Crítica | Marvel cria um clássico instantâneo com Falcão e o Soldado Invernal
Por Claudio Yuge • Editado por Jones Oliveira |
Quando o então CEO do Marvel Studios, Kevin Feige, assumiu o comando da Marvel Entertainment e anunciou que o Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) invadiria o Disney+ com histórias diretamente conectadas em novas séries da Casa das Ideias, muita gente se perguntou: será que eles serão capazes de repetir o sucesso das telonas? E aí veio WandaVision, que agradou, mas criou muitas expectativas, as quais a maioria não foi concretizada no final da atração.
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Em seguida, com apenas duas semanas de intervalo, o Disney+ já emplacou o primeiro episódio de Falcão e o Soldado Invernal, que deixou uma ótima impressão com sequências de ação aéreas de tirar o fôlego e rostos conhecidos que todo mundo estava com saudade de ver. Como prometido pela própria produção, a narrativa é centrada nos personagens, em especial, claro, Sam Wilson/Falcão (Anthony Mackie) e James Buchanan (Bucky) Barnes/Soldado Invernal (Sebastian Stan).
A história começa exatamente onde Vingadores: Ultimato nos deixou, com Sam Wilson entregando o escudo que recebeu do Capitão América para o governo dos Estados Unidos e o mundo se recuperando do “Blip” cinco anos depois de Thanos estalar os dedos e fazer sumir metade do universo. Como consequência disso, vemos a ascensão de um novo Capitão América e do grupo chamado Apátridas (ou Flag-Smashers), que acredita em “um só mundo e um só povo”, já que muitas fronteiras caíram quando o planeta se viu com a população reduzida.
Os seis episódios realmente soaram como um “grande filme de ação de seis horas”, como o próprio Anthony Mackie já havia adiantado, e, além de desenvolver melhor personagens queridos, apresentaram novas caras e expandiram o MCU nas telinhas. E como a Marvel conseguiu esse feito? Abaixo eu destaco as chaves desse sucesso.
Mas, atenção: o que vem a seguir contém spoilers sobre todos os episódios de Falcão e o Soldado Invernal, então, cuidado para não estragar surpresas.
Uma ode aos personagens
Se em WandaVision tivemos na estrutura inicial e no luto de Wanda as grandes forças motrizes da narrativa, Falcão e o Soldado Invernal é movido pela trajetória dos personagens, especialmente os que dão o nome ao título, claro. Há histórias paralelas que constroem o cenário para a ação, mas é na jornada dos protagonistas que a série fica interessante.
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Sam já teve experiência de campo como soldado estadunidense e Vingador, e sempre trabalhou bem com as ideias como conselheiro para vítimas de estresse pós-traumática. Mas ele não conseguia entender exatamente qual é o papel do Capitão América, pois tudo o que ele sabe sobre o Sentinela da Liberdade vem da referência de Steve Rogers (Chris Evans) no posto. Então, aqui, sua jornada o leva a Isaiah Bradley (Carl Lumbly), o Capitão América negro que ninguém se lembra ou conheceu.
Bradley nos traz um importante questionamento: como os Estados Unidos e o mundo reagem a um Capitão América preto, especialmente quando vemos a construção de cenários de guerra sobre pilares do racismo estrutural? As perguntas que surgem com o experimento e o sofrimento de Bradley soam como respostas para Sam, que finalmente encontra uma voz e as motivações mais adequadas para o seu Capitão América, disposto a ouvir e se envolver mais com os clamores populares das ruas — e isso está perfeitamente alinhado com a versão de Sam Wilson nos quadrinhos.
Já Bucky, que inicia a série frequentando sessões de terapia e segue assombrado pelo passado como o assassino Soldado Invernal, não sabe como lidar com esses sentimentos e se sente ainda mais vazio e sozinho após a debandada de Steve Rogers. Ele começa questionando Sam por ter entregue o escudo do Capitão América para o governo americano, mas logo se torna parceiro de Sam.
Aqui, vemos Bucky enfrentando o seu passado, seja o distante, na forma do Barão Zemo (Daniel Brühl); ou o mais recente, na figura wakandiana da Dora Milaje Ayo (Florence Kasumba). Ao final de sua jornada, é muito interessante vê-lo compreender que o Soldado Invernal nunca deixará de fazer parte de sua história, e que o mais importante é lidar com isso olhando para o futuro.
É Sam que o ajuda a enxergar isso e a trazer um encerramento para as frustrações de Bucky. No episódio cinco, que desde já coloca a série como candidata do Emmy, vemos ambos como dois amigos. A própria expressão de Bucky muda completamente e vemos ele sorrindo o capítulo inteiro — algo que não tínhamos visto desde que ele apareceu no MCU.
Coadjuvantes de luxo
Falcão e o Soldado Invernal segue à risca uma das principais regras para você criar uma excelente história: é preciso se dedicar igualmente para todos os personagens. Os roteiristas foram generosos com os coadjuvantes, que fizeram os protagonistas brilharem mais ainda. Essa foi uma das grandes diferenças para WandaVision, por exemplo, que não teve assim o mesmo tratamento para o elenco de apoio.
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Wyatt Russell surge como o perfeito John Walker, um soldado que sempre soube o que fazer no campo de batalha, sob as ordens do exército estadunidense, mas que não sabe exatamente lidar com as complexidades do mundo quando o “certo” e o “errado” não são tão nítidos assim. E tudo fica ainda mais nebuloso depois da morte de Lemar Hoskins (Clé Bennet). É o adversário ideal para confrotarmos os ideais de Steve Rogers e Sam Wilson.
Karli Mongerthau (Rin Kellyman) se mostrou como uma ótima oponente para Sam e Bucky. O que John Walker não entendia, e o que Sam já sabia desde o início, é eles não estavam enfrentando uma organização terrorista, e sim uma jovem com fortes princípios, capazes de mover uma grande comunidade mundial. Ela não era um inimigo no campo de batalha, e sim uma ideia de um mundo diferente.
O Barão Zemo deu um show à parte, como um criminoso bastante diferente dos quadrinhos, muito mais charmoso e interessante. Daniel Brühl oferece texturas nunca antes vistas em sua versão dos quadrinhos e, de quebra, traz um discreto e bem-vindo humor para a série. O que dizer de sua dancinha em Madripoor, que conquistou os fãs e viralizou como meme nas redes sociais?
Sharon Carter (Emily VanCamp) também ressurge em boa forma, especialmente no capítulo que apresenta a ilha asiática de Madripoor. Contudo, perto dos outros coadjuvantes de luxo, sua história soa um pouco inconsistente, especialmente quando ela revela sua verdadeira faceta nos dois últimos episódios.
E, claro, temos a grande importância de Isaiah Bradley, que é quem torna toda a história do Capitão América mais verossímil, a partir de temas que são o cotidiano de milhares de pessoas em todo o mundo. Medo, preconceito, racismo e discriminação não podiam ser colocados de melhor forma em seu personagem, que se torna uma referência para que Sam evolua suas batalhas pessoais para uma missão com a América e com o mundo — aliás, a conclusão do arco de Sam com Bradley é daqueles momentos lindos de fazer suar os olhos.
Para completar, pode colocar aí as boas participações de Adepero Oduey como Sarah Wilson, que nos faz lembrar quem os heróis estão realmente salvando no mundo; e Georges St. Pierre, que finalmente pôde exibir mais das habilidades de combate corpo-a-corpo de Batroc.
Expansão do MCU
A série possui dois personagens, em especial, que não foram citados acima, justamente porque eles representam o que a Marvel costuma fazer para ampliar suas histórias e personagens no MCU. O primeiro deles é Joaquin Torres (Danny Ramirez), que em Falcão e o Soldado Invernal é o contato de Sam com o exército dos Estados Unidos.
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Além de servir como uma ponte entre as ações “oficiais” do governo com a movimentação independente de Sam e Bucky, Torres oferece apoio e, quem leu os quadrinhos, sabe que o personagem homônimo se torna o novo Falcão quando Sam assume o posto de Capitão América. Embora na versão de papel ele tenha uma transformação real na ave de rapina, aqui sua possível chegada no futuro é muito melhor explicada, quando ele “herda” as antigas asas do Falcão.
A outra personagem-chave para a expansão do MCU é a condessa Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), que nos quadrinhos é uma espiã da SHIELD que tem ligações com a Rússia e já fez “jogo duplo” para desmascarar a Hydra. Fonte de bastidores indicam uma possível aparição da mesma personagem em Viúva Negra, e isso significa que a Marvel tem planos para ela em um futuro próximo. Muitos já apostam nela como uma possível líder dos Thunderbolts (a versão da Marvel do Esquadrão Suicida) ou dos Vingadores Sombrios, pois, no final da série, John Walker se torna o Agente Americano sob sua tutela.
E, claro, não dá para deixar de lembrar de Sharon Carter, que termina Falcão e o Soldado Invernal como inimiga secreta dos Estados Unidos, revelando-se a Mercadora de Poder. Ao que parece, ela também deve liderar alguma força paralela nesse MCU, cada vez mais perigoso e complexo.
Vale a pena?
Embora WandaVision seja uma boa série, a pressão de ser a primeira atração conectada diretamente com o MCU em um ano sem atrações no cinema gerou uma ansiedade por algo que não estava nos planos da produção. Já em Falcão e o Soldado Invernal, as linhas traçadas são muito mais fáceis de enxergar e promovem uma narrativa que traz o conforto que o público precisa neste momento.
A série tem tudo o que a Marvel tem feito de melhor nos últimos anos, misturando gêneros; aqui ela vai fácil do drama para a ação e o humor na medida certa, com atores muito à vontade em seus papeis. E a química de Sam e Bucky, que já tinha dado certo em Capitão América: Guerra Civil, evolui e torna tudo ainda mais emocionante, em uma verdadeira trajetória “bromance” de redenção e superação.
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A única coisa que ficou faltando é realmente sabermos onde Steve Rogers foi parar, mas isso é perdoável, já que o foco da série é sobre sua ausência e a construção de um novo Capitão América. A Marvel acertou mais uma vez, o suficiente para dizer que Falcão e o Soldado Invernal é, desde já, um clássico instantâneo.