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Por dentro da estratégia da “invasão" de marcas chinesas de tecnologia no Brasil

Por| 08 de Junho de 2024 às 10h00

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Eric Mockaitis/Canaltech
Eric Mockaitis/Canaltech
Tudo sobre TCL

"Estamos muito determinados em alcançar nosso objetivo de nos tornar uma empresa global. Mas, para isso, precisamos nos tornar uma empresa local”. Esse dilema descrito por Dmitri Hu, vice-presidente global da TCL para Consumer Service Center, é basicamente o que enfrenta toda grande marca chinesa que busca expandir para outros mercados fora da China. E isso se torna especialmente importante quando elas resolvem chegar ao Brasil.

O Canaltech mergulhou fundo para entender a estratégia que as grandes marcas chinesas de tecnologia adotam para garantir uma chegada bem-sucedida ao Brasil. E um ponto crucial para a expansão dessas companhias dar certo por aqui é ter uma parceria local. "Temos que fazer operações locais e fazer negócios localmente. Então nossa expansão para o Brasil foi muito bem-sucedida ao trabalhar com a SEMP”, revelou o executivo da TCL.

Mas será que as empresas brasileiras que ajudam as chinesas a chegar ao nosso país enxergam seus resultados com um olhar tão positivo como a TCL vê a SEMP? Conversamos com especialistas que criticam essa estratégia, apontando riscos para as marcas nacionais, que podem desaparecer ao serem compradas pela parceira estrangeira ou pior, abandonadas.

E tem ainda o mercado cinza, que se mostrou um problema imenso para quem quer trazer marcas de fora para o Brasil. Segundo dados do IDC, um em cada quatro celulares vendidos no Brasil tem o contrabando, descaminho ou mercado cinza como origem.

Nesta reportagem, você lê sobre:

  • TCL x Xiaomi: por que uma teve sucesso e a outra fracassou?
  • Como o mercado cinza prejudica empresas brasileiras
  • Como empresas brasileiras podem cair em armadilhas ao entrar em parcerias
  • Como as brasileiras buscam evitar essas armadilhas
  • O tamanho do mercado de contrabando de celulares Xiaomi
  • O prejuízo bilionário causado pelo mercado cinza

TCL x Xiaomi: por que uma teve sucesso e a outra fracassou?

Era 2015, e o mercado de smartphones no Brasil e no mundo era muito diferente do que vemos hoje. O apetite por celulares de todas as categorias crescia ano a ano e, mesmo assim, a aguarda chegada da Xiaomi ao nosso país foi um notável fracasso.

Entre os erros da marca por aqui, podemos apontar a insistência em lançar somente aparelhos extremamente básicos que o seu público de "mi fans" não tinha interesse em comprar.  Com isso, o marketing boca a boca não decolou. A empresa também "esnobou" o varejo nacional — responsável pela imensa maioria de vendas de celular no Brasil — para vender celulares exclusivamente nas lojas físicas da Vivo.

Antes de conseguir lançar um celular intermediário que realmente apelasse para o gosto brasileiro, ou mesmo um top de linha, a operação local da Xiaomi fechou.

Hugo Barra, então presidente de assuntos internacionais da marca, entenderia que o gigante mercado interno brasileiro é tão peculiar quanto é atraente. E, para tentar uma segunda vez, a Xiaomi precisaria de uma estratégia que aprendeu com a TCL e outras chinesas bem-sucedidas por aqui.

Enquanto a Xiaomi tentou inicialmente importar sua estratégia de vendas, com foco em seu site próprio e marketing boca a boca, a TCL preferiu chegar ao Brasil em 2016 comprando 40% da brasileira SEMP, que havia acabado de finalizar uma parceria com os japoneses da Toshiba.

A marca nacional fabricaria TVs da chinesa por aqui e, ao mesmo tempo, ajudaria a TCL a entender o mercado brasileiro. Só em 2020, segura de que as coisas tinham dado certo, a TCL decidiu comprar mais 40% da SEMP e, com isso, assumiu controle da empresa, que hoje é simplesmente TCL SEMP.

Ao assumir controle da SEMP, a TCL investiu pesado em sua fábrica de TVs no Amazonas e também trouxe sua operação de aparelhos de ar-condicionado para o país.

“Uma vez que conseguimos superar os primeiros obstáculos e entendemos os relacionamentos locais ao trabalhar com uma parceira de confiança — o que é crítico —, conseguimos expandir para o mercado local muito rapidamente”, explicou Dmitri Hu.

Esse método tem funcionando tão bem para a TCL que sua estratégia para ganhar o mercado global se repetiu também na Argentina, com a Radio Victoria, e na Europa, com a Alcatel. Em todas essas regiões, a TCL fabrica TVs e outros aparelhos levando da China boa parte dos componentes de mais alta tecnologia, como displays e semicondutores.

“Estamos tentando nacionalizar o máximo possível da nossa cadeia de suprimentos, mas é um longo processo. No Brasil, tivemos sucesso e chegamos em um número entre 20% e 30% da cadeia localizada, melhor que nossa média global. O mais importante, contudo, é reduzir os dias de rotação de estoque (turnover days)", revelou Dmitri.

Boa parte dos suprimentos da TCL acaba vindo da China porque a cadeia produtiva por lá é mais eficiente. Enquanto a marca tem média de 160 dias de turnover na América Latina, esse número cai para 60 dias na China. “Ainda temos estoque de matérias-primas e componentes no Brasil e no resto da América Latina, e nosso objetivo é reduzir nosso turnover de inventário para então dizermos que estamos localizados”, concluiu Hu em entevista exclusiva ao Canaltech durante o Global Partners Conference 2024, em Wuhan, na China.

Como o mercado cinza prejudica empresas brasileiras

É possível dizer que a estratégia da TCL funciona bem por uma série de razões, mas aplicá-la ao mercado de smartphones pode não ser tão simples devido a um grande empecilho: o mercado cinza.

Segundo revelou para o Canaltech Andreia Sousa, analista de consumo do IDC, se o mercado do descaminho ou contrabando fosse uma marca, ela seria a segunda maior vendedora de smartphones do Brasil, abocanhando 25,3% de todas as vendas de celulares do país no último trimestre de 2023.

Ao todo, os brasileiros compraram 6,1 milhões de smartphones que chegaram ilegalmente ao país e foram vendidos em marketplaces nacionais por preços muito abaixo do praticado pelas representantes brasileiras de marcas chinesas como Xiaomi, Realme e Oppo.

Os aparelhos das marcas da Xiaomi são distribuídos hoje pela brasileira DL, que facilita todo o trâmite legal da importação dos produtos da chinesa por aqui e também oferece suporte e garantia para seus celulares. Nesse modelo, a DJI chegou através do Grupo Multi, a Realme por meio da DDM Brands, e a Oppo agora busca uma parcela importante do mercado nacional em uma parceria com o Grupo Magalu.

Como empresas brasileiras podem cair em armadilhas ao entrar em parcerias

Com outra abordagem, Positivo Informática, que tem uma parceria com a chinesa Transsion, dona da marca Infinix. Nesse caso, a brasileira decidiu trazer uma marca completamente desconhecida para cá, evitando concorrência com um mercado cinza pré-existente. A Positivo também fabrica os smartphones da Infinix localmente e ajuda a Transsion a desenvolver modelos para o mercado nacional.

Mas será que todo esse movimento faz sentido em uma realidade em que o mercado cinza não paga impostos e, por isso, tem produtos iguais e muito mais baratos? A fim de entender essa dinâmica, ouvimos o analista de mercado Silvio Meira, crítico das empresas brasileiras que trazem marcas chinesas para cá.

“Elas estão entrando inquestionadamente, no que parece, em todo canto do mundo, ser uma armadilha muito bem desenhada”.

O analista vê um cenário em que a fabricante estrangeira de smartphones ganha em todas as situações. A empresa brasileira divulga a marca localmente, oferece suporte técnico e desenrola toda a burocracia local em troca de um número de vendas irrisório na comparação com o tamanho do mercado cinza. A chinesa ganha reconhecimento de marca e consegue vender smartphones e outros eletrônicos em duas frentes: no mercado oficial e no cinza.

Meira já acompanhou empresas chinesas expandindo globalmente sozinhas e com parceiras locais. E, onde encontram barreiras regulatórias, buscam formas de contorná-las com grandes investimentos e, frequentemente, compram parceiras locais.

“Na Indonésia, o TikTok entrou sozinho e, por lá, você precisa de uma licença para fazer comércio. A rede social, contudo, fazia ‘social commerce’ no país e teve que parar quando seu pedido de licença foi negado devido ao fato de o TikTok ser uma companhia de mídia. Foi então que o TikTok comprou 72% da varejista local parceira Tokopedia, e passou a ser uma empresa de mídia e varejo", analisou Meira.

O analista pensa que algo similar pode acontecer no Brasil, mas em uma situação ainda menos vantajosas para as companhias locais, que acabam tendo que concorrer com suas empresas chinesas no front do mercado cinza.

Como as brasileiras buscam evitar essas armadilhas

Positivo, Grupo Multi e DL afirmaram ao Canaltech terem tomado as precauções necessárias e entendem que suas parceiras chinesas valorizam o que elas atingiram por aqui para suas marcas: reconhecimento de marca, parcerias com varejo local e know-how do mercado local. Ainda assim, todas admitem, em maior ou menor grau, o risco de fazer negócio com uma empresa global que pode eventualmente decidir seguir em frente sozinha, quando julgar que já entende o mercado brasileiro o suficiente.

Entre empresas locais que concordaram em falar com o Canaltech sobre o tema, a a marca paranaense Positivo, que fabrica os smartphones da Infinix no Brasil, tem como vantagem manter os preços baixos o suficiente para desencorajar as vendas no mercado cinza.

A Positivo também colabora no desenvolvimento de novos produtos que chegam ao Brasil e fica responsável pela “nacionalização” do software da Infinix. “Isso ajuda a Positivo a ganhar escala”, revelou Norberto Maraschin Filho, vice-presidente de Negócios de Consumo da empresa.

A ideia é que, além da receita gerada pela venda de aparelhos da marca chinesa, a Positivo ganha ao manter suas linhas de produção sempre ocupadas, consequentemente sendo capaz de mater empregada o ano todo uma equipe que pode também desenvolver seus próprios produtos.

“O acesso a determinadas tecnologias só se dá se você tiver uma escala global. Para fazer um produto muito bom, com tecnologia de ponta, você tem que produzir 1 milhão de unidades, no mínimo", revelou Maraschin.

Para uma empresa pequena local, as oscilações envolvendo os preços dos componentes são considerados fatores de risco, pois os componentes podem custar R$ 10 na hora da compra e R$ 2 seis meses depois, deixando o produto final mais caro do que o da concorrência, que conseguiu produzir mais unidades com o novo preço das peças.

"Isso inviabiliza muitos projetos porque, se fazemos um produto que custa R$ 100, uma multinacional consegue entregar o mesmo por R$ 80. Essa questão da escala é crucial, e para continuar fazendo produtos de ponta, a gente se viu em uma posição em que teríamos que fazer uma parceria”

O tamanho do mercado de contrabando de celulares Xiaomi

A DL, por outro lado, é a brasileira com o maior desafio nas mãos. Devido à popularidade da Xiaomi e de suas submarcas, o mercado ilegal de seus smartphones no Brasil é imenso. Uma fonte do Canaltech com acesso a dados sigilosos de mercado disse que 1 milhão de celulares Xiaomi foram vendidos ilegalmente no Brasil no mesmo período de 2023 em que a DL só conseguiu colocar 20 mil unidades na mão dos consumidores.

Contatada pelo Canaltech para comentar esses dados, a DL informou que não revela números de vendas oficiais referentes a seus parceiros, como a Xiaomi, mas disse que o número de vendas oficiais feitas pela DL em 2023 revelados pela fonte estaria inconsistente.

A distribuidora oficial da Xiaomi aguarda ações do Governo Federal para mitigar a chegada de celulares contrabandeados no país e também fornece um site para que consumidores possam verificar se seus aparelhos são legalizados ou chegaram ao país de forma ilegal.

Contudo, o problema é multifacetado. Existe a questão do contrabando, que por si só é crime, e o da receptação e venda de mercadoria ilegal facilitada pelo varejo online brasileiro. Depois que os celulares chegam ao País ilegalmente, eles são vendidos principalmente em grandes marketplaces.

"Tivemos conversas sobre a venda de produtos contrabandeados com todas as plataformas de varejo online, algumas acabam atuando de forma correta, como o Magalu, e outras ficam protelando. Mas está muito claro para a Anatel e para a Abin como essas plataformas estão agindo, e logo deve sair uma regulamentação do Governo Federal que eu acredito que vai ajudar muito nessa situação”, destacou Luciano Barbosa, líder do projeto Xiaomi no Brasil da DL.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), junto com a Senacom (Secretaria Nacional do Consumidor) são os órgãos que o Governo Federal destacou para investifar e fiscalizar a venda de eletrônicos contrabandeados no Brasil.

Os consumidores acabam preferindo os aparelhos ileigais devido ao preço muito mais baixo. Por outro lado, as ações do Governo Federal que Barbosa esperava começaram a se concretizar em maio deste ano, com plataformas como Amazon e Mercado Livre sendo obrigadas a removerem anúncios de produtos provenientes de contrabando que ainda estavam online em seus marketplaces.

O que dizem os marketplaces

Em resposta, a Amazon se defendeu dizendo que não comercializa produtos irregulares, e que os celulares anunciados em seu marketplace devem possuir “licenças, autorizações, certificações e homologações necessárias”. A varejista americana também adiantou que, caso confirmada alguma infração, a penalidade é a suspensão do lojista, assim como a destruição do material.

O Mercado Livre também disse que a veiculação de anúncios e comercialização de itens irregulares em sua plataforma online pode levar à expulsão dos responsáveis; e que atua proativamente para barrar as tentativas de uso ilegal.

O Magalu disse que é "o marketplace mais rigoroso para entrada de novos vendedores". E informou e que mantém contato constante com as grandes marcas de eletrônicos para rastrear vendedores não autorizados que possam distribuir produtos falsificados ou contrabandeados. Essa política seria inclusive anterior aos novos esforços de fiscalização do Governo. Em 2023, o Magalu acatou mais de 300 mil denúncias relacioadas ao tema e baniu 1,7 mil vendedores do seu marketplace.

“Para você ter uma ideia, a carga tributária de importação e venda de alguns produtos em alguns estados do Brasil chega a 50% do valor total. E, infelizmente, o mercado cinza traz aparelhos para o país que não enfrentam essa carga tributária. É uma concorrência desleal”, disse o executivo da DL.

O prejuízo bilionário causado pelo mercado cinza

Ações como o Remessa Conforme foram efetivas na importação ilegal por indivíduos, mas isso só estancou uma via de entrada de produtos irregulares no país. Em seguida, a chegada de celulares contrabandeados via Paraguai aumentou, e a expectativa da analista do IDC, Andreia Sousa, é de que os números continuem sua tendência de alta para 2024.

Em resposta, a Anatel já firmou acordo com as maiores varejistas brasileiras para que elas confiram o código de barras de cada produto cadastrado para venda em suas plataformas a fim de barrar produtos piratas e ilegais. A medida ainda não é obrigatória.

A demanda por resolução da venda de contrabando no geral e falsificação é bilionária. Segundo o levantamento “Brasil Ilegal em Números”, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o País teve prejuízo de R$ 453,5 bilhões referente a atividades de contrabando e pirataria em 16 setores da economia durante o ano de 2022. Desse montante, R$ 136 bilhões representam os impostos que os governos locais e nacional deixaram de arrecadar.

Fonte: Confederação Nacional da Indústria