Eleições 2018 | As propostas de Fernando Haddad para tech, inovação e ciência
Por Rafael Arbulu | •
Entrevistar o Partido dos Trabalhadores provou-se uma tarefa cheia de reviravoltas: quando o Canaltech começou a desenhar essa pauta, o ex-presidente Lula ainda não teve a sua candidatura impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao final do mês de agosto, e era, oficialmente, quem o partido planejava alçar ao maior cargo administrativo do país. Conforme o desenrolar do quadro político, porém, a situação mudou: o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad — até então, candidato à vice-presidência pela chapa encabeçada por Lula — assumiu a candidatura em 11 de setembro (aumentando o volume de buscas por seu nome no Google em 200%, segundo coluna de Ricardo Boechat, na IstoÉ), trazendo à chapa Manuela D’Ávila, que desistiu da própria candidatura a fim de facilitar a coligação PT-PCdoB, como sua vice.
O plano de governo apresentado pelo Partidos dos Trabalhadores não sofreu alterações majoritárias diante da mudança de candidato. Salvo por uma alteração em um programa econômico que visa limpar o nome de brasileiros inadimplentes do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC, uma proposta que o aproxima bastante das ideias de Ciro Gomes), ambos os planos de governo são minuciosamente parecidos. Ambos priorizam a universalização de sistemas em caráter federal, unificando em frentes específicas todos os dados digitais relacionados à saúde, segurança pública e educação, efetivamente facilitando a abordagem e orientação dos cidadãos frente a problemas que externem fronteiras dos estados.
Contudo, propostas tecnológicas previstas no “plano Lula” receberam maior detalhamento após Haddad assumir a candidatura, como ampliar o acesso à internet tanto fixa como móvel, universalizar plataformas online do governo para facilitar seu uso pelos contribuintes, entre outras medidas. Intitulado “Coligação O Povo Feliz de Novo (PT – PCDOB – PROS)", o documento tem 61 páginas que detalham propostas em cinco pontos específicos, transitando entre políticas de reafirmação dos direitos humanos, reavaliações tributárias, políticas agrícolas e desenvolvimento macroeconômico.
Brasil 100% Online
A parte de maior interesse ao cidadão comum, pelo plano de Fernando Haddad, é o programa “Brasil 100% Online”, que traz diversas propostas relacionadas ao âmbito tecnológico. O ponto-chave do programa é levar conexão de fibra ótica a 2 mil municípios. Segundo o próprio candidato, na ocasião de sua sabatina ao programa Record News (4 de setembro), quando ainda era candidato à vice-presidência, “um terço dos brasileiros não tem acesso à internet e um terço não tem acesso à banda larga”. O programa em questão visa universalizar este acesso onde, hoje, a internet não chega, ou chega em déficit.
Para isso, o governo de Haddad visa “garantir que o Satélite Geoestacionário brasileiro seja usado para conexão de rádio IP em municípios de pequeno porte, áreas rurais e distritos isolados”. O satélite seria usado em duas frentes: uma, voltada à Defesa Nacional e outra, para que a Telebrás consiga levar conexão de qualidade a municípios carentes. “A inclusão digital deve se sobrepor ao lucro privado de grandes empresas”, diz o plano. Mais além, o programa prevê a exigência de que empresas de telefonia móvel “ofereçam conexão de alta velocidade a 3,6 mil municípios que, hoje, só contam com o 3G”.
O plano ainda tem em vista “a implantação prática da Lei de Proteção de Dados Pessoais”, embora não afirme de maneira documental contra o que proteger tais dados. É seguro especular, porém, que o uso de informações de cadastros de clientes, que, segundo o Marco Civil da Internet, devem ser expressamente declarados em caso de compartilhamento com outras empresas.
Ainda dentro deste segmento, Haddad quer revisar a prática de concessões de rádio e TV, abrindo a possibilidade de participação por outras frentes na mídia (privada e pública), como por exemplo universidades e organizações sindicais, bem como o reconhecimento e fortalecimento de mídias comunitárias por meio de políticas públicas que “promovam a sustentabilidade financeira, garantam condições igualitárias de potência e impeçam sua captura por grupos econômicos, políticos e religiosos”.
Ciência, Tecnologia e Inovação como pilares
Ainda que o Plano de Governo de Fernando Haddad tenha um foco maior nas políticas de cunho social, como direitos aos públicos negro e LGBTQIA+, bem como legislação mais protetiva a mulheres, uma boa parte dele é dedicada ao desenvolvimento de sistemas federalizados (ou a universalização dos que já estão vigentes). Em conversa com o Canaltech, o Partido dos Trabalhadores anunciou que pretende remontar o Sistema Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação (CT&I) e que pretende revogar a Emenda Constitucional 95, promulgada pelo presidente Michel Temer em 2016 e que instituiu um teto de investimento em políticas sociais e de desenvolvimento, efetivamente congelando-os.
O eventual governo Haddad ambiciona remover a medida, chamando-a de “draconiana” e dizendo que, caso ela estivesse em vigor em 2003, siglas muito conhecidas hoje, como o Prouni, FIES, bem como a maior parte dos programas de extensão universitárias, estariam inviabilizados. “O Brasil deve voltar investir forte em educação, ciência, tecnologia e inovação. É preciso rearticular as políticas e instituições voltadas para a CT&I capazes de contribuir com a integração do Brasil à nova onda produtiva e tecnológica mundial”, explica o partido.
“Isso somente ocorrerá com o recomposição e ampliação do Sistema Nacional de Fomento de CT&I, sobre as bolsas de estudo. Os orçamentos das agências de fomento federais, destacadamente os do CNPq e da CAPES serão recuperados e ampliados a partir dos patamares alcançados nos governos Lula e Dilma”.
Segundo dados informados pelo partido ao Canaltech, citando como fonte a própria Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a EC 95 fez com que os recursos previstos para 2019 os 93 mil mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos e 105 mil bolsistas de programas de formação de professores fossem ameaçados.
Desenvolvimento nacional e aperfeiçoamento logístico
A política tributária e a alta do dólar são os dois fatores que mais pesam na indústria tecnológica, aumentando preços a níveis exagerados e conflitando com ações que facilitem o consumo (vide as tarifas cobradas pelo correio em remessas internacionais, por exemplo). Muito se fala na questão da “Lei do Bem” (11.196/05) e outras medidas de incentivos a produtos, consumidores e empresas que buscam reduzir o preço final para o comprador.
O plano de governo previsto por Fernando Haddad busca “inverter” fatores: hoje, incide-se tarifas sobre o consumo, cobrados no preço final para o consumidor, enquanto lucros e dividendos (heranças, ações corporativas e patrimônio) acabam passando por taxas menores, ou nenhuma taxa. Trocando em miúdos, Haddad defende a criação de um imposto sobre valor agregado (IVA), em substituição aos impostos diretos que podem incidir em cascata. Isso, segundo a equipe do candidato nos conta, “deve ajudar a melhorar a competitividade da indústria nacional, reduzindo custos e garantindo ganhos de produtividade, ao incentivar a produção de determinados produtos”.
Há uma promessa de cuidado especial ao setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), onde Haddad diz que vai fortalecer a Lei do Bem, a fim de assegurar a vinda de investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento: “as definições sobre os setores que serão alvo de incentivo atenderão a critérios claros e transparentes, que envolvem a capacidade de geração de bons empregos, de geração de divisas, de promoção de inovações, de geração de divisas e melhorias na qualidade de vida, inclusive do ponto de vista ambiental. Evidentemente os setores produtores de tecnologia estão amplamente envolvidos e contemplados por estes critérios, devendo receber especial atenção da política industrial, em particular aquela voltada para a transição ecológica e para a promoção da economia do conhecimento”.
Sobre ter que lidar com os Correios (o que incorre taxas de entrega, dificuldades logísticas e complicações de frete, entre outras barreiras), a equipe do candidato listou cinco medidas que prometem melhorar isso: “vamos aprimorar e ampliar as parcerias internacionais com empresas de logística e Correios nos EUA e China, entre outros países; bem como os centros de triagem dos Correios no Brasil, melhorando sua capacidade operacional, com recursos humanos e novas tecnologias; vamos também estabelecer uma parceria efetiva com órgãos federais brasileiros (Polícia Federal, Receita Federal e Vigilância Sanitária), visando agilizar a aprovação da entrada das mercadorias no Brasil e assegurando uma atuação integrada e com disponibilidade de pessoal especializado nos centros de triagem; queremos articular uma ação conjunta e integrada com a Receita Federal para viabilizar entendimentos internacionais que propiciem a cobrança de tributos na origem, sem que isso tenha que ser feito no Brasil e sem atrasos à liberação das mercadorias para entrega; finalmente, vamos reorganizar a logística de tratamento e entrega dos Correios, para que além de agilidade sejam aprimorados os serviços de segurança, de forma que não haja desvios, roubos ou avarias nas mercadorias”.
Mais além, entrando em um mercado específico, os últimos anos viram as fintechs estremecerem o monopólio bancário, a ponto de incomodar os negócios das grandes instituições. A ideia do governo Haddad é a de oferecer crédito a menores preços e taxas ao consumidor. Por isso, ele prevê apoio às fintechs que assentarem seus serviços em caráter local, bem como revisão de tributos que permitam às grandes cadeias bancárias de oferecerem serviços similares, elevando assim a competição “de maneira justa e benéfica ao correntista”: “O crescimento no número de fintechs no Brasil vai na direção de reduzir custos, ampliar a concorrência e diminuir a concentração do sistema financeiro brasileiro. Neste sentido, tais empresas devem ser estimuladas, em particular no setor de crédito, onde a concentração bancária e baixa concorrência contribui para a manutenção de taxas elevadas de juros para o tomador final. Os próprios bancos de grande porte terão assim um estímulo para avançar na pesquisa sobre inovações financeiras habilitadas por tecnologia, que se somará ao crescente universo de startups para produzir novos instrumentos capazes de reduzir o custo do crédito no Brasil”.
Continuando no detalhamento, a equipe da gestão Haddad explica que “o avanço das fintechs e das cooperativas de crédito devem ser estimuladas pela introdução da progressividade na tributação sobre o custo do crédito já que, via de regra, são instituições capazes de oferecer crédito a menor preço. Neste sentido, a tributação progressiva, além de estimular a concorrência entre os grandes bancos no curto prazo, estimula a desconcentração do sistema financeiro no médio/longo prazos, o que pode contribuir para um sistema mais competitivo e com menores custos, capaz de ofertar crédito mais barato”.
Aperfeiçoamento energético
Essa não é a primeira eleição onde o tema “Energia” entra em pauta. E isso possui uma profunda influência do e para o mercado tecnológico nacional. Com todas as pesquisas e implementações já feitas em grandes parques (sobretudo, no Nordeste, onde a energia eólica já conta com estrutura pronta), é de se assustar que a matriz energética brasileira ainda não tenha mais consideração com os produtos renováveis do setor.
O plano de Haddad neste assunto é regido por quatro diretrizes, de acordo com o que nos foi contado durante a entrevista: interromper privatizações e reforçar o controle público; diversificar a matriz elétrica, direcionando investimentos na prática renovável (solar, eólica e biomassa); reavaliar tarifas, tornando-as “mais justas”; e ampliar a participação social por meio de agendas que valorizem a opinião cidadã. As mudanças terão como meta zerar as emissões de GEE da matriz elétrica brasileira até 2050. Também será perseguida a meta de instalar kits fotovoltaicos em 500 mil residências por ano.
Com a revogação da EC 95, Haddad também pretende aumentar o grau de investimentos energéticos no Nordeste. Como já mostramos aqui no Canaltech, a região é propícia ao desenvolvimento de métodos de captura da energia renovável. Não por menos, possui um dos maiores parques eólicos da América Latina. Segundo nos conta a equipe do candidato, o governo Haddad vai fortalecer os sistemas nacionais e locais de pesquisa e inovação. “Serão feitos fortes investimentos no fortalecimento das competências verdes já acumuladas no setor energético e na construção de novas capacidades produtivas, tecnológicas e inovativas que garantam o desenvolvimento desse setor”. Novas políticas de financiamento, bem como o que eles chamam de “reforma fiscal verde”, estão previstos, porém não foram detalhados.
Educação conectada
O eventual governo Haddad prevê a criação de convênios com os estados e o Distrito Federal, a fim de prestar auxílio estrutural a escolas e entidades educativas situadas em áreas carentes. Segundo o enunciado do plano de governo, isso inclui a criação de bolsas para professores que continuem seus trabalhos em ditas entidades, bem como alunos que se mantenham matriculados.
Um dos pontos-chave deste projeto é levar internet de alta velocidade à estrutura escolar carente, bem como reformar escolas para que estejam aptas a receber essas atualizações. Tudo isso, pago pelo governo federal, com parcerias estatais segundo normas do Sistema Nacional de Educação. A ideia é dinamizar a educação no Ensino Médio, efetivamente municiando alunos de um acesso mais abrangente às universidades: “Queremos que todo jovem brasileiro conclua o ensino médio na idade certa e tenha oportunidade de ingressar no ensino superior”, diz o plano. Vale lembrar que Haddad, que foi ministro da educação durante o governo Lula, foi o principal nome na construção do Programa Universidade para Todos, o popular “Prouni”.
Tecnologia no SUS
A pauta “saúde”, dentro do que prevê o plano de governo de Fernando Haddad, envisiona investimentos de pesquisa e aplicação tecnológica no Sistema Único de Saúde (SUS). À primeira vista, o documento não traz muitos detalhes além do discurso político eleitoreiro (ampliar o SUS, aumentar a quantidade de postos de atendimento), mas sob uma ótica mais densa, é possível identificar alguns aspectos de interesse tecnológico.
Inicialmente, o plano fala em “gestão de saúde interfederativa”, onde os recursos públicos destinados ao SUS seriam compartilhados em caráter nacional. Para isso, o plano prevê a uniformização dos sistemas tecnológicos atuais, fomentando “ao máximo a potencialidade econômica e tecnológica do complexo industrial da saúde de forma a atender as necessidades e especificidades do setor saúde, reduzindo custos e aumentando a eficiência tecnológica, fomentando a produção de ciência e tecnologia e incrementando o mercado interno, considerando os interesses e a soberania nacionais”. Atualmente, o SUS, embora tenha abrangência nacional, possui sistemas restritos a bandas estatais.
Haddad também toca na questão do prontuário eletrônico: o candidato espera implementar a política de disponibilidade de estrutura e informações compartilhadas por todo o país, “ampliando a aplicação da internet e de aplicativos na promoção, prevenção, diagnóstico e educação em saúde”. A metodologia por trás disso não é explicada no documento, mas o objetivo é o de unificar informações de saúde a fim de que, por exemplo, um médico tenha acesso rápido e capacitado de quadros específicos quando atender um paciente que tenha vindo de outro estado.
Segurança Pública
A abordagem do PT para a segurança pública, no aspecto tecnológico, é similar ao plano previsto para a saúde. Buscando a implementação de “um Plano Nacional de Redução de Homicídios”, Haddad quer usar como referência o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança Pública (SINESP), adotando também tecnologias de rastreamento de armas de fogo (reforçando o controle federal sobre o porte público, uma política de via contrária ao que propõe o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, por exemplo) e modernização do sistema institucional de segurança.
O ponto mais expressivo do programa para a segurança pública, talvez seja o investimento que o plano prevê em sistemas de inteligência que facilitem o trabalho investigativo das polícias, sobretudo no que tange à identificação de autoria de crimes (o plano diz que, hoje, cerca de 10% dos crimes possuem autoria identificada). A mesma medida deve auxiliar o governo na federalização do crime organizado, cuja responsabilidade seria transmitida à Polícia Federal, aliviando a ação das polícias Militar e Civil à solução de crimes e assegurar a vida do cotidiano estatal.
Esportes também ganham em tech
Estranhamente, um ponto bastante detalhado do plano de governo do Partido dos Trabalhadores remete à prática esportiva nacional. Muito nele se fala sobre ampliação de recursos, aumento da participação de empresas privadas no auxílio ao atleta (via patrocínios e endossos) e a criação ou aprimoramento de programas voltados ao incentivo da prática ao esporte.
A exemplo da saúde e segurança pública, Fernando Haddad quer implementar a criação do Sistema Único do Esporte, uma espécie de hub que gerencia a o controle governamental, bem como o direcionamento de seus recursos financeiros e logísticos. Nele, estará definido “ o papel da União, Estados, DF, Municípios e das entidades esportivas na oferta de políticas de esporte (sistema quadripartite), a exemplo do que ocorre na saúde, com o SUS”, conforme enuncia o plano de governo.
Também está prevista a criação da Universidade do Esporte, que estimula ensino, pesquisa e formação de profissionais para atuarem nas diversas vias do setor: não apenas atletas, mas gestores, executivos, médicos e pesquisadores especializados).
Esta matéria faz parte do especial Eleições 2018 do Canaltech. Fique ligado: a cada dia publicaremos as propostas de um candidato à presidência para Tecnologia, Inovação, Ciência e Telecomunicações!
Leia também as propostas de:
Fonte: Plano de Governo: Coligação "O Brasil Feliz de Novo" (PT-PCdoB-PROS)