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Entenda como a Liga da Justiça de Snyder expõe uma guerra interna na Warner

Por| 10 de Janeiro de 2021 às 11h00

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Tudo sobre Warner Bros

Vocês devem ter notado que, no ano passado, os nomes de Zack Snyder e Ray Fisher estiveram bastante presentes nas notícias de entretenimento. Em paralelo, as informações de bastidores sobre movimentações no grupo AT&T, que controla o conglomerado WarnerMedia, do qual fazem parte a Warner Bros e a Warner Interactive Entertainment, também tiveram bastante destaque, especialmente com relação à chegada do HBO Max — ainda que, muitas vezes, isso tudo parecesse desconectado na superfície.

Fato é que muitas mudanças ocorreram na WarnerMedia desde o final de 2019 e tanto Snyder quanto Fisher podem servir como exemplo para ilustrar como um conflito interno, até então discreto, passou a ficar cada vez mais escancarado nas últimas semanas — especialmente quando o presidente da DC Films, Walter Hamada, disse que o Snyder Cut não “levará a lugar algum”; e na desaprovação de Fisher sobre a renovação do contrato de Hamada no cargo.

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Mas o que cada um desses nomes e grupos representam dentro dessa “guerra interna” da Warner? O Canaltech monta o quebra-cabeça para você compreender melhor o que vem acontecendo e como isso pode impactar no mercado de streaming, games, quadrinhos, e no próprio Universo Estendido DC (DCEU, na sigla em inglês) nos cinemas.

Para isso, é preciso voltar ao fracassado início da DC Films, com Lanterna Verde, em 2011.

O fim de Harry Potter e a chegada da DC Films

Embora a Warner Bros sempre tenha tido os direitos de adaptação de todos os personagens da DC Comics para outras mídias, a companhia não enxergava um universo compartilhado ou a união de todos os heróis da Liga da Justiça como um filão tão rentável quanto Harry Potter, sua “galinha dos ovos de ouro” no segmento de entretenimento infantojuvenil.

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Como sabemos, na seara dos super-heróis, a companhia sempre investiu mais nas animações, e, durante os anos 1990 e 2000, usava a própria estrutura geral da Warner Bros para realizar projetos cinematográficos pontuais com essas propriedades, a exemplo dos filmes do Batman (como os de Tim Burton ou a trilogia de Christopher Nolan) ou séries como Smallville.

Mas… eis que, no início de 2000, os filmes de heróis começaram a crescer em qualidade e popularidade, especialmente por conta do “boom” causado pelo sucesso de X-Men e Homem-Aranha. E a coisa ficou séria mesmo com a chegada da Marvel Studios, com O Incrível Hulk e Homem de Ferro, já no final da década.

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Nesse mesmo período, Harry Potter chegava ao fim e os executivos, então, passaram a olhar com mais ambição para os super-heróis — afinal, a eterna concorrente dos quadrinhos estava mostrando o caminho para o sucesso. Como a trilogia do Batman de Nolan também vinha agradando crítica e público, os chefões decretaram: era a hora de explorar os heróis da Liga da Justiça nas telonas.

Ascensão e “queda” de Geoff Johns

Na mesma época que os executivos decidiram investir em um universo compartilhado por personagens da DC nas telonas, o mais bem-sucedido título mensal era o do Lanterna Verde, que teve toda sua mitologia revisada por Geoff Johns. O roteirista transformou Hal Jordan no carro-chefe da editora, e, por isso, os Gladiadores Esmeralda foram a escolha natural para o primeiro filme do DCEU.

Como sabemos, o filme, embora tenha trazido alguns elementos fieis, pecou em seu tom; a história também acumulou muita coisa no mesmo arco e nada foi desenvolvido direito. Nos bastidores, há várias explicações para esse fracasso. A começar pela inexperiência de Johns nos corredores de Hollywood e na própria postura inicial da Warner Bros.

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A Warner Bros é uma companhia centenária que lança dezenas de títulos anualmente, e, na época, a DC Films ainda não havia sido estabelecida. Os executivos que passaram a cuidar dos heróis foram os mesmos que lidavam com Harry Potter e, como sabemos, a franquia do bruxinho nada tem a ver com a mitologia moderna dos heróis e vilões da DC Comics.

Enquanto a Marvel Studios nasceu como um estúdio que escolhia cada um dos diretores, atores e outros profissionais envolvidos em seus poucos projetos por ano, a Warner Bros selecionou quem seriam os responsáveis por Lanterna Verde — incluindo Martin Campbell. O diretor veio do portefólio da companhia para rodar um roteiro criado por Johns, que é um dos grandes dos quadrinhos e até já tinha trabalhado com TV e cinema anteriormente; mas sua falta de influência nos bastidores corporativos o deixou de mãos atadas para as grandes decisões.

Embora Kevin Feige tenha tido sua própria “guerra civil interna” com Ike Perlmutter no Marvel Group (leia tudo sobre isso no link abaixo), ele sempre conseguiu alinhar ideias para o cinema em conjunto com os “arquitetos” da Marvel Comics. Assim, a sincronia entre as revistas e os filmes criaram um processo de retroalimentação que funcionou para o Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês). Isso se deu, principalmente, porque Feige, que trabalhou como assistente de produção em todas as primeiras grandes adaptações desde o início dos anos 2000, sabia o que não tinha funcionado e conseguiu juntar os talentos certos na proposta de um gênero próprio para os heróis.

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Já Johns chegou a convencer a Warner Bros a pensar em uma divisão só para os filmes de heróis, a DC Films, que só foi efetivada em 2016 e ficou “em gestação” desde 2011. Nessa época, a Warner Bros escolheu alguém mais experiente com produção de cinema, Jon Berg, para dividir a missão de construir o DCEU ao lado de Johns.

Dava para notar que Johns estava insatisfeito, e uma das saídas para o escritor/produtor foi deixar Berg e a cúpula da Warner Bros decidindo os rumos no cinema enquanto ele se dedicava à expansão do DCEU nas séries do canal CW. Além disso, Johns voltou a se envolver mais com os quadrinhos, já que o coeditor-chefe Dan Didio vinha tomando decisões que estavam descaracterizando os personagens, tanto nas revistas quanto nas suas novas versões para as telonas.

E, em 2012, Zack Snyder entra na jogada.

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O amado e odiado Snyder

Em 2012, a Warner Bros ainda tentava encaixar os filmes de super-heróis no modelo tradicional de contar suas histórias para o público infantojuvenil. E Berg, assim como a mesa diretora, decidiu apostar em um cara que tinha tido sucesso com duas adaptações de quadrinhos, Watchmen e 300. Além disso, Zack Snyder sempre teve em sua direção um grande apelo visual, pois o cineasta é, acima de tudo, um artista gráfico.

Contudo, a visão de Snyder vai contra as concepções de legado e esperança de Johns; e o momento em que a DC Comics vivia, com os Novos 52, que, basicamente tinha encerrado o casamento de heróis e o legado de vários personagens, alimentava a pegada mais extrema e sombria do diretor nos cinemas. O próprio Johns, na fase Renascimento da editora, usou Watchmen para “consertar” o reboot (leia-se remendo) de Dan Didio. Sua missão foi trazer de volta, nas palavras do escritor, “o amor, a esperança e o legado” à DC Comics.

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Paralelamente, Snyder já tinha tomando controle do DCEU com Homem de Aço e Batman vs Superman: A Origem da Justiça. Mas, com as críticas “mistas” e o sucesso da Marvel Studios, especialmente com os Vingadores, a Warner Bros se viu obrigada a rever os planos para não ficar tão aquém da concorrência em Liga da Justiça. Foi quando ela oficializou a DC Films, com o comando duplo de Berg e Johns, embora este já estivesse “largando os bets” para se dedicar mais para o DCEU na TV e no streaming, ajudando a unir as séries do Arrowverse e a criar os títulos do DC Universe, como Titans.

Só que… Esquadrão Suicida, de 2016, também foi um fracasso. Para piorar, Snyder, já bastante criticado e pressionado, sofreu com a morte da filha e precisou deixar o DCEU no início das gravações de Liga da Justiça.

Walter Hamada, Aquaman, Coringa e Shazam!

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Bem, como sabemos, Liga da Justiça se tornou um filme todo desconjuntado, com algumas ideias de Snyder e execução de Joss Whedon, contratado como diretor de aluguel só para terminar a história. Aliás, sua contratação pode ser considerada mais uma decisão questionável da Warner Bros, pois o próprio Whedon tinha acabado de vir de uma experiência desgastante com as imposições de Feige em Vingadores: A Era de Ultron.

O resultado das bilheterias de Liga da Justiça até foi interessante, com arrecadação de quase US$ 660 milhões — um pouco mais que o dobro do orçamento de US$ 300 milhões, o que foi considerado medíocre na comparação com os lucros da Marvel Studios, que vinha escalando seus bilhões de dólares na venda de tickets e críticas positivas. A Warner Bros, então, percebeu que era hora de dar uma chacoalhada geral e, finalmente, olhou melhor para o próprio trabalho de Johns nos quadrinhos e nas séries de TV, que acabaram fazendo mais barulho entre os fãs no projeto de expansão do Universo DC.

Foi então que o presidente da Warner Bros, Toby Emmerich, decidiu apostar em Walter Hamada para a presidência da DC Films, especialmente por conta de sua eficiência na New Line Cinema, em produções enxutas que foram bem desenvolvidas e entregues no prazo e trouxeram excelente retorno na bilheteria. Seus bons resultados com a franquia Invocação do Mal, por exemplo; e sua visão sobre o que faria do DCEU um universo compartilhado diferente do da Marvel Studios se alinhava melhor com as ideias de Johns e com o próprio DNA da DC Comics.

Então, em 2019, durante a San Diego Comic-Con, vimos a Warner Bros mudar, discretamente, a tagline que acompanhava o estande da DC Films. Em vez do “Universo Estendido DC” o banner trazia a frase “Worlds of DC”. Pode parecer pouco, mas isso já indicava uma das mudanças de Hamada, que deixou de perseguir o modelo de sincronia da Marvel para abraçar de vez uma das maiores características da DC Comics: seu Multiverso com 52 Terras paralelas e infinitas linhas temporais.

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Assim, Hamada começou a trabalhar com projetos sustentáveis, que não precisavam, necessariamente, fazer parte do mesmo “cantinho” do DCEU. Como exemplo dessa nova proposta, ele alinhou melhor o trabalho de James Wan, que pôde escalar profissionais escolhidos a dedo e trazer uma tonalidade mais ensolarada para Aquaman. Hamada também deixou para trás o lado “sisudo” da DC ao transformar Shazam! em um filme mais leve e cômico.

O novo presidente da DC Films também liberou Patty Jenkins de usar ideias de Snyder, que havia sugerido uma Mulher-Maravilha mais agressiva. Hamada traçou um roadmap mais estratégico para os filmes e ordenou que nenhum projeto fosse aprovado se faltasse um só ator, linha de diálogo nos roteiros ou confirmação de diretor e janelas de estreia. E mais: tudo isso passou vir com riscos de orçamento melhor avaliados. Prova disso é Coringa, que, embora tenha sido concebido pela DC Films, foi produzido pela Warner Bros e teve um tratamento de filme independente, sem ligação com o DCEU.

Assim, com os “Worlds of DC” no final de 2019, Hamada pôde trazer muitas ideias de Johns, como a conexão entre o Arrowverse e os filmes da Warner Bros; e a possibilidade de explorar um DCEU sem a obrigação de conectá-lo com projetos mais autorais, como The Batman, de Matt Reeves. Essas ações renderam bons resultados, tanto nas telinhas quanto nas telonas.

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Assim, no início de 2020, a Warner Bros, feliz com o comando de Hamada, previa uma boa escalada de seus filmes, em um DCEU que ganhava mais consistência com Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa e Mulher-Maravilha: 1984, além de Adão Negro e Aquaman 2, em desenvolvimento. E, com o vindouro The Flash, a DC Films deve finalmente explicar nos cinemas o Multiverso DC, que pode comportar narrativas em um arco contínuo ou visitar “Terras paralelas menores” e mais contidas, como em The Batman.

Só que… além de um ano imprevisível por conta da chegada da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), a AT&T decidiu realizar mudanças drásticas. A ideia era rever todos seus ativos e enxugar a máquina, com o objetivo de ampliar o capital de investimento em seu novo serviço de streaming, o HBO Max. E, claro, transformá-lo em uma plataforma capaz de rivalizar com a Netflix e a ascensão do Disney+.

A chegada barulhenta da WarnerMedia com o HBO Max 

O grupo Time Warner é conhecido já há muito tempo como um dos maiores conglomerados do setor de mídia e entretenimento, especialmente após a aquisição da America Online (AOL), que, na época da negociação, no começo de 2000, era o maior provedor de Internet do mundo. Mas, com o tempo, a instabilidade da AOL e mudanças políticas nos Estados Unidos levaram os diretores a separar a Timer Warner, em 2009.

Na virada para 2010, a AT&T viu a possibilidade de adquirir a Time Warner, de olho nas várias subsidiárias que poderiam incrementar seus serviços de telecomunicações com conteúdo premium: New Line Cinema, Time Inc., Turner Broadcasting System, The CW, Warner Bros, The CW4Kids, Cartoon Network, Boomerang, Adult Swim, CNN, DC Comics, Warner Bros Interactive Entertainment, Castle Rock Entertainment, Picturehouse, Warner Premiere, Warner Independent Pictures, Esporte Interativo, Crunchyroll, Hanna-Barbera e, principalmente, HBO.

Esse “flerte” se estendeu por alguns anos, até que, em 2016, o negócio foi anunciado e o processo de aprovação do mercado se arrastou até junho de 2018, quando a transação finalmente foi aceita pelos governos envolvidos — inclusive o brasileiro. O valor chegou aos US$ 85,4 bilhões e se tornou a maior aquisição de um grupo de mídia após a própria compra da Time Warner pela AOL em 2000, por US$ 162 bilhões — para comparar, a Disney pagou US$ 71,3 bilhões pelos ativos da Fox.

Some aos gastos da AT&T a absorção da DirecTV por US$ 49 bilhões e, com outras negociações, o montante chega a US$ 170 bilhões. É uma verba alta e arriscada, especialmente se levarmos em consideração a competição da companhia com a maior concorrente em seu principal campo de atuação, as telecomunicações: a Verizon, que não mexeu tanto em seus cofres, manteve a confiança dos investidores e as ações em alta.

É lógico que esse investimento precisa de um planejamento consistente, já que boa parte do retorno de receita será destinada para pagar a própria dívida. A AT&T, então, renomeou a Time Warner para WarnerMedia e elegeu a construção de uma robusta plataforma de streaming capitaneada pela HBO como seu grande carro-chefe para esta missão.

Em dezembro de 2018, as diretrizes iniciais, traçadas pelo CEO da HBO, Richard Pepler, previam o investimento em mais conteúdo original; o aumento de oferta premium do Cinemax para TV, com destaque para atrações “familiares”; venda casada de assinaturas dos canais HBO e Cinemax; e alinhamento de distribuição do HBO Go exclusivamente via Comcast, a maior empresa de TV a cabo dos Estados Unidos.

O veterano John Stankey foi o executivo escolhido para supervisionar a integração da AT&T com as subsidiárias e ajudar Pepler a realizar sua missão. Mas, ao longo das conversas, Stankey começou a questionar o planejamento de Pepler, que previa uma receita anual de US$ 7,5 bilhões. Embora essa projeção fosse 12% acima da arrecadação da HBO em 2019, ainda passa longe dos US$ 20 bilhões conquistados pela Netflix no mesmo período.

Stankey teria exigido de Pepler uma solução direta para o consumidor final, capaz de gerar 60 milhões de assinantes mensais em até cinco anos. Uma tarefa difícil para um serviço que vai herdar o legado ainda inconsistente do HBO Go, que já apresentou muitos problemas quando exigido em seus primeiros grandes testes, a exemplo da queda durante as temporadas finais de Game of Thrones. O HBO Go até ganhou uma interface mais esperta e funcional, mas ainda sofre instabilidade e é muito estático, especialmente quando comparado com a oferta regional da Netflix.

Além disso, os números não ajudavam a estratégia de Pepler: as assinaturas da HBO caíram de cerca de 37,5 milhões em 2017 para 34,5 milhões em 2019. Nesse mesmo período, segundo a CNBC, as adesões globais da Netflix saltaram 50%, de 111 milhões para 167 milhões. A postura de Stankey, que passou a ganhar mais popularidade no alto escalão da AT&T, tornaram Pepler e vários executivos em seus desafetos, principalmente por conta de algumas estratégias infames em um ano atípico de pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2).

E as rusgas internas aumentaram quando muitos dos executivos da Warner Bros e da DC Films passaram a questionar as decisões de Stankey, que não tem em seu currículo um amplo domínio do mercado de mídia e entretenimento.

Demissões em massa e o início da guerra interna

No início de 2019, Stankey começou a ignorar o planejamento de Pepler e tomou as rédeas da WarnerMedia, o que causou o afastamento de Pepler em março. Stankey estabeleceu uma estratégia mais agressiva para o HBO Max, para tentar torná-lo um competidor capaz de tomar a primeira posição da Netflix. A AT&T, descontente com os resultados de seus ativos recém-comprados nos últimos anos, mergulhou de cabeça em suas propostas e promoveu-o a CEO.

Para o lugar de Pepler, Stankey trouxe Jason Kilar, que esteve por trás do lançamento do Hulu, para comandar a construção de um poderoso HBO Max. Já nessa manobra, uma polaridade começou a ficar cada vez mais evidente no conglomerado, pois o pessoal que há anos estava envolvido com os trabalhos da Warner Bros, DC Films, DC Comics, Warner Bros Interactive e DC Universe viram com maus olhos essa mudança de poder. Então, o alto escalão dessas empresas passou a questionar as ações da WarnerMedia e as estratégias ligadas ao HBO Max — um exemplo disso são os anúncios de séries como a dos Lanternas Verdes ou da Liga Justiça Sombria sem um alinhamento detalhado com o reposicionamento orquestrado por Hamada nos últimos anos.

E as coisas ficaram piores. A começar pelo enxugamento do quadro de executivos, inclusive de veteranos, de todas as subsidiárias. Vários chefes de setor, gerentes e outros profissionais de cargos elevados foram demitidos, a exemplo do coeditor-chefe da DC Comics, Dan Didio — que, embora já estivesse em atrito com Scott Snyder e Geoff Johns, ainda tinha certo prestígio e foi desligado de forma, digamos, pouco amistosa. E isso aconteceu com bastante gente.

Além disso, a WarnerMedia começou a rever ativos para vender ou descontinuar. Foram os casos da divisão de games Warner Bros Interactive, que chegou a ser oferecida no mercado, mas foi mantida por conta de anúncios que aumentaram o preço de suas ações e projeção de crescimento, a exemplo do título de mundo aberto de Harry Potter e de jogos envolvendo a “Batfamília” e o Esquadrão Suicida; e do DC Universe, que definha e já teve suas principais atrações absorvidas pelo HBO Max.

E aí entra o Snyder Cut e a insatisfação pública de Ray Fisher, que vêm sendo atrelados a esse conflito interno.

A volta de Snyder e a bronca de Ray Fisher

Mesmo ainda em luto pela morte da filha, Zack Snyder sempre deixou claro, publicamente, que o Liga da Justiça lançado pouco tinha a ver com suas ideias iniciais. Ao longo de 2019, sua interação com os fãs aumentou; e o material que ele tinha em mãos começou a vazar na web, o que despertou curiosidade e gerou pressão da audiência por um novo corte do filme. Na época, Hamada e a DC Films começavam a engrenar; e a Warner Bros foi taxativa ao dizer que não investiria no Snyder Cut.

E aí veio a confirmação do Zack Snyder’s Justice League, que, aos olhos do público, foi uma vitória da “voz do povo”. Mas, nos bastidores da companhia, a coisa foi diferente. O projeto pode ser considerado o início da guerra entra a WarnerMedia e a Warner Bros e DC Films. Stankey e Kilar desautorizaram as diretrizes impostas anteriormente e decidiram bancar a empreitada, com um investimento que estaria perto dos US$ 80 milhões — com direito a regravações com o elenco original. Em parte, isso também faz parte da desesperada busca da WarnerMedia por “headliners” para a plataforma, assim como Stranger Things é para a Netflix e The Mandalorian é para o Disney+ — veja bem, o HBO Max já está desenvolvendo spin-offs de Sopranos, Duna e The Batman.

Paralelamente, Ray Fisher, talvez incentivado por gente ligada à WarnerMedia, abriu a “caixa de ferramentas” e expôs supostos destemperos e abordagens racistas e/ou machistas no set de gravação — além do fato de o novo roteiro de Whedon ter obliterado 80% da participação do Ciborgue no filme, já que, inicialmente, segundo Snyder, ele seria o “coração” da narrativa e se transformou em um coadjuvante de luxo.

No capítulo mais recente, a treta ficou ainda mais evidente. Walter Hamada, ao ter seu contrato renovado como presidente da DC Films, disse que o Zack Snyder’s Justice League é um “beco sem saída”. Ou seja, se depender dele, Snyder não fará uma sequência ou será escalado novamente para outros projetos.

E o que vai acontecer daqui para frente?

Bem, uma das primeiras novas decisões da WarnerMedia já vem causando treta no mercado cinematográfico. Além de ter lançado Mulher-Maravilha 1984 na chamada estreia híbrida, a companhia impôs à Warner Bros o anúncio da distribuição de todos os seus filmes de 2021 também na distribuição simultânea nos cinemas e no streaming HBO Max. Vale destacar que a insatisfação do setor sobre esse modelo não envolve somente a arrecadação para as redes de salas de exibição, mas também os próprios salários da produção, que costuma atrelar pagamentos de vários profissionais a um percentual da receita da bilheteria.

A principal carta na manga do HBO Max é o fato da Warner já ter uma sólida rede de distribuição e parceiros consolidados há anos em regiões estratégicas, como a América Latina. Diferente da Netflix, que negocia grande parte de catálogo em contratos regionais para exibição — daí a razão de entradas e saídas mensais de várias atrações —, a WarnerMedia possui uma ampla biblioteca proprietária. Exemplo disso é Friends, que, até o mês passado, mantinha um nível de alto consumo na Netflix e agora retornou para a Warner e será incorporada ao HBO Max.

O principal desafio da companhia, agora, é reduzir os atritos e aproximar os projetos da DC Films com os da HBO Max. Como todos viram em 2020, ter um canal poderoso para distribuição própria se tornou prioridade neste momento disruptivo. De certa forma, isso já vem acontecendo. No anúncio da renovação de seu contrato, Hamada, embora tenha criticado o Zack Snyder’s Justice League, adotou um tom diplomático ao falar sobre projetos para o cinema e o streaming. Além disso, na DC Comics, a reformulação de sua linha, com a chegada do evento Infinite Frontier, promete tornar seu Multiverso menos confuso e mais amigável a uma nova geração de leitores.

E, claro, se quiser alçar voos maiores, o HBO Max precisa aproximar a experiência do usuário à oferecida pela Netflix, que usa seu precioso algoritmo proprietário para tornar a plataforma dinâmica e localizada. Bom, 2021 já começou fervendo na Warner e continuamos acompanhando o que vem por aí nos próximos capítulos.