Crítica Homem-Aranha | Sem Volta para Casa é uma festa, mas deixa ressaca
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
O tão esperado Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é uma grande festa. Mais do que o novo filme de um dos personagens mais populares dos quadrinhos, ele é a celebração à história do herói nos cinemas e à empolgação dos fãs que acompanham o Amigão da Vizinhança a todo esse tempo. Ele é um evento, aos moldes do que foi Vingadores: Ultimato.
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Por isso mesmo a experiência diante da tela é diferente. Depois de meses de rumores, teorias e especulações, havia um certo temor de que as expectativas em torno do filme tivessem se tornado tão grandes que seria impossível atendê-las. Contudo, ele entrega exatamente tudo aquilo que os fãs esperavam e queriam, nada a menos e nada a mais.
Atenção! Este texto contém spoilers de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa.
E isso está bem longe de ser algo ruim. Assim como em um show em que você vai sabendo o setlist completo da banda e sai satisfeito por ouvir as músicas que queria, Sem Volta para Casa sabe o que o seu público quer e espera de sua história — e segue a cartilha para que ninguém saia decepcionado, mesmo que isso signifique forçar a barra em alguns momentos.
E está tudo bem. Para o público que esperou por tanto tempo para um evento desse tipo e que vê seus desejos se tornarem realidade na tela, esses excessos não têm problema. É uma concessão que se aceita em troca da catarse. O problema é que, mesmo em uma festa, há alguns limites que não devem ser ultrapassados e o novo Homem-Aranha flerta perigosamente com eles.
Tudo junto e misturado
É impossível falar de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa sem entrar no campo dos spoilers. Isso porque o encontro entre as três gerações de Homens-Aranhas é o ponto central de toda a história. É o coração do filme e o que movimenta toda essa festa.
E isso é importante porque é impossível você ficar indiferente a essa reunião. Para quem cresceu acompanhando cada uma dessas histórias, rever Tobey Maguire vestindo o uniforme do Amigão da Vizinhança é ser levado de volta para 2002, quando os filmes de herói ainda eram uma exceção. É se empolgar tanto quanto o próprio Andrew Garfield ao vestir aquele uniforme mais uma vez.
É um momento tão celebrativo que você ignora tudo. Pouco importa se você não gostava da personalidade mais descolada do Peter Parker de O Espetacular Homem-Aranha ou que a atuação de Tobey Maguire pareça cansada e automática. Tudo ali é feito para atingir o emocional do fã e, por isso mesmo, funciona tão bem.
Não por acaso, o roteiro é repleto de situações para pegar o público pelo coração. É nostálgico ver Maguire falando da sua MJ ou mesmo o olhar fraterno que ele dá ao Doutor Octopus (Alfred Molina) quando se reencontram, da mesma forma que é muito boa a forma como a história apresenta o Peter de Garfield como esse alguém amargurado por ter sido incapaz de salvar Gwen Stacy — e cria um ótimo momento de redenção para isso. É impossível não vibrar com cada uma dessas referências a ponto de você querer mais filmes para cada um deles.
Por isso mesmo, é fácil relevar algumas incongruências ou coisas mal explicadas. Pouco importa por que o Electro (Jamie Foxx) se tornou muito mais vilanesco do que em O Espetacular Homem-Aranha 2 ou mesmo as oscilações que o Lagarto (Rhys Ifans) e o Homem-Areia (Thomas Haden Church) têm em suas motivações. Tudo isso é facilmente deixado de lado em prol da diversão que essa grande festa oferece.
Isso faz com que Sem Volta para Casa seja como um grande gibi que ganha vida. Em uma história assim, você não espera um grande épico ou coisa do tipo, mas uma aventura divertida que empolgue e te deixe animado no final. E o novo Homem-Aranha é tudo isso, inclusive nas pequenas coisas — da aparição de Matt Murdock (Charlie Cox) à célebre frase “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”. Como dito, ele entrega tudo aquilo que você espera.
Um vilão à altura desse encontro
A grande surpresa, talvez, esteja no quanto Willem Dafoe rouba a cena. O seu Duende Verde ainda é um dos vilões mais icônicos da série e aqui fica claro o porquê disso. Mais do que o vilão em si, é a interpretação do ator que torna esse personagem tão poderoso — e é incrível ver o quanto ele se transforma apenas pela sua atuação.
É impressionante a mudança de seu Norman Osborn para o Duende. Em um momento, ele é apenas um idoso frágil, confuso e perdido que não oferece risco algum. Tanto que, na primeira vez em que ele aparece assim, a reação inicial é se assustar com o quanto o ator envelheceu nesses 20 anos que separam Sem Volta para Casa do primeiro Homem-Aranha.
Contudo, quando ele se torna o Duende, parece ser outra pessoa em cena. Ele cresce, se torna imponente e assustadoramente ameaçador. E não apenas por ser alguém fisicamente capaz de cair na porrada com o herói mesmo no auge dos seus 66 anos, mas por representar esse mal capaz de atingir onde mais dói. E, duas décadas depois de mostrar isso pela primeira vez, Dafoe parece estar ainda melhor ao representar tudo isso — e foi um acerto incrível deixá-lo sem máscara para aproveitar ao máximo o ator.
Mais do que multiverso, encontro de heróis e easter eggs, Willem Dafoe é a melhor coisa de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa sem a menor sombra de dúvidas.
Um herói que não evolui
É muito chato ser o inconveniente da festa que chega para apontar defeitos quando está todo mundo se divertindo. Como dito, é melhor se deixar levar pela euforia que Sem Volta para Casa oferece e ignorar alguns de seus exageros. Só que ele ainda é um filme e precisa respeitar algumas regras.
A principal delas é que todo roteiro precisa apresentar uma evolução de seu protagonista. Um herói nunca termina o filme como começou e toda história trata dessa jornada de crescimento do indivíduo. Mais do que uma lição de moral, é uma transformação. É ir do ponto A ou ponto B, seja para o bem ou para o mal — o importante é essa evolução.
E Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é um grande preparativo para essa transformação do herói. Temos um Peter Parker tendo de lidar com as consequências de seus próprios atos para entender que, com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. O problema é que o roteiro se esquece disso em seu momento mais crucial.
O novo Homem-Aranha prepara toda a jornada de seu protagonista para essa evolução. Temos a perda de alguém importante, o sentimento de culpa por ter sido irresponsável e até mesmo uma conversa com os outros Aranhas explicando o quanto essa dor é definidora para o personagem. Só que, na hora em que esse crescimento é posto à prova, ele falha.
E isso é problemático não apenas porque ele toma uma decisão que vai contra a própria essência do herói, mas por contrariar o próprio roteiro. Tudo é construído para que aquele Peter Parker seja melhor que o vilão e que os seus próprios antecessores. Tudo é montado para que ele incorpore a ideia de que a grande responsabilidade que acompanha seus poderes é jamais ultrapassar a linha do assassinato, jamais se rebaixar a esse nível do vilão.
No entanto, no momento em que Peter precisa ser parado para não avançar esse sinal, é porque ele não aprendeu nada com as perdas que teve e não entendeu nada dos conselhos que recebeu. Isso faz dele o mesmo garoto impulsivo que apela para a magia sem se importar em dar um telefonema para resolver um problema mundano. Ele termina o filme como começou, o que é terrível.
Esse é o tipo de problema que enfraquece demais o roteiro, pois esvazia o símbolo do herói, ainda mais alguém tão icônico quanto o Homem-Aranha. É um deslize tão grande que é difícil de ignorar mesmo em meio à pirotecnia nostálgica que é Sem Volta para Casa.
É o suficiente para estragar a festa? Não, mas é algo que deixa um gosto amargo, como aquela ressaca do dia seguinte. Por mais que tenha sido divertido rever os amigos e ter se empolgado com cada revelação apresentada, é um erro que fica martelando na sua cabeça por um bom tempo.
Isso porque o próprio filme parece se esquecer de sua própria lição. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades — e isso não deve ser esquecido nem mesmo em meio a um momento de celebração.
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