Por que a China lidera corrida por carro elétrico barato no Brasil?
Por Paulo Amaral • Editado por Jones Oliveira |
As fabricantes chinesas de carros não chegaram agora ao Brasil, mas o “boom” do segmento dos carros elétricos no país certamente coincide com o aumento do número de montadoras de origem asiática que continuam desembarcando por aqui.
Mais do que uma grande variedade de modelos, do bom acabamento e do pacote tecnológico com recursos às vezes vistos apenas em carros do segmento premium, a China tem se destacado por dar ao consumidor o que ele mais sonha: o carro elétrico barato.
Antes de entrar efetivamente no assunto e explicar as razões pelas quais a China lidera a corrida pelo carro elétrico barato no Brasil, o Canaltech vai fazer uma pequena viagem no tempo para relembrar como foi o início das montadoras chinesas no país.
Marcas chinesas no Brasil
A JAC Motors foi a primeira montadora de carros da China a desembarcar no Brasil, em 2010, com o J3. O hatch oferecia um bom pacote de acabamentos por um preço mais barato que os concorrentes nacionais e tinha no apresentador de TV Fausto Silva seu maior garoto-propaganda.
Pouco mais de uma década depois, a marca do grupo SHC também foi pioneira ao deixar de fabricar carros a combustão e se dedicar exclusivamente à produção de elétricos no país. A JAC chegou a ter, por um tempo, o carro mais barato do segmento à venda por aqui: o E-JS1.
Na esteira da JAC Motors, muitas outras montadoras viram no mercado brasileiro um filão interessante para lançar seus produtos, sempre apostando no combo preço + pacote tecnológico para vencer a concorrência de marcas tradicionais, como Fiat, Volkswagen e Chevrolet.
BYD Dolphin virou sinônimo de elétrico barato
A BYD, com o Dolphin, iniciou uma revolução no Brasil e promoveu um efeito cascata, puxando para baixo os preços dos carros elétricos de entrada da concorrência e até mesmo antecipando o lançamento de outras marcas, como fez a GWM com o Ora 3.
Agora, ao lado da BYD, a Chery (que por aqui trabalha em parceria com a Caoa), com o iCar; a GWM, com o Ora 3; a Seres, com o SUV Seres 3; e a própria JAC, que já confirmou o Yiwuei 3 em nosso mercado, lideram a corrida por carros elétricos cada vez mais baratos no Brasil, deixando Volkswagen e Chevrolet para trás.
E por que será que isso acontece? Para entender melhor os motivos que fazem a China se manter na frente nessa corrida, a reportagem do Canaltech foi direto à fonte. Conversamos com executivos das montadoras chinesas e pedimos a eles para justificar essa liderança sob a óptica empresarial.
JAC Motors: produção em larga escala é a chave
Sergio Habib, presidente da JAC Motors no Brasil e principal executivo do grupo SHC, explicou à reportagem do Canaltech que o segredo das marcas chinesas para liderar a corrida pelo carro elétrico barato tem duas vertentes principais: tempo de pesquisa e produção em larga escala.
“Basicamente há dois motivos. O primeiro deles é muito simples: as marcas chinesas estão mais adiantadas na eletromobilidade porque iniciaram antes as pesquisas, o desenvolvimento e a produção de seus veículos 100% elétricos, ainda nos anos 2000”, pontuou Habib.
“A JAC Motors, por exemplo, está na oitava geração de produção em série de modelos totalmente livres de emissão, enquanto outras montadoras ocidentais ainda estão lançando os primeiros modelos. O segundo motivo é consequência do primeiro: por estarem mais adiantadas, as marcas chinesas produzem veículos elétricos em larga escala, aproveitando a grande demanda de seu mercado interno, o que impacta em preços mais competitivos”, complementou o executivo.
BYD destaca ecossistema completo da marca
Ninguém melhor para falar sobre o desempenho da BYD no Brasil do que o presidente da montadora. Tyler Li atendeu ao pedido da reportagem do Canaltech e apontou os motivos que, em sua visão, tornaram a marca sinônimo de qualidade e preço baixo no mercado brasileiro de carros elétricos:
“A China se tornou o principal polo global de pesquisa e desenvolvimento de carros elétricos e a BYD lidera esse setor no país e no mundo. Uma das principais vantagens competitivas da BYD é contar com um ecossistema completo. O time com 70 mil engenheiros dedicados a pesquisa e desenvolvimento é treinado para pensar e desenvolver o processo, como dizemos internamente, da pedra (lítio) ao carro. Temos esta tecnologia”.
O principal executivo da marca também apostou que o “fenômeno Dolphin” poderá se expandir com o início das atividades da fábrica própria da BYD em Camaçari, na Bahia, confirmada recentemente.
“Outro fator é que, mesmo com tecnologia de ponta e carros extremamente modernos e eficientes, a BYD consegue oferecer um portfólio completo com modelos em diferentes faixas de preço. Com a instalação da fábrica do Brasil, esperamos promover produtos ainda mais competitivos para tornar viável o sonho dos brasileiros de ter um elétrico na garagem”, concluiu Tyler Li.
GWM comemora decisão estratégica
A GWM “chegou chegando” ao mercado brasileiro e, antes mesmo de iniciar as operações na antiga fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis, interior de São Paulo, colocou o Haval H6 no topo da lista de carros híbridos mais vendidos do país.
Durante o Festival Interlagos, talvez influenciada pelo sucesso do BYD Dolphin, anunciou que seu primeiro carro elétrico “barato”, o Ora 3, também será lançado no Brasil ainda em 2023, em duas versões.
Atendendo ao pedido do Canaltech, Oswaldo Ramos, CCO da empresa no Brasil, elencou os motivos pelos quais, segundo a visão da marca, a China lidera a corrida pelo carro elétrico barato no país.
“A China tomou uma decisão estratégica, com toda sua indústria, de investir na próxima tecnologia, na tecnologia do futuro, a eletrificação. Ou seja, ao invés de entrar competindo na tecnologia atual, na qual demoraria anos para alcançar as marcas tradicionais, a decisão foi investir na tecnologia do futuro, na qual as marcas tradicionais também precisam investir. Com isso, a China largou na frente em tecnologia, em disponibilidade e em escala”, avisou.
A larga escala de produção, por sinal, também foi apontada pelo executivo da GWM como parte importante da fórmula do sucesso não apenas da empresa dele, mas das rivais que já se estabeleceram no mercado de carros elétricos por aqui.
“Ao ter escala, consegue ter um preço muito competitivo. Podemos dizer que hoje, não só em eletrificação, mas também direção semiautônoma, conectividade, baterias e novas energias. A China fez a aposta anos atrás e hoje colhe os resultados de ter tudo isso e poder ofertar, por preços competitivos, muito mais pelo que você já paga em carros de faixas centrais no mercado”.
Seres exalta pioneirismo da China
Mais nova entre as marcas da China a apostar no sucesso do carro elétrico no Brasil, a Seres, que na verdade é sino-americana, pois nasceu nos Estados Unidos, terá cinco lançamentos por aqui até dezembro de 2023. O Seres 3, primeiro deles, já abraçou o posto de SUV elétrico mais barato do país.
José Augusto Brandimarti, Diretor de Operações da Seres Brasil, comentou com a reportagem do Canaltech a principal explicação para a China liderar a corrida pelo carro elétrico barato resume-se a uma palavra: pioneirismo.
“Essa liderança é consequência de a China ter se tornado líder mundial na fabricação de automóveis a partir de 2009, superando os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. A China saiu na frente na pesquisa e fabricação não apenas de carros elétricos, mas também das baterias”, relembrou o executivo.
Brandimarti lembrou que esse pioneirismo coincidiu com o investimento maciço do país em outras áreas de tecnologia e, hoje, os frutos estão sendo colhidos, com os carros elétricos representando aproximadamente um terço do mercado de carros 0km na China.