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O que é Facebook Papers e por que você deveria se importar com isso

Por| Editado por Douglas Ciriaco | 12 de Novembro de 2021 às 11h45

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Pexels/Luca Sammarco
Pexels/Luca Sammarco
Tudo sobre Facebook

Se você acompanha o Canaltech, provavelmente já deve ter visto a série de sucessivas polêmicas nas quais o Facebook (que agora se chama Meta), se envolveu nos últimos meses. Em geral, são várias pesquisas internas com dados preocupantes em temáticas diversas, tais como saúde mental, publicidade direcionada para crianças e adolescentes, falhas no algoritmo de moderação e manipulação de conteúdos de ódio para causar polêmicas.

A lista de fatos é imensa e não param de surgir novas questões para colocar uma das maiores companhias do mundo contra a parede. Tudo isso é fruto de um conjunto de vazamentos feito por uma ex-funcionária que deixou a Meta por não concordar com atitudes, em sua visão, questionáveis sob os aspectos éticos e morais.

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Essa vastidão de dados é chamada de Facebook Papers e conta com vários vieses internos que estão sendo expostos de modo bastante coordenado por veículos de imprensa de todo o mundo. Quando as pessoas pensam que a poeira assentou, algum jornal dos Estados Unidos, da Europa e até do Brasil surge com uma novidade bombástica que mobiliza todos os apaixonados por tecnologia — e aqueles que têm um pé atrás com a firma de Mark Zuckerberg.

O que é o Facebook Papers?

O nome Facebook Papers foi cunhado pela imprensa dos Estados Unidos para designar os vários documentos expostos pela denunciante Frances Haugen, que trabalhava em um setor responsável por lidar com pesquisas internas. Ela acusa a empresa de querer lucrar acima de tudo, mesmo que isso custe o bem-estar dos usuários, e alega ter pedido demissão por não aguentar mais ver tantas constatações absurdas passarem despercebidas da sociedade.

Quando saiu em definitivo, a trabalhadora coletou documentos internos e os repassou para parlamentares do Congresso dos Estados Unidos e para a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador das empresas listadas na bolsa de valores dos EUA. Em muitos casos, ela alega que Zuckerberg sabia de tudo e se contradizia, minimizava ou deixava de divulgar as descobertas da empresa sobre o impacto de seus produtos e plataformas para não perder usuários.

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Os estadunidenses têm por hábito usar o termo "papers" para documentos vazados e, em geral, com grande repercussão, como foi o caso do Panamá Papers — que revelou paraísos fiscais de ricos e poderosos — e o Pandora Papers — megavazamento de informações sobre empresas offshore que afetou até empresários brasileiros. A premissa não é diferente para o Facebook, afinal os dados têm potencial para detonar uma bomba atômica no maior conglomerado de mídia social do planeta.

Quem são os participantes do consórcio?

O volume de dados vazados é tão grande que seria impossível para apenas um único jornal destrinchar tudo, por isso foi formado um consórcio internacional de veículos de comunicação para divulgar as informações de modo progressivo. Em cada redação, equipes são destacadas para se debruçarem nos documentos e, assim, analisarem as milhares de páginas.

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No Brasil, são três os veículos participantes da cobertura do Facebook Papers: Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e Núcleo Jornalismo. Já no exterior, o consórcio é composto oficialmente por 17 empresas jornalísticas: Associated Press, Bloomberg, Casey Newton’s Platformer, CBS News, CNN, Financial Times, Fox Business, Le Monde, NBC News, NPR, Politico, Reuters, Süddeutsche Zeitung, The New York Times, The Washington Post, The Atlantic, USA Today e Wired.

Curiosamente, quem deu início a tudo isso foi o The Wall Street Journal, que não integra o consórcio, mas teve acesso aos documentos de imediato e criou uma série chamada Facebook Files. Em geral, o WSJ antecipou vários assuntos que depois vieram à tona a partir da formação do consórcio, com destaque para as pesquisas que falavam sobre o potencial impacto do Instagram sobre a saúde mental de adolescentes.

Outra descoberta bastante chocante do Wall Street Journal foi sobre uma mudança no algoritmo da rede, em 2018, para tornar conteúdos raivosos mais amplificados. Essa prática pode ter intensificado a animosidade política e polarização que tomou conta de vários países, em especial no Brasil e nos Estados Unidos.

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Por que você deveria se importar?

Embora muitos dos conteúdos tenham repercutido pouco na sociedade brasileira, várias revelações sobre a empresa de Mark Zuckerberg já foram divulgadas. Ao conferir uma breve listagem abaixo do que a imprensa mundial publicou até hoje, dá para ter noção de como ficar atento às revelações do Facebook Papers são de suma importância para o mundo hoje, dado o alcance imenso que o Facebook (e seus demais produtos) têm em dezenas de países (o Brasil é o terceiro que mais usa a rede em todo o planeta.

Confira a lista com as principais revelações do Facebook Papers:

  1. Saúde mental de jovens: a empresa sabe que suas plataformas desencadeiam efeitos negativos em adolescentes. Em um relatório exposto, que segundo a rede foi feito com apenas três meninas, uma delas disse se sentir insatisfeita com seu corpo e o Instagram piorava esse sentimento.

  2. Algoritmo manipulado: Facebook e Instagram sempre foram espaços para discussões políticas, cancelamentos e divisões, mas isso não foi motivado apenas pela polarização política do mundo.

  3. Todos são iguais, só que não: as regras das plataformas são bem rígidas e deveriam se aplicar a todos, mas políticos e autoridades gozavam de maior liberdade na rede. Com o abuso dessas pessoas, que culminou no banimento do ex-presidente Donald Trump, a rede decidiu colocar todo mundo no mesmo balaio.

  4. Confusões da inteligência moderadora: a maior parte das exclusões e penalizações de posts são feitos por IAs criadas para moderar conteúdo. Mesmo com investimento maciço nisso, a tecnologia da empresa só conseguiu remover entre 3% e 5% de materiais com discurso de ódio e apenas 0,6% com violência. Brigas de galos foram sinalizadas como acidente de carro e tiroteios em massa foram rotulados como jogos de paintball.

  5. Tráfico de mulheres: a rede foi usada por aliciadores para traficar mulheres do sudeste asiático para trabalharem como empregadas domésticas no Oriente Médio. Embora soubesse do ocorrido, a equipe pouco teria feito para combater isso, o que quase levou a Apple a banir o Facebook da sua loja.

  6. Ataque ao Capitólio: um dos fatos marcantes após a derrota de Donald Trump foi a invasão ao Capitólio pelos apoiadores do presidente. Segundo documentos, vários funcionários estavam frustrados por não terem feito nada para impedir que as coisas saíssem do controle. A rede, inclusive, não tinha um manual de como agir em caso de escalada da violência, por isso demoraram muito para conter os posts com incentivos à tomada.

  7. Orçamento infantil: a perda de adolescentes e jovens para o TikTok teria feito a companhia reservar grande parte do orçamento (cerca de R$ 2,1 bilhões) de marketing para manter e atrair os menores de 18 anos.

  8. Crianças na mira: com a debandada de adolescentes do Instagram, a empresa poderia focar esforços para entregar produtos para os mais novos: crianças de apenas seis anos. Essa parecia ser a premissa do Instagram for Kids, que foi suspenso temporariamente, mas seguiria uma linha parecida ao Messenger Kids.

  9. Política e desinformação: conteúdos políticos publicados no Facebook são a principal fonte de desinformação no Brasil, segundo pesquisa realizada pela empresa com usuários locais — cerca de 60% dos entrevistados teriam declarado que ali é onde a desinformação crônica reside.

  10. Poder de fala nas mãos de poucos: apenas 3% dos brasileiros da rede foram responsáveis por 33% do "conteúdo cívico" na rede.

  11. Países que exigem atenção: Brasil, Índia, Egito, Turquia e Filipinas estariam na lista dos mais suscetíveis a danos provocados por conteúdos de incitação à violência, discurso de ódio e de organizações perigosas do que usuários dos Estados Unidos e Europa Ocidental.

  12. Conteúdos tóxicos viralizam: após analisar 17 categorias de conteúdo, a empresa definiu que o Brasil um local em que há grande alcance de conteúdo de baixa qualidade.

  13. WhatsApp x Feed: o WhatsApp é considerado o vilão pela "perda de valor" do feed do Facebook nos últimos anos no Brasil. Mesmo as mudanças promovidas não foram capazes de esvaziar a rede e levar os debates para os grupos de bate-papo.

  14. Algoritmo racista:além de rotular negros como primatas, o algoritmo da rede não conseguiu identificar um imenso fluxo de conteúdo de discursos de ódio produzidos em árabe, o que pode ter contribuído para agravar crises em diversas partes do mundo. Aliás, os documentos internos revelaram serem poucos os moderadores humanos falam árabe, daí a dificuldade para lidar.

  15. Engajamento na base do ódio: funcionários alertaram sobre a disseminação de fake news no período eleitoral e conteúdos com animosidades que não foram removidos, possivelmente para gerar interação e manter as pessoas interessadas em brigar umas com as outras.

  16. Instabilidade na Índia: o país passa por um conturbado momento social, com desinformação, discursos de ódio e incentivos à violência, fato que as plataformas teriam intensificado.

  17. Curtidas e reações: toda rede social teme pelos efeitos que eventuais reações negativas tenham sobre os usuários, tanto que o Instagram removeu o contador durante um tempo, mas retornou neste ano, mesmo sabendo dos potenciais efeitos nocivos.

  18. Monopólio: mesmo com o crescimento dos rivais e as constantes refutações, documentos mostram que a empresa sabia do seu monopólio quando comparada ao Snapchat, TikTok e YouTube.

  19. Divergência quanto a efeitos nocivos: vários funcionários teriam se manifestado contra a política de lucro acima de qualquer coisa, mas a direção não teria se mostrado sensível a isso.

  20. Antivacina: dirigentes da rede teriam se recusado a intervir em discursos antivacina durante a pandemia, com limitação de alcance e exclusão de comentários, o que teria desencadeado uma onda de desinformação e obrigado a plataforma a adotar tal medida após o dano já ter sido causado.

  21. Tranquilização dos investidores: o CEO do Facebook estaria se desdobrando para gerenciar a crise: em reunião com executivos da companhia, ele teria falado por cerca de 20 minutos sobre a cobertura do Facebook Papers e as ações tomadas para estancar a sangria.
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É claro que essa listagem pode ser ainda maior, já que há conteúdos em outros idiomas além do português e do inglês. Mesmo assim, o que já saiu até agora dá uma ótima noção de o quão importante são os documentos disponibilizados pela ex-funcionária do Facebook.

Qual o posicionamento do Facebook sobre isso?

É claro que tamanha repercussão não seria ignorada pela Meta. Ainda que faça a contragosto, em muitos casos, a empresa quase sempre está disposta a publicar posicionamentos redigidos por seus executivos na tentativa de esclarecer pontos mais sensíveis. Até hoje, nunca houve uma fala oficial sobre a cobertura em si, mas, sim, sobre os temas isolados sobre os quais são incitados pelos jornalistas.

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Em alguns casos, como em um relatório do dia 9 de novembro de 2021, a empresa fala sobre como lida com o bullyng e o assédio, questões que estavam nas pesquisas internas e alvo constantes de questionamentos — também no mesmo dia, um outro texto focou em explicar as acusações de inércia na Etiópia. A seguir estão as principais respostas (diretas ou indiretas) da Meta a assuntos relacionados ao Facebook Papers:

De forma resumida, o que a Meta fez ao longo dos meses foi tentar contextualizar suas pesquisas e esclarecer os veículos de comunicação sobre possíveis interpretações errôneas — embora alguns ataques feitos ao WSJ tenham sido fora de tom. Por se tratar de documentos verdadeiros, não houve negação de nenhum fato ou tentativa de desqualificar os dados.

Ainda há muitos fatos que precisam ser esclarecidos, mas provavelmente cairão no limbo, afinal não há interesse em justificar o injustificável. As acusações feitas por Frances Haugen são graves e ainda devem render muito pano para manga dos congressistas e dos órgãos dos Estados Unidos. O CT continuará a acompanhar os novos fatos e trará as novidades em primeira mão.

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Fonte: Facebook Doc Stories, Estadão, CNN, Nucleo Jornalismo