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Os problemas da indústria farmacêutica no tratamento da saúde mental

Por| Editado por Luciana Zaramela | 23 de Fevereiro de 2024 às 14h21

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Arkhangelovaoksana/Envato
Arkhangelovaoksana/Envato

Todos os problemas de saúde mental que enfrentamos têm origem biológica? Qual o papel dos remédios no esforço para combatê-los? Essas são algumas das perguntas que cientistas da Universidade Estadual de Washington buscam responder em um artigo publicado na revista científica American Journal of Physical Anthropology.

Em questão de antibióticos, vacinas, melhoras sanitárias e medicina no geral, a humanidade viu muitos avanços no último século, uma verdadeira revolução. Quando a questão é o tratamento farmacológico de distúrbios mentais, a coisa muda de figura. Esse tipo de tratamento tem crescido enquanto os diagnósticos têm aumentado — estes últimos não deveriam diminuir?

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Outros pesquisadores, como o jornalista Robert Whitaker, dão um salto maior e afirmam que as intervenções farmacológicas são o verdadeiro problema na falta de balanço da química cerebral, suposta culpada dos problemas de saúde mental. Quando muitos grupos de atendimento ao consumidor são financiados pela indústria farmacêutica, fica difícil não desconfiar.

Em uma revisão de 397 estudos clínicos, descobriu-se que 47% deles reportavam pelo menos um conflito de interesse, quando os resultados podem afetar diretamente os negócios de financiadores da pesquisa ou dos próprios autores. Quando uma companhia farmacêutica não gosta do resultado de um teste, o refaz até obter resultados mais preferíveis, segundo Whitaker.

O que realmente causa distúrbios mentais?

Calma — apontar problemas na indústria farmacêutica não quer dizer que tudo é uma máfia e nenhum tratamento funciona. A questão é histórica e vai mais a fundo do que isso: no final dos anos 1940, a teoria do desequilíbrio químico ser a origem dos problemas de saúde mental ganhou força, iniciando uma campanha de desestigmatização desse tipo de distúrbio.

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O problema é que, no final das contas, pesquisas revelaram que esse apoio não reduziu o estigma, mas acabou piorando a atitude dos profissionais de saúde mental e dos próprios pacientes. Há pouca evidência de que psicofarmacêuticos realmente “corrijam” desequilíbrios químicos ou déficits neurobiológicos.

No que tange a saúde mental, os autores da pesquisa dividiram os distúrbios da categoria em quatro tipos:

  • Disfunções de desenvolvimento de base genética;
  • Desordens associadas à velhice ou senescência;
  • Problemas causados pela incompatibilidade entre ambientes ancestrais e modernos;
  • Respostas adaptativas à adversidade, mesmo sendo indesejáveis.
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Nas duas primeiras categorias, estão os problemas mais comuns, como a demência, a esquizofrenia e o autismo. As duas últimas são as que a psiquiatria moderna explora, desconsiderando forças ambientais, econômicas, sociais e familiares e vendendo a história de que estamos “quebrados” desde a infância, argumentam os cientistas.

Nós, humanos, evoluímos ao longo de milhões de anos, chegando à fisiologia atual há cerca de 350.000 anos. Nossa população se expandiu exponencialmente, e, subitamente, o último século gerou bilhões de cérebros condenados quimicamente. A matemática parece não bater.

Remédios não são os vilões

Intervenções farmacológicas para Alzheimer, Parkinson, TEA (transtorno do espectro autista), depressão e outros diagnósticos têm muito valor para os pacientes. O problema não está nos remédios, mas, sim, na forma de combate às doenças.

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Desde ao menos o século XIX, a maioria dos casos de ansiedade e depressão acaba se aliviando com o tempo, especialmente quando intervenções como exercícios, dietas e melhorias da situação econômica do paciente acontecem.

Nas palavras dos cientistas, em tradução livre:

Condições como TEPT (transtorno do estresse pós-traumático), depressão e ansiedade raramente são herdadas — são causadas por adversidades e parecem ser respostas adaptativas a adversidades. Por serem relativamente comuns ao longo da vida adulta, elas representam uma fatia substancial do peso atribuído às doenças mentais. Elas podem não ser distúrbios, no final das contas, mas sim respostas aversivas, mas, ainda assim, adaptativas à adversidade.
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Com isso, ansiedade e depressão são reveladas como problemas sociais, e não desordens médicas. Seria pouco ético, dizem os autores, dar remédio para dor em alguém com ossos quebrados sem colocar os ossos no lugar.

Embora causas específicas das doenças mentais não sejam conhecidas, argumenta-se que elas possam estar ao nosso alcance, incluindo não só química cerebral, mas também epigenética, comportamento, comparações populacionais, teorias evolucionárias e transmissão de cultura.

Fonte: Mad in America, Anatomy of an Epidemic, Am. J. Psychiatry