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Crítica O Homem dos Sonhos | Os riscos de chamar atenção

Por  • Editado por Durval Ramos | 

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Divulgação/A24
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As tentativas hollywoodianas de aproveitar virais para produzir filmes a toque de caixa não costumam funcionar — o pavoroso Slender que o diga. Afinal de contas, estamos normalmente falando de tentativas de transformar uma imagem ou vídeo curto, com humor pontual, em algo muito maior, com mais de uma hora de duração. A ilusão, porém, funcionou bem em O Homem dos Sonhos.

A antiga lenda urbana virtual do This Man apresenta uma face comum, com a qual milhares de pessoas sonhariam todas as noites, mesmo sem o conhecerem. No longa de Kristoffer Borgli (Doente de Mim Mesma), esse homem é Paul Matthews (Nicholas Cage), um professor que, de repente, começa a aparecer noite após noite nas mentes de todo mundo.

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É assim que alguém totalmente ordinário e até menosprezado se torna, rapidamente, uma sensação. Entre ser reconhecido nas ruas, dar entrevistas para telejornais e ter sua casa invadida por um fã problemático, o protagonista de O Homem dos Sonhos vai notando que sua vida está prestes a mudar de maneira drástica — algo que, no fundo mesmo, ele também desejava, mas com certeza, não dessa forma.

A técnica é grande aliada da produção, com o longa usando cortes ágeis, imagens sobrepostas e uma transição entre fantasia e realidade sem indicações diretas ao espectador. Não é como se você nunca soubesse exatamente em que plano estamos, mas muitas vezes, os pensamentos de Paul e das pessoas que o cercam são retratados de forma direta, como se a própria vida do protagonista também tivesse se transformado em um sonho.

São cortes secos e interrupções em falas que remetem aos momentos em que somos acordados de supetão, bem como um estilo ágil que permeia, principalmente, a primeira metade da produção. Muita coisa acontece na primeira meia hora de filme, enquanto o restante é dedicado às tentativas de Paul em encontrar sentido e, principalmente, benefícios na bagunça que tem diante de si.

Cuidado com o que sonha

De início, não dá para saber ao certo se Paul deseja ou refuta a notoriedade, mas a resposta logo vem. Enquanto a fama recém-conquistada da forma mais bizarra possível traz à tona suas estranhezas sociais mais profundas, ela também é vista pelo personagem como uma oportunidade de ascensão. Mais do que isso, e ainda que tentando manter um caráter de humildade, ele demonstra estar, sim, curtindo o momento.

Assim, O Homem dos Sonhos assume um caráter quase que filosófico, na maioria das vezes baseado na atuação corporal de Cage. Durante todo o tempo, dá para sentir o incômodo no personagem e, também, sua vontade de aproveitar o momento ao máximo, chegando a se submeter a situações simplesmente surreais e distantes de sua zona de conforto.

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Chega a ser curioso ver o ator, conhecido e até transformado em meme por suas atuações exageradas e papéis dramáticos, interpretando alguém completamente ordinário. É quase como se ele estivesse preso em uma casca, com sua personalidade conhecida transparecendo em alguns momentos de O Homem dos Sonhos, principalmente durante diálogos mais longos ou conversas inflamadas em que o protagonista deixa de prestar atenção nas convenções sociais para ventilar o que realmente pensa.

Saindo do esconderijo

É também desta forma que se desenrola o discurso promovido por Borgli, que também assina o roteiro do filme que tem produção de Ari Aster (Beau Tem Medo). Como já dá para imaginar até aqui, a verdadeira mensagem está nas entrelinhas, com o longa que poderia ser encarado como uma piada adicional ao meme se tornando, na verdade, uma crítica à própria cultura da internet.

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O diálogo inicial de Paul sobre as listras das zebras, que servem para que elas se misturem ao bando e não se camuflarem na natureza, é uma analogia óbvia do que O Homem dos Sonhos deseja passar. Mas não para por aí, porém, com a visão surreal sobre fama vazia proporcionada e a transição rápida da adoração para o ódio assumindo toques surreais de tão literais.

O protagonista ousou levantar a cabeça, como fazem as zebras que acabam sendo vítimas dos leões. Nesse caso, porém, ele fez isso de forma não intencional, o que acaba trazendo um tom meio sinistro para toda a fábula, ao mesmo tempo em que os atos às vezes questionáveis do personagem principal esvaziem a empatia que possa ser sentida pelo espectador.

O cerne da produção está nessas situações bizarras que vão e vem, enquanto Paul tenta fazer o melhor que pode, às vezes de maneira atrapalhada e, em outras, tomando as piores decisões possíveis. Quando todo mundo já sonhou com esse homem, a busca passa a ser por novos sonhos, em uma renovação rápida que tira os holofotes tão rapidamente quanto foram instalados, para o bem e para o mal, ainda que levem a um final esquisito.

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Vale a pena ver O Homem dos Sonhos?

O Homem dos Sonhos foge das convenções usuais de filmes baseados em tendências virais, virando a ponta dessa arma para a própria cultura online de forma às vezes óbvia, mas também filosófica e interessante. Entre comentários diretos e outros questionamentos nas entrelinhas, o longa chama a atenção pelo ritmo e edição, além das situações surreais apresentadas.

Tudo isso ganha ainda mais tempero com a atuação de Cage, que também desafia seu estilo usual ao assumir a pele de alguém completamente ordinário. A busca por reconhecimento e a fuga de uma vida infeliz, principalmente diante de um caos inesperado, transforma tudo, inclusive o próprio trabalho do protagonista.

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O Homem dos Sonhos estreia no Brasil em 28 de março. O filme de Kristoffer Borgli (Eer) tem Nicholas Cage (O Peso do Talento), Julianne Nicholson (Blonde), Michael Cera (Barbie) e Dylan Gelula (Unbreakable Kimmy Schmidt) no elenco.