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Entenda como a Liga da Justiça de Snyder expõe uma guerra interna na Warner

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Tudo sobre Warner Bros

Vocês devem ter notado que, no ano passado, os nomes de Zack Snyder e Ray Fisher estiveram bastante presentes nas notícias de entretenimento. Em paralelo, as informações de bastidores sobre movimentações no grupo AT&T, que controla o conglomerado WarnerMedia, do qual fazem parte a Warner Bros e a Warner Interactive Entertainment, também tiveram bastante destaque, especialmente com relação à chegada do HBO Max — ainda que, muitas vezes, isso tudo parecesse desconectado na superfície.

Na virada para 2010, a AT&T viu a possibilidade de adquirir a Time Warner, de olho nas várias subsidiárias que poderiam incrementar seus serviços de telecomunicações com conteúdo premium: New Line Cinema, Time Inc., Turner Broadcasting System, The CW, Warner Bros, The CW4Kids, Cartoon Network, Boomerang, Adult Swim, CNN, DC Comics, Warner Bros Interactive Entertainment, Castle Rock Entertainment, Picturehouse, Warner Premiere, Warner Independent Pictures, Esporte Interativo, Crunchyroll, Hanna-Barbera e, principalmente, HBO.

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Esse “flerte” se estendeu por alguns anos, até que, em 2016, o negócio foi anunciado e o processo de aprovação do mercado se arrastou até junho de 2018, quando a transação finalmente foi aceita pelos governos envolvidos — inclusive o brasileiro. O valor chegou aos US$ 85,4 bilhões e se tornou a maior aquisição de um grupo de mídia após a própria compra da Time Warner pela AOL em 2000, por US$ 162 bilhões — para comparar, a Disney pagou US$ 71,3 bilhões pelos ativos da Fox.

Some aos gastos da AT&T a absorção da DirecTV por US$ 49 bilhões e, com outras negociações, o montante chega a US$ 170 bilhões. É uma verba alta e arriscada, especialmente se levarmos em consideração a competição da companhia com a maior concorrente em seu principal campo de atuação, as telecomunicações: a Verizon, que não mexeu tanto em seus cofres, manteve a confiança dos investidores e as ações em alta.

É lógico que esse investimento precisa de um planejamento consistente, já que boa parte do retorno de receita será destinada para pagar a própria dívida. A AT&T, então, renomeou a Time Warner para WarnerMedia e elegeu a construção de uma robusta plataforma de streaming capitaneada pela HBO como seu grande carro-chefe para esta missão.

Em dezembro de 2018, as diretrizes iniciais, traçadas pelo CEO da HBO, Richard Pepler, previam o investimento em mais conteúdo original; o aumento de oferta premium do Cinemax para TV, com destaque para atrações “familiares”; venda casada de assinaturas dos canais HBO e Cinemax; e alinhamento de distribuição do HBO Go exclusivamente via Comcast, a maior empresa de TV a cabo dos Estados Unidos.

O veterano John Stankey foi o executivo escolhido para supervisionar a integração da AT&T com as subsidiárias e ajudar Pepler a realizar sua missão. Mas, ao longo das conversas, Stankey começou a questionar o planejamento de Pepler, que previa uma receita anual de US$ 7,5 bilhões. Embora essa projeção fosse 12% acima da arrecadação da HBO em 2019, ainda passa longe dos US$ 20 bilhões conquistados pela Netflix no mesmo período.

Stankey teria exigido de Pepler uma solução direta para o consumidor final, capaz de gerar 60 milhões de assinantes mensais em até cinco anos. Uma tarefa difícil para um serviço que vai herdar o legado ainda inconsistente do HBO Go, que já apresentou muitos problemas quando exigido em seus primeiros grandes testes, a exemplo da queda durante as temporadas finais de Game of Thrones. O HBO Go até ganhou uma interface mais esperta e funcional, mas ainda sofre instabilidade e é muito estático, especialmente quando comparado com a oferta regional da Netflix.

Além disso, os números não ajudavam a estratégia de Pepler: as assinaturas da HBO caíram de cerca de 37,5 milhões em 2017 para 34,5 milhões em 2019. Nesse mesmo período, segundo a CNBC, as adesões globais da Netflix saltaram 50%, de 111 milhões para 167 milhões. A postura de Stankey, que passou a ganhar mais popularidade no alto escalão da AT&T, tornaram Pepler e vários executivos em seus desafetos, principalmente por conta de algumas estratégias infames em um ano atípico de pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2).

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E as rusgas internas aumentaram quando muitos dos executivos da Warner Bros e da DC Films passaram a questionar as decisões de Stankey, que não tem em seu currículo um amplo domínio do mercado de mídia e entretenimento.

Demissões em massa e o início da guerra interna

No início de 2019, Stankey começou a ignorar o planejamento de Pepler e tomou as rédeas da WarnerMedia, o que causou o afastamento de Pepler em março. Stankey estabeleceu uma estratégia mais agressiva para o HBO Max, para tentar torná-lo um competidor capaz de tomar a primeira posição da Netflix. A AT&T, descontente com os resultados de seus ativos recém-comprados nos últimos anos, mergulhou de cabeça em suas propostas e promoveu-o a CEO.

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Para o lugar de Pepler, Stankey trouxe Jason Kilar, que esteve por trás do lançamento do Hulu, para comandar a construção de um poderoso HBO Max. Já nessa manobra, uma polaridade começou a ficar cada vez mais evidente no conglomerado, pois o pessoal que há anos estava envolvido com os trabalhos da Warner Bros, DC Films, DC Comics, Warner Bros Interactive e DC Universe viram com maus olhos essa mudança de poder. Então, o alto escalão dessas empresas passou a questionar as ações da WarnerMedia e as estratégias ligadas ao HBO Max — um exemplo disso são os anúncios de séries como a dos Lanternas Verdes ou da Liga Justiça Sombria sem um alinhamento detalhado com o reposicionamento orquestrado por Hamada nos últimos anos.

E as coisas ficaram piores. A começar pelo enxugamento do quadro de executivos, inclusive de veteranos, de todas as subsidiárias. Vários chefes de setor, gerentes e outros profissionais de cargos elevados foram demitidos, a exemplo do coeditor-chefe da DC Comics, Dan Didio — que, embora já estivesse em atrito com Scott Snyder e Geoff Johns, ainda tinha certo prestígio e foi desligado de forma, digamos, pouco amistosa. E isso aconteceu com bastante gente.

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Além disso, a WarnerMedia começou a rever ativos para vender ou descontinuar. Foram os casos da divisão de games Warner Bros Interactive, que chegou a ser oferecida no mercado, mas foi mantida por conta de anúncios que aumentaram o preço de suas ações e projeção de crescimento, a exemplo do título de mundo aberto de Harry Potter e de jogos envolvendo a “Batfamília” e o Esquadrão Suicida; e do DC Universe, que definha e já teve suas principais atrações absorvidas pelo HBO Max.

E aí entra o Snyder Cut e a insatisfação pública de Ray Fisher, que vêm sendo atrelados a esse conflito interno.

A volta de Snyder e a bronca de Ray Fisher

Mesmo ainda em luto pela morte da filha, Zack Snyder sempre deixou claro, publicamente, que o Liga da Justiça lançado pouco tinha a ver com suas ideias iniciais. Ao longo de 2019, sua interação com os fãs aumentou; e o material que ele tinha em mãos começou a vazar na web, o que despertou curiosidade e gerou pressão da audiência por um novo corte do filme. Na época, Hamada e a DC Films começavam a engrenar; e a Warner Bros foi taxativa ao dizer que não investiria no Snyder Cut.

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E aí veio a confirmação do Zack Snyder’s Justice League, que, aos olhos do público, foi uma vitória da “voz do povo”. Mas, nos bastidores da companhia, a coisa foi diferente. O projeto pode ser considerado o início da guerra entra a WarnerMedia e a Warner Bros e DC Films. Stankey e Kilar desautorizaram as diretrizes impostas anteriormente e decidiram bancar a empreitada, com um investimento que estaria perto dos US$ 80 milhões — com direito a regravações com o elenco original. Em parte, isso também faz parte da desesperada busca da WarnerMedia por “headliners” para a plataforma, assim como Stranger Things é para a Netflix e The Mandalorian é para o Disney+ — veja bem, o HBO Max já está desenvolvendo spin-offs de Sopranos, Duna e The Batman.

Paralelamente, Ray Fisher, talvez incentivado por gente ligada à WarnerMedia, abriu a “caixa de ferramentas” e expôs supostos destemperos e abordagens racistas e/ou machistas no set de gravação — além do fato de o novo roteiro de Whedon ter obliterado 80% da participação do Ciborgue no filme, já que, inicialmente, segundo Snyder, ele seria o “coração” da narrativa e se transformou em um coadjuvante de luxo.

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No capítulo mais recente, a treta ficou ainda mais evidente. Walter Hamada, ao ter seu contrato renovado como presidente da DC Films, disse que o Zack Snyder’s Justice League é um “beco sem saída”. Ou seja, se depender dele, Snyder não fará uma sequência ou será escalado novamente para outros projetos.

E o que vai acontecer daqui para frente?

Bem, uma das primeiras novas decisões da WarnerMedia já vem causando treta no mercado cinematográfico. Além de ter lançado Mulher-Maravilha 1984 na chamada estreia híbrida, a companhia impôs à Warner Bros o anúncio da distribuição de todos os seus filmes de 2021 também na distribuição simultânea nos cinemas e no streaming HBO Max. Vale destacar que a insatisfação do setor sobre esse modelo não envolve somente a arrecadação para as redes de salas de exibição, mas também os próprios salários da produção, que costuma atrelar pagamentos de vários profissionais a um percentual da receita da bilheteria.

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A principal carta na manga do HBO Max é o fato da Warner já ter uma sólida rede de distribuição e parceiros consolidados há anos em regiões estratégicas, como a América Latina. Diferente da Netflix, que negocia grande parte de catálogo em contratos regionais para exibição — daí a razão de entradas e saídas mensais de várias atrações —, a WarnerMedia possui uma ampla biblioteca proprietária. Exemplo disso é Friends, que, até o mês passado, mantinha um nível de alto consumo na Netflix e agora retornou para a Warner e será incorporada ao HBO Max.

O principal desafio da companhia, agora, é reduzir os atritos e aproximar os projetos da DC Films com os da HBO Max. Como todos viram em 2020, ter um canal poderoso para distribuição própria se tornou prioridade neste momento disruptivo. De certa forma, isso já vem acontecendo. No anúncio da renovação de seu contrato, Hamada, embora tenha criticado o Zack Snyder’s Justice League, adotou um tom diplomático ao falar sobre projetos para o cinema e o streaming. Além disso, na DC Comics, a reformulação de sua linha, com a chegada do evento Infinite Frontier, promete tornar seu Multiverso menos confuso e mais amigável a uma nova geração de leitores.

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E, claro, se quiser alçar voos maiores, o HBO Max precisa aproximar a experiência do usuário à oferecida pela Netflix, que usa seu precioso algoritmo proprietário para tornar a plataforma dinâmica e localizada. Bom, 2021 já começou fervendo na Warner e continuamos acompanhando o que vem por aí nos próximos capítulos.