvantagens da energia nuclear
- Gera lixo radioativo que deve ser tratado devidamente para não contaminar o ambiente
- Utiliza recursos não renováveis
- Consome muita água para ser produzida
- Há sempre o risco de ocorrer um acidente nuclear
Como funciona uma usina nuclear?
As primeiras tecnologias nucleares foram desenvolvidas na década de 1940 com o intuito de produzir bombas atômicas. Já na década seguinte a atenção foi voltada para o uso pacífico da fissão nuclear para produzir energia. Hoje, a energia nuclear já soma décadas de utilização, com usinas operando em 32 países.
De acordo com a Associação Nuclear Mundial, cerca de 10% da energia mundial vem dos 440 reatores nucleares espalhados pelo mundo, sendo que outros 55 estão em construção. Além de não depender de grandes áreas de instalação ou de fatores climáticos, estas usinas operam continuamente — se não houver eventos extremos capazes de interromper seu funcionamento, os reatores nucleares podem operar sem interrupção por anos.
Portanto, uma usina nuclear é a instalação onde é gerada eletricidade com o calor e a energia liberados pela fissão nuclear.
Marcilei Guazzelli, docente do departamento de física da FEI, explicou ao Canaltech que "um átomo de urânio pode fissionar em dois fragmentos, o césio e rubídio, liberando dois nêutrons e 200 MeV (elétron-volt) de energia". Os nêutrons liberados podem encontrar outros átomos de urânio, iniciando uma reação em cadeia que exige controle. “Nesse sentido, reações controladas são as que ocorrem em um reator nuclear para gerar energia elétrica, enquanto as reações descontroladas causam, por exemplo, a detonação de uma bomba atômica”, disse a docente.
A fissão ocorre no interior dos reatores nucleares, componentes das usinas que suportam as reações com os combustíveis nucleares em seu interior. O calor liberado pela fissão aquece a água no reator, que será conduzida por tubos até chegar a um vaporizador para, em seguida, voltar ao reator. Já no vaporizador, mais água será fervida pelo calor dos tubos, onde a água aquecida passou. O vapor gerado irá mover turbinas, que vão alimentar geradores elétricos.
A próxima etapa é condensar este vapor do circuito secundário em água. Para isso, há as chamadas “torres de resfriamento”, as imensas e icônicas "chaminés" soltando uma fumaça branca, que nada mais é que vapor d'agua.
Existem diferentes tipos de reatores, como os de água fervente e de água pressurizada. Já a usina nuclear de Chernobyl, palco do maior acidente nuclear da história, tinha um reator que utilizava hastes de grafite para controlar a fissão nuclear. Contudo, após uma explosão causada pelo acúmulo de vapor, o grafite foi incendiado e liberou radiação.
“No caso do reator do tipo PWR [sigla para “Pressurized-Water Reactor”, os reatores de água pressurizada], este tipo de acidente não aconteceria, pois a utilização da água em alta pressão evita que ela entre em ebulição”, ressaltou Guazzelli.
Qual é o combustível utilizado nas usinas nucleares?
Os elementos usados como combustíveis nucleares devem ter estrutura atômica instável e serem pesados, com muitos prótons (partículas de carga elétrica positiva) no núcleo.
Hoje, o urânio é o principal combustível usado nas usinas nucleares. Trata-se de um elemento bastante abundante, sendo que o Brasil tem uma das maiores reservas de urânio no mundo.
Uma vantagem é que, como tem muitos prótons, o núcleo do isótopo urânio-235 tem dificuldade para manter as ligações que os unem. “Por isso, a colisão com um único nêutron é suficiente para desestabilizar toda a estrutura atômica e quebrá-la”, disse Guazzelli.
Entretanto, o urânio natural não é capaz de produzir reações em cadeia e precisa ser enriquecido para, assim, separar e aumentar a concentração de seus isótopos físseis. O enriquecimento é o fim de um processo que começa com a mineração e trituração das rochas com urânio, que depois passam por um processo que separa o elemento dos demais.
Depois de convertido para o estado gasoso, o urânio é enriquecido para aumentar sua concentração e, em seguida, é transformado em pastilhas que são inseridas em ligas de aço organizadas em feixes. Juntos, estes feixes formam o combustível nuclear.
Hoje, o Brasil domina o enriquecimento por ultracentrifugação. “Você coloca esse gás em um cilindro que gira a altíssimas velocidades, e assim como se usa nos hospitais para separar o plasma do sangue, o elemento mais pesado vai para a periferia do cilindro, e o menos pesado, o urânio-235, fica no centro”, conta o Dr. Claudio de Almeida, ex-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear, ao Canaltech. O processo é complexo e precisa ser repetido várias vezes.
Usinas nucleares no Brasil
As usinas nucleares do Brasil ficam na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), complexo instalado em Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro. Angra 1 e 2 operam a plena capacidade, enquanto Angra 3 está em construção e, quando funcionar comercialmente, deverá ser uma “irmã gêmea” de Angra 2. Juntas, as duas usinas do complexo produzem cerca de 3% da energia consumida em nosso país.
A escolha de Angra dos Reis para abrigar o CNAAA se deve a diferentes fatores, e um deles é a localização estratégica para a distribuição de energia. “Se você olhar o mapa, Angra está a praticamente à mesma distância de São Paulo e Rio de Janeiro, e um pouco mais longe de Belo Horizonte; que são os principais consumidores brasileiros”, destacou o Dr. Almeida.
“Mas é claro que, quando se fez a escolha, uma das principais razões de se construir na baía de Angra é a refrigeração com a água do mar, sem precisar das torres de refrigeração”, completa.
Tanto Angra 1 quanto 2 usam reatores PWR. “Neste tipo de reator, o processo de fissão é controlado com água pressurizada, o tipo mais utilizado no mundo”, explicou Marcilei Guazzelli.
No processo de fissão nuclear, quando o nêutron encontra um átomo de combustível, como o urânio, o átomo é fissionado e nêutrons são liberados, iniciando uma reação em cadeia. Guazzelli explica que, no caso do reator PWR, nêutrons rápidos são usados, sendo freados e gerando mais reações.
“Ou seja, esta água pressurizada é usada para reduzir a velocidade dos nêutrons”, disse. Como ocorre com outros reatores, os PWR também precisam ser resfriados — e isso é feito com água comum. “No caso de Angra, ele é refrigerado pela água do mar, mas em outras usinas são usadas as torres de refrigeração”, complementou o Dr. Almeida.
A água aquecida pelas reações atravessa o reator a mais de 300 ºC e, para não ferver, é mantida sob alta pressão. Com a troca de calor, o vapor é gerado e movimenta turbinas a alta velocidade, chegando a cerca de 1.800 rotações por minuto. Depois, a turbina aciona um gerador elétrico, e o vapor é resfriado em um condensador. No fim do processo, a água é liberada de volta para o mar.
A segurança das usinas nucleares
Entre as principais preocupações em relação às usinas nucleares estão os resíduos radioativos e o destino destes compostos, que podem contaminar o ambiente e oferecer riscos à saúde de seres vivos por milhares de anos.
“Quando você parte o urânio em dois pedaços, eles são altamente radioativos e continuam decaindo, produzindo calor mesmo quando a central desliga”, descreveu o Dr. Almeida. “Assim, é essencial que a central, uma vez desligada, continue sendo refrigerada para evitar que você funda o material. Esse é o risco que você tem de ter um acidente nuclear”.
Para evitar que algo do tipo aconteça, as usinas são projetadas com uma série de sistemas de segurança e barreiras. “A primeira é a própria pastilha: quando o urânio se parte, os pedaços ficam ali e é difícil que esse material saia para o meio ambiente”, disse ele. A segunda é a vareta de zircônio, que contém as pastilhas, e a terceira é a estrutura do reator, seus circuitos, e bombas. “Se o sistema primário falhar, tem o prédio de contenção”, explicou.
No caso das usinas de Angra, os prédios são construções com paredes espessas de concreto envolvidas por aço, que devem conter o material radioativo no caso de um acidente nuclear. Se houver falhas na refrigeração dos reatores, por exemplo, sistemas de emergência são ativados para mantê-los refrigerados com água.
“Esses sistemas são movidos a geradores de emergência a diesel, então se tem 2 reatores, ficamos com 4 geradores”, disse. A quantidade extra de geradores faz parte da chamada redundância: “se um estiver em manutenção e outro falhar, tenho que ter 200% dos 50% que eu preciso”, reforçou ele.
Além disso, há constante monitoramento das usinas de Angra dos Reis e seus arredores, incluindo estradas e cidades próximas. Caso qualquer radiação seja detectada, planos emergenciais envolvendo medidas de segurança entram em ação. Tais planos têm medidas variadas, que vão desde a orientação da população em áreas próximas à usina, até o acionamento de sirenes e também a oferta de transportes para a evacuação de moradores.
Para o Dr. Almeida, é bastante difícil que ocorra um novo acidente nuclear como o de Chernobyl, tragédia que marcou o mundo há mais de 35 anos. “Se você fizer o cálculo da probabilidade de um acidente nuclear, verá que ela é muito baixa comparada com qualquer outro tipo de geração de energia”, finaliza o especialista.