Crítica Twisted Metal | Uma adaptação caótica presa no passado
Por André Mello • Editado por Jones Oliveira |
Adaptações de games para o cinema ou TV sempre parecem correr o mesmo risco de serem fieis demais ou tentarem se distanciar muito do material original. Algumas dessas obras conseguem encontrar o equilíbrio necessário, mas a maioria pende demais para um lado e desperdiça uma boa oportunidade.
Twisted Metal, adaptação do jogo de combate veicular da Sony, consegue a proeza de ser as duas coisas ao mesmo tempo. Isso faz da série uma experiência interessante, principalmente por ser uma produção de 2023, mas que tem toda a cara de algo lançado no começo dos anos 2000.
Um mundo pós-apocalíptico para chamar de seu
A série de Twisted Metal explica logo de cara como o mundo ficou daquele jeito caótico. Basicamente mostrando que aconteceria se o bug do milênio tivesse acabado com tudo, a internet não existe mais, boa parte dos eletrônicos pifou, aviões simplesmente desligaram enquanto ainda estavam no ar e a sociedade entrou em colapso. Puro caos.
Grandes cidades, tentando proteger seus cidadãos, se fecharam atrás de muros, deixando criminosos e vítimas para sobreviver do lado de fora — uma estrutura bem clássica de mundos pós-apocalípticos. É nesse mundo que vive John Doe, vivido por Anthony Mackie (Falcão e o Soldado Invernal), um entregador responsável por levar itens de uma cidade para outra com seu carro.
John não tem qualquer lembrança de quem realmente é, tendo memória a partir de sua adolescência, acordando após um acidente. Quando ele recebe a tarefa em New San Fracisco para ir buscar um item em New Chicago com o pagamento de poder se mudar para a cidade, ele vê isso como uma chance de ter uma vida digna. Ele parte nessa jornada, encontrando alguns personagens conhecidos dos fãs dos games, além de explorar mais esses Estados Unidos devastados por gangues.
A maneira como esse mundo é construído e mostrado é bem eficiente, já que você não questiona muito algumas das escolhas feitas. Por mais absurdo e exagerado que pareçam, dentro do contexto, as coisas fazem certo sentido ali.
Fora que, ao não tentar adaptar exatamente a história dos jogos de Twisted Metal, a série acaba tendo liberdade para explorar mais o clima caótico dos jogos, entregando easter eggs e participações especiais suficientes para fazer os fãs da franquia da Sony se empolgarem. Tudo isso enquanto trabalha uma história própria.
Sangue, palavrões e muito tiro
Como era esperado, Twisted Metal é consideravelmente violenta e voltada para o público adulto, mas ao mesmo tempo, tem um humor um tanto juvenil. Ao perceber que ela é produzida pela dupla Rhett Reese e Paul Wernick, de Zumbilândia 2: Atire Duas Vezes e Deadpool, as coisas começam a fazer mais sentido.
A adaptação é cheia de piadas infames e pessoas que chegam a explodir ao levar tiros, mas assim como as outras produções da dupla, é uma série que parece honesta com ela mesmo. Ela sabe exatamente o que quer fazer, que é ser uma diversão sem compromisso, baseada em um game que francamente, não poderia ser adaptada logo de cara com a mesma história.
Sweet Tooth e sua ultraviolência
Além de John Doe, a série tem mais três personagens importantes na sua primeira temporada. A primeira é Quiet, vivida por Stephanie Beatriz (Encanto), uma sobrevivente que busca vingança contra o Agente Stone, outro personagem importante para a trama, vivido por Thomas Haden Church (Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa).
Stone era um policial que acaba juntando um grupo de guardas para "limpar os Estados Desunidos da América". Esse trio movimenta bastante os episódios da série, mas um quarto elemento chama mais atenção.
Adorado por fãs da franquia, Sweet Tooth, o palhaço psicopata dos games está na adaptação, interpretado pelo pro wrestler Samoa Joe (All Elite Wrestling), mas dublado por Will Arnett (Bojack Horseman).
Algumas cenas divulgadas antes da estreia mostravam um Sweet Tooth meio esquisito, dançando e cantando em uma cena meio constrangedora. Dentro do contexto da série, essa cena em particular funciona, assim como a participação do palhaço. Cada um desses quatro personagens tem episódios que explicam melhor o seu passado, fazendo com que a construção deles dentro do puro caos que o mundo se tornou faça sentido.
Porém, Sweet Tooth, que empresta elementos de sua versão nos games, é estranhamente cativante ao longo da série, principalmente se você comprar a ideia da adaptação como um todo. Mesmo parecendo bobo em algumas cenas, é impossível não querer ver mais dele.
Presa na época que Twisted Metal era relevante
Essa coisa de "comprar a ideia" é onde Twisted Metal pode ou não funcionar para você. Logo no primeiro episódio, a fotografia, diálogos, humor, violência, tudo que você vê, passa uma sensação de "série lançada no começo dos anos 2000".
É uma sensação bem esquisita, mas se você for atrás de produções lançadas entre 2002 e 2010, pode perceber que elas tinham esse pegada bastante específica, sendo possível identificar a época em que existiram. Essa adaptação passa a mesma sensação.
Inicialmente, esse sentimento passa a impressão de que a série é somente ruim, pois até a trilha sonora parece ser do começo dos anos 2000, mas isso muda no momento em que revela que os problemas começaram entre 2002 e 2003. É a partir disso que as coisas começam a fazer mais sentido e que todo esse "climão" pode ter sido planejado.
Carros que ainda usam CD players, o que faz muito sentido, pois não existem mais MP3 players ou serviços de streaming. Lembranças de elementos da cultura pop daquela época, simplesmente porque não teve nada lançado depois.
Fora que o uso de uma música da época no final do oitavo episódio é digna de aplausos. Ali fica claro que a galhofa não é acidental.
Fiel, mas nem tanto
Quando se fala em Twisted Metal, a primeira coisa que vem na mente são arenas com carros equipados com vários tipos de arma, correndo em círculos e metralhando uns aos outros.
Existe um momento em que isso acontece, e é bastante legal, mas a série tenta muito mais ser uma história de viagem do que de destruição em arenas. Ao longo de seus dez episódios, vários personagens e elementos dos jogos dão as caras, fazendo com que fãs possam identificar com certa facilidade a presença deles.
Apesar de fugir de elementos sobrenaturais, bastante presentes na franquia, Twisted Metal tem um gancho no seu final que mostra que essa primeira temporada pode ter servido apenas para preparar o terreno para algo muito mais caótico e fiel para o futuro.
O problema é que não tem garantia nenhuma de que a série terá uma continuação. A própria franquia está adormecida nos games desde 2012, quando foi lançado o último jogo, para PlayStation 3.
Ao terminar seus dez episódios, fica a sensação que talvez Twisted Metal não tem tantos fãs assim para garantir uma renovação e talvez nem todo mundo que resolva assistir a essa adaptação compre a ideia dela.
A série não chega nem perto de um The Last of Us, mas já vimos adaptações de games bem piores e que acabaram virando franquias nos cinemas. Para quem é, tá valendo.