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Quais doenças não existiam há 10 anos e hoje existem?

Por| Editado por Luciana Zaramela | 12 de Julho de 2022 às 10h56

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DC_Studio/Envato
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Com covid-19 e todas as restrições que foram impostas — como o uso de máscaras e o distanciamento social —, é comum pensar que nunca falamos tanto sobre doenças quanto nos últimos tempos. Na verdade, a pandemia apenas intensificou essa sensação, mas discussões sobre a saúde pública se intensificaram, por inúmeros fatores, nos últimos 10 anos.

Esta última década foi marcada pelo surgimento de novas doenças — como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers) e a covid-19 — e também pelo ressurgimento de alguns agentes infecciosos quase esquecidos pela humanidade — como o Ebola e a doença causada pelo vírus zika (Zikv).

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Em paralelo às mudanças da última década na área da saúde e o surgimento de novos patógenos, o Canaltech comemora os 10 anos da sua fundação, com uma história marcada por descomplicar o acesso à tecnologia e por ampliar as vozes da ciência.

Por que temos a impressão que tantas doenças estão surgindo?

Para entender o porquê de tantas doenças surgirem ou reaparecerem nos últimos anos, o Canaltech conversou com o Sérgio Zanetta, médico sanitarista e professor de Saúde Pública do Centro Universitário São Camilo. O especialista adianta que, sim, este movimento existe e tem se intensificado há pelo menos 20 anos, ganhando maior velocidade recentemente.

Para entender a situação, é preciso lembrar que, antigamente, o ritmo de circulação de pessoas era bem menor e, por exemplo, um vírus poderia levar anos para chegar a um novo continente. “Hoje, uma doença se transforma em uma doença global com muita facilidade, por causa da intensa conexão", detalha o sanitarista.

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Por outro lado, a informação e a tecnologia também evoluíram em uma velocidade sem precedentes na história da humanidade, o que permitiu feitos impensáveis para a humanidade. Este é o caso da primeira geração de vacinas contra a covid-19, desenvolvidas em aproximadamente um ano.

Questão das zoonoses

Em comum, a maioria das doenças que surgiram ou ressurgiram estão conectadas, em algum grau, com reservatórios animais — locais onde um vírus se prolifera. "O maior contato dos seres humanos com estes reservatórios amplia a chance de que um vírus sofra uma mutação e consiga saltar entre as espécies. Um vírus que infectava animais passa a infectar também seres humanos", explica Zanetta.

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Segundo o Centro de Controle de doenças, dos Estados Unidos, mais de 6 em cada 10 doenças infecciosas conhecidas em pessoas podem ser transmitidas a partir de animais. Além disso, 3 em cada 4 doenças infecciosas novas ou emergentes em pessoas vêm de animais.

Quais doenças marcaram os últimos 10 anos?

MERS

Em 2012, os cientistas identificaram, pela primeira vez, o vírus MERS-CoV-2, na Arábia Saudita. O agente infeccioso é responsável por causar a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), uma doença cuja taxa de letalidade é alta. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 35% dos pacientes, que foram infectados pelo vírus, morreram nesta primeira onda do surto.

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A origem da doença ainda é discutida, mas acredita-se que o vírus se originou em morcegos. No passado, o MERS-CoV teria saltado destes mamíferos voadores para os dromedários e, em algum momento, chegou aos primeiros humanos.

Ebola

Identificada ainda em 1976 no Sudão do Sul e na República Democrática do Congo, a doença do vírus Ebola (EVD) fez algumas vítimas ao longo de sua história, mas se manteve como uma condição bastante rara. No entanto, entre os anos de 2014 e 2016, o maior surto da doença explodiu na África Ocidental. A taxa de letalidade foi calculada em 50%.

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De acordo com a OMS, a origem do vírus está relacionada com uma espécie de morcegos, que seria o hospedeiro natural do vírus. No entanto, o vírus ebola pode infectar outros animais como primatas não humanos e a própria espécie humana.

Zika vírus

Transmitido pelo Aedes aegypti — um tipo de mosquito bastante conhecido pelos brasileiros —, os primeiros casos do zika vírus datam do ano de 1952 e afetaram, especialmente, populações da Uganda e da Tanzânia. No entanto, entre 2015 e 2016, o maior surto da doença foi registrado na América do Sul, em especial, no Brasil.

Em mulheres grávidas, a infecção pode ser bastante grave, já que os bebês podem nascer com um tipo de malformação congênita, a microcefalia, além de causar outros possíveis problemas neurológicos na criança.

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Covid-19

Nas últimas semanas de 2019, cientistas começaram a identificar casos de pneumonia cuja origem era desconhecida na cidade de Wuhan, na China. Posteriormente, confirmaram que aquela era uma nova doença, a covid-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 — um parente do MERS-CoV e do SARS-CoV. Em questão de alguns meses, o agente infeccioso tinha se espalhado por todo o globo e, em março de 2022, a OMS confirmou o estado de pandemia.

Desde a sua descoberta, o vírus da covid-19 foi responsável por 554 milhões de infecções confirmadas e 6,3 milhões de mortes. Somente, no Brasil, foram 32 milhões de casos e 673 mil mortes, segundo a plataforma Our World In Data. Passados tantos meses, o vírus continua a se reinventar através de novas variantes, como a Ômicron e suas sublinhagens.

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Vale lembrar que a origem do coronavírus ainda está em investigação, mas a hipótese mais aceita é de que o agente infeccioso teria saltado de morcego para um mamífero intermediário — ainda desconhecido — e, em seguida, chegou aos primeiros humanos. A doença tomou proporções inimagináveis, porque, diferente das outras infecções já listadas, a transmissão é muito simples. Basta alguém contaminado espirrar ou tossir.

Vírus Sabiá

Quase ofuscado pela pandemia da covid-19, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) relataram uma descoberta um tanto quanto polêmica, enquanto analisavam amostras de pacientes com febre amarela. Na verdade, dois pacientes foram diagnosticados erroneamente e, na verdade, tinham contraído o vírus sabiá (Sabv). Ambos morreram em decorrência da infecção. Esta foi a primeira vez que o agente infeccioso foi confirmado no país desde 1999.

Conhecido por causar um tipo de febre hemorrágica, ainda não se sabe qual é o seu reservatório animal e nem se a doença pode ser transmitida entre humanos ou qual é a forma de transmissão. Inclusive, o vírus nada tem a ver com o passarinho. O nome é apenas uma referência ao bairro Sabiá, em Cotia (SP), onde o primeiro caso foi identificado.

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Varíola dos Macacos

Desde maio de 2022, casos da varíola dos macacos (monkeypox) começaram a ser observados, de forma atípica, em inúmeros países fora da África. O vírus foi descoberto pela primeira vez, em 1958, em uma colônia de macacos na Dinamarca. Já o primeiro caso humano data o ano de 1970, na República Democrática do Congo.

A questão é que, desde a sua descoberta, a doença esteve associada a determinadas regiões do continente africano, onde é endêmica. Pela primeira vez, países da Europa e das Américas identificam surtos simultâneos e casos de transmissão comunitária da varíola dos macacos. A questão ainda intriga cientistas e é possível que o vírus tenha sofrido alguma mutação, o que favoreceu a sua transmissão entre humanos.

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Aqui, é bom lembrar que, apesar do nome, o reservatório animal deste tipo de varíola também é desconhecido. A ideia é que os primatas não-humanos sejam tão vítimas deste vírus quanto a espécie humana.

Doença de príons do Canadá

No Canadá, uma doença cerebral misteriosa já afetou algumas dezenas de pessoas na província de New Brunswick, desde 2018. Os sintomas apresentam algumas semelhanças com a doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD) e também se suspeita que seja causada por príons — partículas de proteínas que atuam como agentes infecciosos e que costumam ser neurodegenerativas —, relacionados ao consumo de carne contaminada.

A questão está longe de um consenso e, até hoje, o quadro misterioso nunca foi oficialmente nomeado. Isso porque, segundo autoridades locais, a possível doença, na verdade, não existe e que tudo seria fruto de associações incorretas.

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Extra: as fake news

“Para não falar apenas de microrganismos, um dos principais problemas que podem levar a dificuldades no mundo para o controle das infecções são as fake news e a desinformação", lembra Zanetta. Em sua concepção, "informações que transmitem falsas medidas de controle são como um mau remédio", já que podem colocar outras vidas em risco. Neste campo, entram os ataques às vacinas, que têm se popularizado no Brasil.

População mundial e vida selvagem

Vale reforçar que as doenças que surgiram ou reapareceram nos últimos anos, de alguma forma, podem ser explicadas pelo contato do homem com animais silvestres e a vida selvagem. Nestes ambientes, o professor conta que “ainda há uma grande possibilidade de nos depararmos com os milhares de vírus e outros agentes infecciosos — alguns desconhecidos — que estão nesses depósitos animais". Por isso, o consumo de carnes exóticas e a caça podem ser tão perigosos. Afinal, facilitam o salto entre espécies.

O que esperar do futuro?

“A grande defesa que a população tem é estimular, apoiar e manter os sistemas de saúde nacionais, com pesquisas voltadas para saúde pública, o controle de doenças e a vigilância epidemiológica e sanitária", completa o professor Zanetta sobre medidas que podem impedir novos surtos e epidemias. Nesse ponto, o financiamento da pesquisa é parte fundamental e pode se demonstrar um pequeno gasto perto das complicações e das crises de uma nova pandemia.

Inclusive, a questão da vigilância é especialmente importante para o Brasil, já que um recente estudo revelou que pelo menos sete estados estão em situação de alto risco para surtos de zoonoses. De acordo com os pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), caso o surto saia de controle, é possível a ocorrência de novas pandemias. E, para garantir um bom futuro, as iniciativas de prevenção são mais que necessárias.

Fonte: CDCOMS e Our World In Data