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Ponto Nemo é um "cemitério espacial" no Pacífico. Mas o que existe por lá?

Por| Editado por Patricia Gnipper | 18 de Fevereiro de 2022 às 15h00

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NASA
NASA

A região próxima do Ponto Nemo, o local mais remoto e distante de qualquer terra firme em nosso planeta, é também o lar de espaçonaves, estações espaciais e outros grandes objetos espaciais que chegaram ao fim de suas vidas úteis. Esta área também é conhecida como “área desabitada do oceano Pacífico Sul” pelas agências espaciais, mas também poderia ser chamada “cemitério espacial”, por ser o destino final de grandes objetos artificiais que deixam a órbita e retornam à Terra.

O local está longe de ser um ponto turístico, mas é bastante conhecido por ser extremamente remoto: o Ponto Nemo fica localizado a 48⁰25.6’ na latitude sul e 123⁰23.6’ na longitude oeste.

As pessoas mais próximas dele nem estão na Terra, mas sim a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS), que orbita a Terra a cerca de 400 km de altitude. Caso você esteja no Ponto Nemo e queira chegar à terra firme mais próxima, teria que navegar cerca de 2.700 km até alcançar o sul da Antártida.

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Como não há ilhas por perto (as praias mais próximas estão a alguns milhares de quilômetros do local) e pouquíssimas embarcações comerciais passam por lá, nada mais justo do que aproveitar os arredores do Ponto Nemo para descartar antigas naves espaciais em segurança, sem expor pessoas e construções aos riscos de possíveis quedas de detritos. Foi assim que a Área Desabitada do Pacífico Sul se tornou um grande cemitério espacial, que se estende de 3.000 km de norte a sul e a 5.000 km de leste a oeste.

Este cemitério fica entre a zona batial e a zona abissal, cerca 4 km abaixo de onde as ondas se formam. Aquela é uma região escura e com poucos peixes, mas também é o lar de esponjas marinhas, estrelas do mar, lulas, polvos e outros animais que vivem acompanhados por detritos espalhados, vindos de naves espaciais que reentraram na atmosfera terrestre.

O cemitério espacial no Ponto Nemo

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Deixar grandes veículos espaciais metálicos na órbita terrestre indefinidamente é algo bastante perigoso graças à ação da gravidade. Por ser muito massiva, a Terra exerce atração gravitacional em tudo que está em órbita e vai atraindo estes objetos de pouco a pouco. Por isso, chegará um momento em que, se não forem descartadas corretamente, naves cargueiras, satélites e até a Estação Espacial Internacional podem realizar reentradas descontroladas na atmosfera.

Este é um processo que queima o objeto em questão, mas mesmo assim podem sobrar detritos perigosos para pessoas em solo. Então, para evitar riscos, as agências espaciais responsáveis por suas respectivas naves notificam as autoridades marítimas e de aviação no Chile e na Nova Zelândia, que compartilham a responsabilidade pelo tráfego na Área Desabitada do Pacífico Sul, oferecendo informações sobre o horário estimado para a reentrada e onde os detritos podem cair.

Em seguida, começa o processo de reentrada controlada. A nave "mergulha" pela atmosfera até chegar ao seu destino final, no fundo do oceano — aqui, as autoridades marítimas e de aviação devem avisar comandantes de aeronaves e embarcações para evitar a região.

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“Mesmo em entradas controladas, não há um ponto exato de pouso”, explicou Holger Krag, diretor do Escritório de Detritos Espaciais na Agência Espacial Europeia (ESA). Krag ressalta que, por isso, grandes áreas são necessárias. “A natureza do processo de rompimento [das naves] é o motivo pelo qual precisamos de uma área bem grande, para garantir que todos os fragmentos vão cair nela, porque eles não vão cair em um só lugar”, disse.

Entre 1971 e 2016, agências espaciais de todo o mundo levaram pelo menos 260 naves para a região — para comparação, o total em 2015 era de apenas 161 veículos espaciais.

Ali, estão submersos os restos de antigas estações espaciais soviéticas, várias naves russas de abastecimento, algumas naves cargueiras da Agência Espacial Europeia e outras dos Estados Unidos. Muito provavelmente, os detritos delas estão bastante espaçados entre si, com alguns quilômetros de distância — por exemplo, a reentrada de uma única grande nave pode se estender por uma área de 1.601 km.

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Possíveis impactos para a vida marinha

Jonathan McDowell, astrofísico do Harvard-Smithsonian Center, explica que, hoje, os veículos espaciais vêm sendo direcionados para outras regiões.

“Algumas das naves russas vão para o Oceano Índico, enquanto outras vão para o Atlântico Norte, como na Baía de Baffin”, disse. Além disso, o objetivo atual da indústria espacial é reduzir o máximo possível a quantidade de detritos no espaço, para evitar interferências com sistemas de comunicação na Terra e riscos para a exploração espacial.

Na prática, isso significa que o que está no espaço terá que descer em algum momento. E, apesar de alguns considerarem que o lixo espacial destinado ao fundo do oceano se transforma em habitats naturais para seres vivos, o impacto destes objetos nos ecossistemas oceânicos ainda é bastante desconhecido. Por exemplo, há poucas pesquisas que investigam os impactos do lixo espacial para focas, baleias e outros animais na Baía de Baffin, mar que liga os oceanos Ártico e Atlântico.

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Alice Gorman, arqueóloga espacial na Flinders University, explica que, de fato, várias partes das naves espaciais queimam conforme retornam para a Terra. Entretanto, componentes mais robustos, como tanques de combustível, podem ser problemáticos dependendo da integridade deles e do tipo e nível dos compostos que levavam. “Os combustíveis de algumas naves são tóxicos — a hidrazina, por exemplo. Mas os combustíveis criogênicos não são”, disse. A hidrazina é um dos principais propelentes utilizados atualmente.

Gorman ressalta que certamente há impactos ambientais, mas não há outra opção mais segura para o descarte de antigas naves. “Não é como se você pudesse dizer ‘os impactos são grandes demais, vamos deixá-las em órbita’, porque isso não é possível”, observou. “Eventualmente, se deixarmos [objetos] em órbita sem combustível para ajudar a manter suas posições, estas naves iriam descer e não teríamos controle sobre onde elas iriam pousar”.

Já o Dr. Brad Tucker, astrônomo do Mount Stromlo Observatory, descreve que o Ponto Nemo se tornou uma região conhecida por ter praticamente um recife artificial, formado por um cemitério de pedaços de antigas naves espaciais. “Você ainda está deixando objetos no oceano, não é algo bom, mas oferece menos riscos considerando todas as outras possibilidades”, explicou. “Essa ainda não é a melhor solução e, na verdade, não gostamos dela. É a opção menos ruim que temos”.

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Pesquisas sugerem que, devido às correntes oceânicas, esta não é uma região de grande diversidade biológica. “Há animais lá, mas provavelmente não existe muita biomassa”, explicou Autun Purser, pesquisador do Alfred Wegener Institute. Já Holger Krag, diretor do Programa de Segurança Espacial na ESA, destaca que a maioria dos objetos que foram para lá eram de aço inox, titânio ou alumínio, e não eram tóxicos. “Não passa de algumas toneladas métricas por ano [...] em comparação com vários contêineres perdidos e navios afundados, a quantidade de hardware espacial é bastante baixa”, disse.

Espaçonaves que estão no Ponto Nemo

O cemitério espacial do Ponto Nemo é lar de diversas naves. É ali que estão os restos de mais de 140 naves cargueiras da Rússia, além de veículos espaciais cargueiros do Japão, veículos automatizados de transferência da Europa e estações espaciais da antiga União Soviética.

bastante história espacial por lá, e os objetos que contam esta história não estão intactos, mas sim fragmentados no fundo do oceano. Conheça alguns deles:

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Estação espacial Mir

A antiga União Soviética aprovou o programa da estação espacial Mir em 1976, mas foi só em 1986 que seu módulo principal foi lançado. A estação foi construída para ajudar a melhorar a compreensão dos desafios para o estabelecimento da presença humana permanente no espaço, e as lições aprendidas com a Mir ajudaram na preparação para o programa da Estação Espacial Internacional.

A estação Mir chegou ao fim de sua vida útil em 2001 e foi desorbitada por uma nave Progress, da Rússia. A estação entrou na atmosfera a aproximadamente 99 km de altitude, e começou a se desintegrar a 95 km. Cerca de 25 toneladas de seu material resistiram se romperam em fragmentos principais, que afundaram no cemitério espacial.

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Veículo automatizado de transferência Jules Verne

O Jules Verne, o primeiro veículo automatizado de transferência (ATV) da Agência Espacial Europeia (ESA), teve uma missão logística de seis meses na ISS. O ATV levou 6 toneladas de cargas variadas ao laboratório orbital, como água, oxigênio, propelentes, alimentos, roupas e outros itens. Além disso, o ATV executou a acoplagem autônoma com sucesso, ajudou em correções de altitude orbital e de controle de altitude da estação.

Após cumprir várias tarefas no laboratório orbital, o Jules Verne encerrou suas atividades em 2009, com uma reentrada destrutiva à altitude de 120 km. O veículo se rompeu a cerca de 75 km acima do Cemitério Espacial, e levou 12 minutos para os fragmentos restantes de sua estrutura mergulharem no Pacífico. A reentrada foi registrada em vídeos de aviões da NASA.

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Estação espacial Tiangong-1

A China lançou a estação espacial Tiangong-1 como parte de um projeto voltado para a construção de uma estação com vários módulos. Ao longo de suas atividades, ela recebeu a visita de naves cargueiras e tripuladas, que levaram taikonautas às instalações para conduzir experimentos científicos. Em 2013, a Tiangong-1 entrou em uma espécie de modo de hibernação, mas as autoridades chinesas conseguiram mantê-la em órbita por mais algum tempo.

Já em 2016, o país perdeu o contato com a estação. Como não havia formas de controlá-la, a Tiangong-1 iria retornar para a Terra em uma reentrada descontrolada. Apesar de seus restos não terem descido exatamente para o cemitério espacial, os componentes que sobreviveram à reentrada acabaram pousando a alguns milhares de quilômetros do Ponto Nemo, no Pacífico.

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Bônus: Estação Espacial Internacional (ISS)

A ISS já passa dos 20 anos de operação no espaço, e seus componentes vêm dando sinais de desgaste. Mesmo assim, o laboratório orbital deverá continuar operando por mais algum tempo. A NASA afirma que pretende mantê-la ativa até 2030, mas, em 2031, a ISS deixará a órbita baixa da Terra para encerrar suas atividades com um mergulho no Ponto Nemo.

A agência espacial norte-americana deverá começar a preparar o processo de desórbita durante o início de 2026, reduzindo a altitude da ISS para a reentrada acontecer em 2031. Contudo, o momento exato de cada manobra irá depender também das atividades do Sol, já que o ciclo solar afeta a atmosfera da Terra. De qualquer maneira, já é sabido que o que restar da ISS, após a reentrada na atmosfera, terá o Ponto Nemo como seu local de "descanso" eterno.

Fonte: Gizmodo (1, 2), DW, PopSci, The Guardian, ABC, CNN