Xbox | Como o Game Pass e a Activision viraram dor de cabeça para a Microsoft
Por André Mello • Editado por Durval Ramos | •
A divisão de jogos da Microsoft virou centro das atenções não somente por parte de fãs de games, mas da mídia em geral e da própria empresa a partir do momento em que começou a expandir com compras gigantescas, adquirindo estúdios e companhias como a Bethesda e Activision Blizzard. Porém, um possível planejamento equivocado, aliado a apostas que não deram certo, trouxeram caos e incerteza sobre a posição do Xbox no futuro da indústria de jogos.
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O fechamento de estúdios como o Tango Gameworks e Arkane Austin criou um alerta para toda a indústria de games. O caso da Tango Gameworks foi mais gritante, pois o estúdio lançou, em 2023, Hi-Fi Rush, jogo menor que os chamados AAA, mas que foi muito bem aceito pela crítica e público, faturando prêmios em cerimônias como o BAFTA e The Game Awards, apenas para ter todos os seus responsáveis demitidos em 2024.
Muitos começaram a criar uma linha do tempo para entender exatamente onde foi que a divisão Xbox começou a ter problemas, sendo que muitos acreditam que todo o caos que está em torno da marca tem dois motivos: a aposta no Game Pass e a compra da Activision Blizzard.
Game Pass como o futuro da divisão
Lançado em 2017, o Xbox Game Pass é um serviço de assinatura que permite seus assinantes a baixar centenas de jogos em consoles e PC, além de ter acesso a títulos através de streaming na nuvem. Um dos grandes diferenciais do Game Pass frente a outros serviços semelhantes, como a PS Plus, é o fato de todos os jogos first party da Microsoft serem disponibilizados para os assinantes no dia do lançamento.
Essa tática fez com o Game Pass explodisse em popularidade, já que jogadores precisam apenas ter um console da Microsoft e uma assinatura para ter acesso a uma biblioteca imensa de jogos, gastando pouco por mês. O crescimento do Game Pass fez com que ele deixasse de ser exclusivo de consoles, ficando disponível também no PC e em aparelhos móveis, através do streaming na nuvem.
Durante anos, a Microsoft e a divisão Xbox colocaram suas fichas no Game Pass a ponto de começar a passar a impressão de que esse seria o futuro do Xbox, que deixaria de ficar preso nos consoles e chegando a todas as telas possíveis através da assinatura.
Vários rumores sobre o fim do Xbox como um console competidor começaram a pipocar no primeiro semestre de 2024, principalmente após o anúncio que jogos exclusivos do console também seriam lançados em outras plataformas, como o PlayStation 5 e o Nintendo Switch.
A Microsoft reforçou o seu compromisso com a produção de hardware do Xbox por muitos anos e, novamente, "vendeu o peixe" do Xbox Game Pass. Porém, o serviço de assinatura da empresa parece ter parado de crescer.
Segundo Mat Piscatella, da empresa de consultoria de comportamento de consumidor Circana, assinaturas para serviços ligados a videogames, como o Game Pass e a PlayStation Plus, tiveram um crescimento de apenas 1% do período de abril de 2023 até abril de 2024.
Enquanto isso, a tática da Microsoft de incluir títulos AAA em seu lançamento sempre se mostrou muito cara e, apesar de não afirmar isso oficialmente, certamente prejudicava nos números de arrecadação desses títulos no mercado. É a velha história de "Para que gastar R$ 300 em um jogo se eu posso ter acesso a ele e mais uma centena de outros títulos por R$ 50?".
Isso, por si só, já poderia indicar um problema para a divisão de jogos da Microsoft, mas parecia ainda não chamar a atenção da empresa que vale mais de US$ 3 trilhões. Só que a divisão Xbox começou a gastar em mais uma coisa.
Mirosoft se empolgou com aquisições
A ideia de adquirir novos estúdios não é absurda ou incomum na indústria de games. No passado, tanto Sony, Nintendo e a própria Microsoft já haviam comprado estúdios para reforçar o seu portfólio e criar novos títulos exclusivos para seus consoles.
Porém, a Microsoft começou a chamar atenção pelo ritmo e volume de compras de novos estúdios. Ainda assim, a aquisição de estúdios como a Ninja Theory, do vindouro Senua's Saga: Hellblade 2, não parecia absurda. Isso mudou em 2020, quando foi anunciada a compra da Zenimax Media, empresa dona da Bethesda, de Fallout e The Elder Scrolls, e outros estúdios como iD Software, da franquia Doom, Machinegames, de Wolfenstein, e Tango Gameworks, de The Evil Within.
Do dia para a noite, franquias que estavam disponíveis em várias plataformas agora eram exclusivas da Microsoft, com lançamento para Xbox e PC. Recentemente, um dos grandes títulos da Bethesda, Starfield, que inicialmente chegaria ao PS5, foi lançado apenas para Xbox Series S/X e PC.
A compra da Zenimax por US$ 7,5 bilhões era alta, mas parecia trazer um retorno a longo prazo para a divisão Xbox e, ainda por cima, enriquecia o catálogo do Xbox Game Pass. Então, a Microsoft resolveu comprar a Activision Blizzard.
A transação, que custou US$ 70 bilhões para a Microsoft, fez com que a Sony entrasse com um pedido para impedir a compra, afirmando que isso colocaria a rival em uma posição desleal na indústria de games, principalmente por adquirir Call of Duty, uma das franquias multiplataforma mais rentáveis do mercado de videogames.
Depois de muita polêmica, a compra foi aprovada e a Microsoft virou a dona de propriedades como CoD, Warcraft, entre outras. Só que isso trouxe "Olho de Sauron" para cima da divisão.
Veja que isso não sou eu quem está dizendo. Brad Hilderbrand, ex-funcionário da Microsoft e da Electronic Arts, foi até o seu Linkedin para comentar o fechamento dos estúdios de Dishonored e Hi-Fi Rush e deu como motivos a aposta da empresa no Game Pass e a compra da Activision Blizzard como os motivos pelos atuais problemas do Xbox.
Para Hilderbrand, os gastos em cima da compra da Activision Blizzard fizeram com que a Microsoft passasse a cobrar mais resultados da divisão de jogos para que essa conta possa fechar. Isso fez com que outros estúdios da empresa fiquem em risco caso não atinjam números absurdos de venda ou tragam assinantes para o Game Pass.
Sem saber o que realmente quer
No dia seguinte ao fechamento dos estúdios, no dia 8 de maio, Matt Booty, chefe do Xbox Game Studios, fez uma reunião com os funcionários para explicar os objetivos da divisão para o futuro. Segundo informações divulgadas pelo site The Verge, Booty disse "Nós precisamos de jogos menores que nos tragam prestígio e prêmios".
Essa frase chamou atenção de todos porque, no dia anterior, a Tango Gameworks, empresa responsável por Hi-Fi Rush, um jogo menor que trouxe prestígio e prêmios à Microsoft em 2023, foi fechada e seus funcionários demitidos.
Deixando as coisas ainda mais confusas, Aaron Greenberg, vice-presidente de Marketing do Xbox, havia comentado que o game tinha sido um sucesso inesperado.
Para piorar a situação, Jason Schreier, da Bloomberg, afirmou que suas fontes já avisaram que a Microsoft pretende diminuir a divisão de jogos da empresa, oferecendo acordos de demissão voluntária a produtores e outros funcionários da Zenimax, algo que a companhia negou à publicação.
Porém, vários funcionários rebateram a negativa, afirmando que isso está acontecendo e não deve acabar tão cedo.
"Não é mais Xbox. É Microsoft Gaming agora"
Durante os primeiros meses de 2024, surgiram rumores, junto com o anúncio de que jogos exclusivos seriam lançados em outras plataformas, que a Microsoft estaria planejando uma saída silenciosa do mercado de consoles, focando apenas em softwares. Isso foi negado pela companhia, que reforçou seu compromisso com o Xbox e seus consoles.
Porém, na época desses rumores, muito se falava sobre o fato de o serviço de assinatura aparecer em alguns documentos como Microsoft Game Pass, algo que foi explicado como uma desatualização.
Em um artigo publicado pelo site IGN, o site conversou com dois ex-funcionários da Microsoft que estiveram na empresa na época do Xbox 360, que após terem conversado com antigos superiores, afirmaram que não existe mais Xbox, apenas Microsoft Gaming.
Segundo os ex-funcionários, a divisão de jogos da Microsoft ainda não tinha feito uma integração completa da Bethesda com o resto dos estúdios quando surgiram conversas sobre a aquisição da Activision Blizzard. "O Xbox 360 foi lançado por algumas centenas de pessoas. Na última vez que eu fiquei sabendo, a divisão tinha quase 30 mil pessoas", revelou a fonte.
Para a dupla de ex-funcionários, a compra da Zenimax e da Activision Blizzard faziam sentido na época, durante a pandemia, quando a Microsoft via uma busca intensa pelo Xbox Series S e X, o Game Pass estava crescendo e tudo levava a crer que continuaria assim.
Só que a queda nas vendas de hardware no último ano, a briga com órgãos reguladores para aprovar a compra da Activision Blizzard e os US$ 70 bilhões fizeram com que executivos da Microsoft entrassem em cena de acordo com os ex-membros da divisão Xbox.
"O motivo para que essas decisões pareçam não bater com a liderança do Xbox de tanto tempo é que elas provavelmente não estão sendo tomadas por Phil Spencer. Tudo pode estar sendo ditado pelo [CEO da Microsoft] Satya [Nadella] e a [CFO da Microsoft] Amy Hood, e tudo começou na aquisição da Activision."
E o futuro?
O futuro da divisão do Xbox parece confuso, mas nem tudo parece perdido. Mesmo com toda essa polêmica, a Microsoft continua afirmando seu compromisso com os games e consoles. Durante o Bloomberg Tech Summit, Sarah Bond, executiva do Xbox, revelou o lançamento em junho de uma loja de jogos mobile, para Android e iOS.
"Nós vamos começar trazendo os jogos do nosso portfólio, como Candy Crush e Minecraft. Nós vamos iniciar isso apresentando tudo pelo navegador, acessível em todos os dispositivos, em todos os países, independente das políticas das lojas fechadas dos ecossistemas móveis", revelou Bond.
Isso reforça o desejo da divisão de entregar experiências de entretenimento em todas as telas, fazendo com que Xbox não seja apenas um console, mas todo um ecossistema. O que isso significa para quem quer comprar um videogame e jogar seus jogos favoritos, ainda é um mistério.