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O Stadia está morto? Por que o serviço do Google não decolou?

Por  • Editado por Jones Oliveira | 

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Divulgação/Google
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Google Stadia

Todo mundo conhece o Google e, em maior ou menor nível de entendimento, sabe que a empresa é uma das maiores do mundo da tecnologia. Quem acompanha o noticiário sabe, também, que ela é implacável até mesmo nomes populares ou altamente queridos como o Hangouts, o Reader e o nosso querido Orkut. Para muita gente, o Stadia está com um alvo nas costas, e essa pode ter sido a situação desde o início.

Falar sobre a situação atual do serviço, que foi lançado em 2019 com pompa e circunstância, ainda que apenas em alguns países, é falar também de percepções e análises, pois os dados concretos não são exatamente conhecidos. O que se sabe bem, entretanto, é que, nestes 17 meses de existência, já houve um desmonte de estúdios e grandes executivos contratados para alavancar a plataforma, enquanto milhões de dólares foram gastos em acordos e disponibilidade de jogos — tudo isso, em teoria, sem que a base de usuários acompanhasse, caso contrário a gente provavelmente saberia disso.

A nota negativa mais recente foi a saída de John Justice, chefe de produto do Stadia, que anunciou na última semana que está deixando o Google. Normalmente, separações desse tipo seriam encaradas na imprensa como vetores de grandes mudanças, mas, no caso do serviço de streaming, trata-se do que muitos afirmam ser apenas mais um prego no caixão. O executivo é, afinal de contas, "apenas" o nome mais recente de uma lista que cresce cada vez mais.

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Jade Raymond, por exemplo, foi contratada pelo Google em 2019 como a grande força motriz por trás de todos os esforços envolvendo o Stadia; ela anunciou sua saída em fevereiro deste ano para fundar seu próprio estúdio. A ela, um mês depois, se juntaram vários outros nomes que eram figuras centrais dessa empreitada, como Sebastien Puel (produtor de vários jogos da série Assassin’s Creed e diretor geral do serviço) e Corey May (diretor de publicação da plataforma e com nomes como Doom e Far Cry 4 no currículo).

As saídas coincidem com o anúncio do próprio Google sobre o fechamento de seus estúdios de desenvolvimento de jogos exclusivos, menos de dois anos após sua abertura em março de 2019. Segundo Phil Harrison, vice-presidente e diretor de games da gigante, o foco do Stadia seria redirecionado para conteúdos de estúdios parceiros, que seriam publicados na plataforma de streaming da mesma forma que acontece com consoles de mesa.

As palavras foram ditas, mas a realidade parece mais sinistra, pelo menos nas palavras do conhecido jornalista de games Jason Schreier. Entrando no campo dos relatos não-confirmados, mas ouvidos de fontes não-identificadas ligadas ao Google Stadia, essa história seria a de uma conta que não fecha: de um lado, milhões de dólares em investimentos para a realização de acordos com estúdios como Activision, Rockstar, Capcom e CD Projekt Red; do outro, as estimativas de número de usuários ativos ficava centenas de milhares de pessoas abaixo do que era esperado pela companhia.

Temos um serviço que estreou com Destiny 2 e promoções especiais para os chamados fundadores que adotassem a plataforma de início, e que mais tarde contou com Red Dead Redemption 2 como grande destaque. No lançamento, chegaram ao Stadia nomes como Cyberpunk 2077 — com direito a piada no Twitter pelo desempenho do game na plataforma de streaming — e, mais recentemente, Resident Evil Village. Diante dessa lista, é fácil perceber que algo está errado. Mas o que, exatamente? As análises levantam algumas hipóteses.

Console (só que não)

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A abordagem dada ao Stadia pelo próprio Harrison e os executivos do Google é um dos pontos centrais do artigo de Schreier: para muitos dos engravatados da empresa, o sistema deveria ser tratado como um console, o que explica o foco em acessórios como o Chromecast e um controle dedicado como porta de entrada para o serviço, ainda em 2019. A chave para o reino custava US$ 129,99.

O que antes era o tíquete para entrar, agora é dado como brinde, com os usuários que fizessem a compra antecipada de Resident Evil Village na plataforma, por exemplo, recebendo o bundle de forma gratuita. Não foi a primeira vez que o Google adotou mecanismos desse tipo para tentar “vender” o Stadia, mas o resultado, na maioria dos casos, foi o mesmo: os early adopters viram o produto desvalorizando, enquanto quem olhava com interesse para o serviço logo preferia aparelhos mais estabelecidos e com tempo de casa, de fabricantes que quase ninguém conhece como Sony, Nintendo e Microsoft.

De acordo com as fontes ouvidas por Schreier, esse seria o único caminho conhecido por Harrison, cuja experiência vem, em grande parte, do mercado de consoles de mesa. Ele, entretanto, esteve por trás de outros lançamentos igualmente desastrosos nas últimas décadas, como o PlayStation 3 lançado a absurdos US$ 600 em 2006 e o Xbox One, que, quando chegou ao mercado, estava bem longe de ser a plataforma cheia de recursos e serviços que viríamos a conhecer nos anos mais recentes.

Do outro lado, no próprio Google, tínhamos uma diretoria acostumada a muitos sucessos e poucos fracassos. A expectativa de sua entrada no mercado de jogos, motivada por uma percepção positiva que se via na imprensa internacional, era de uma receita para o sucesso, com um produto inovador e disruptivo aos moldes do Gmail ou do YouTube. Na prática, a gigante logo perceberia que os jogos eletrônicos, apesar de se encaixarem como tecnologia, funcionam de forma bem diferente.

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Modelo tradicional

O que nos leva ao segundo ponto, que pode ser citado quase como um paradoxo. Para um produto tão avançado e focado em mudar o paradigma do mundo dos games, o Google Stadia chegou com um formato bastante conhecido, mas que não levou em conta a percepção que se tem sobre o streaming. No serviço, você não precisa de um console e nem mesmo um computador decente, não existem downloads nem instalações, mas os games precisam ser comprados do jeito tradicional e, acima de tudo, pelo preço praticado no restante do mercado.

A praticidade de jogar em qualquer lugar, levando partidas do PC de casa para o celular e depois para a televisão da sala motivou pouca gente a trocar um videogame já estabelecido pelo Stadia, enquanto a própria campanha de divulgação da plataforma não olhava para fora dessa bolha.

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Essa percepção diferente se deve à própria maneira pela qual os usuários se acostumaram com plataformas de streaming. Quando se pensa nisso, o primeiro exemplo que vem à cabeça, provavelmente, é a Netflix, com o pagamento de uma assinatura dando acesso a um mundo de conteúdo que entra e sai da plataforma de acordo com as movimentações da própria. O usuário entrega um valor para admissão ao acervo, mas quando essa percepção é convertida para os US$ 59,99 normalmente cobrados por um lançamento de jogo, a ideia não parece das melhores.

Hoje, o sistema mudou um bocado e com uma assinatura mensal de US$ 9,99 cobrada após um mês de degustação gratuita, o jogador tem acesso a alguns títulos conhecidos como Resident Evil 7, Hitman, Star Wars Jedi: Fallen Order e Little Nightmares 2. Mais jogos são adicionados a cada mês, mas, para a maioria das propostas, principalmente os lançamentos, a compra individual ainda é necessária.

Não ajudou, ainda, o fato de os próprios consoles já terem serviços semelhantes. No Xbox, o Game Pass não fornece jogos por streaming (apesar de o xCloud estar a caminho para preencher essa lacuna), enquanto o PlayStation Now, nos consoles da Sony, faz exatamente o mesmo que o Stadia — em ambos os casos, o acervo não apenas é bem maior, como os valores também são bem mais baixos.

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O que, então, levaria um usuário de PlayStation ou Xbox a aderir ao futuro dos games diante de um cenário assim? Pouco, como os números já citados indicam.

Pouca disponibilidade

Se mesmo com todos os argumentos acima você ainda está disposto a entender de perto como o Stadia funciona, você não pode. Quase dois anos depois do lançamento, o serviço do Google permanece disponível em apenas 22 países, todos na América do Norte e Europa. Países asiáticos, grandes consumidores de jogos eletrônicos e com a estrutura mais do que necessária para aguentar a carga dos jogos por streaming, não fazem parte da lista; o Brasil, então, nem mesmo possui uma previsão de lançamento.

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Mesmo nas localidades onde se pode jogar em um Google Stadia, também existem limitações que depõem contra a própria ideia. Enquanto qualquer computador com Google Chrome pode rodar os títulos do serviço, só o Chromecast Ultra o suporta, enquanto somente celulares de linhas como Samsung Galaxy, OnePlus, Razer Phone, ASUS ROG e Pixel são plenamente compatíveis. O ecossistema do iOS permanece de fora, enquanto em outros aparelhos com Android o uso ainda é experimental e possui uma boa dose de problemas.

O acervo, por outro lado, já pode ser considerado como consistente, apesar de os lançamentos, na maioria dos casos, demorarem para chegar em relação às disponibilidades nos PCs e consoles tradicionais. Hoje, o Google Stadia conta com mais de 200 jogos em sua biblioteca, apesar de ter chegado com apenas 22, em novembro de 2019. Os títulos variam, de ofertas competitivas e grandes títulos de tiro até propostas narrativas e independentes pelas mãos de estúdios como Ubisoft, Take Two, Square Enix, Codemasters e SNK.

Avante

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Apesar de todos os indícios apontarem para o contrário, o Google não fala diretamente sobre um fim do Stadia nem comenta os resultados negativos da plataforma, enquanto continua entregando jogos, conteúdos adicionais e mais atrações em seu serviço. Ainda, a empresa reforça seu comprometimento em anúncios como o feito em novembro do ano passado, de que até o fim de 2021 serão mais de 400 títulos no acervo da plataforma, bem como ofertas exclusivas para os assinantes.

Boa parte disso, claro, foi antes da debandada de executivos e do fechamento de estúdios dedicados que, até agora, não representaram mudanças de rumo anunciadas oficialmente. Entretanto, para quem acompanha, o que falta é mesmo uma declaração direta, já que as coisas não parecem nada bem para aquela que, em algum momento, foi encarada como uma proposta que mudaria o mundo dos games. O futuro, talvez, tenha de esperar mais um pouco.

Fonte: Google, Bloomberg