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Ondas de fake news colocam vacinação e controle da COVID-19 em risco

Por| 21 de Dezembro de 2020 às 15h30

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Daniel Schludi/Unsplash
Daniel Schludi/Unsplash

No combate à pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), as primeiras vacinas contra a COVID-19 já receberam autorização de uso pelas agências reguladoras internacionais, como o imunizante da Pfizer e da Moderna. Nesse cenário, alguns países também começaram a imunizar suas populações, como os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá. No entanto, os diferentes planos de imunização devem ser desafiados por ondas de fake news e campanhas de desinformação nas redes.

Ainda sem previsão para o início do plano nacional de imunização contra a COVID-19 no Brasil, as fake news já são compartilhadas no país, como a suposta ideia de que vacinas poderiam alterar o DNA humano. Para combater as ondas de desinformação sobre a pandemia, o projeto Coronavirus Facts Alliance já checou quase 10 mil fatos, desde janeiro deste ano, em colaboração com 99 organizações presentes em 77 países.

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Parte do projeto de checagem, a pesquisadora e jornalista Cristina Tardáguila, também diretora adjunta da International Fact-Checking Network (IFCN), na Flórida, e fundadora da Agência Lupa, conversou com o Canaltech sobre os desafios para a imunização contra o coronavírus. Vale adiantar que a relação entre as fake news e a vacinação “já é uma realidade, e não precisará nem virar o ano. É o principal debate que o Brasil vive agora", pontua Tardáguila.

Em levantamento da Henry J. Kaiser Family Foundation sobre a adesão nos Estados Unidos, cerca de um quarto (27%) das pessoas ainda está hesitante em relação à vacinação, sendo que provavelmente ou definitivamente não receberia uma vacina contra a COVID-19, mesmo que ela estivesse disponível gratuitamente e fosse considerada segura pelos cientistas. Essa hesitação é maior entre aqueles com idades de 30 até 49 anos (36%) e moradores das áreas rurais (35%). Em outras palavras, há uma necessidade de que informações reais sobre saúde cheguem a esses grupos. De forma similar, o mesmo deve ser feito no Brasil.

Combatendo fake news sobre vacinas no Brasil

“Tanto a doença quanto a vacina são muito recentes, então existem muito poucos dados sobre elas. Isso já é um problema para o checador. Já enxergamos ataques às vacinas, mesmo não existentes [no Brasil], associando-a com infertilidade, com deformações físicas e com tecnologia [dotados com chips de geolocalização e 5G]”, explica a pesquisadora Cristina Tardáguila. Mesmo que, em alguns casos, as fake news pareçam, de imediato, piadas e até mesmo mentiras — o que são, de fato —, a desinformação deve afetar significativamente a vacinação no Brasil.

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“Uma coisa importante para se entender é que uma notícia falsa não faz verão. É muito difícil provar quem um post falso de Facebook fez você mudar seu voto", comenta Tardáguila. A questão é a frequência com que essas "informações" chegam. “Quando isso vem de forma sistemática, não é que vai mudar sua opinião, mas levará você a pensar algumas vezes e pode gerar uma dúvida. Você vai começar a ver pessoas ao seu redor, em quem também confia, se questionando", pontua.

Dessa foram, “a desinformação provocará dúvida", explica a pesquisadora. É esta dúvida, repetida de forma incansável, que poderá mudar a opinião de alguém. “Quando essas pessoas [do seu convívio] começam a hesitar, você tende a evitar. Isso em um nível pessoal. Quando você observa as políticas públicas, você vê o mesmo. Se as políticas públicas não são alinhadas de forma enfática, em um sentido só, também gera dúvidas", completa.

Longe do debate sobre saúde pública, as checagens costumavam cobrir a área da política e o ambiente onde se dissemina muitas fake news, como as campanhas políticas. Nesse sentido, "podemos ter uma mistura muito curiosa no Brasil, que é a politização sobre a vacinação e judicialização sobre a vacinação. Se há um grupo que já odeia o Supremo [STF], vai odiar mais, porque está decidindo sobre política pública de saúde [após decisão sobre obrigatoriedade das vacinas]. Se há pessoas que já odiavam o governo Federal, vão odiar mais, também. Haverá uma mistura do debate de saúde com o debate da politização e da judicialização", aposta Tardáguila.

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Esse cenário ainda pode ter mais um complicador no país: as mudanças de prefeituras em 2021, depois das eleições. Isso porque regiões que seguiam determinada política pública no combate da COVID-19 podem deixar de seguir, por exemplo. Além desses fatores, será preciso lidar com o desafio das vacinas falsas contra o coronavírus e os seus efeitos adversos. Em outras palavras, fórmulas caseiras devem ser comercializadas como imunizantes sérios, como já aconteceu no estado do Rio de Janeiro este ano.

Redes sociais contra a COVID-19?

Para o combate da desinformação sobre vacinas contra a COVID-19, "as plataformas precisam agir mais", defende a Tardáguila. Afinal, há um limite de alcance — de público e de engajamento — para os checadores de fatos e "uma política de redes transparente e honesta é fundamental para o combate à desinformação em saúde". Para a pesquisadora, "é muito importante que as plataformas entendam que não estamos brincando. Só acabamos com uma pandemia se todo mundo trabalhar conjuntamente, não apenas os checadores".

Diante da pandemia, Facebook, YouTube e até mesmo Twitter já anunciam que podem remover conteúdos falsos sobre a COVID-19. No entanto, não há uma opção específica para usuários notificarem uma fake news sobre o coronavírus, divulgada, por exemplo, no Twitter — onde já existem opções exclusivas para denunciar vídeos íntimos, posts que incentivam o suicídio ou ameça de violência. A pesquisadora ressalta que outras redes, como LinkedIn, TikTok e WhatsApp também deveriam apresentar iniciativas contra a desinformação.

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Sobre a função dos checadores, Tardáguila afirma que "não trabalhamos para converter ninguém, mas para informar quem está na dúvida". Nesse sentido, “o trabalho deve ser para quem ainda não tem certeza, trazendo todos os dados que tem. Inclusive, os possíveis riscos e alergias [no caso das vacinas contra a COVID-19]".

Afinal, vacinas são seguras?

Antes de ser aprovado, cada imunizante passou por três fases de estudos clínicos, sendo que o último envolve a vacinação de milhares de pessoas com a fórmula contra a COVID-19. Em outras palavras, isso significa que os pesquisadores conseguem avaliar a segurança de um imunizante e os riscos de efeitos avdersos graves, exceto em condições raras não previstas nos estudos. Mesmo que seguros, os imunizantes podem, sim, causar alguns efeitos indesejados, ainda que raros, como alergias sérias — como o que foi relatado por pessoas após se vacinarem com a vacina da Pfizer — e algumas outras reações, como dor de cabeça e febre, por exemplo. Vale lembrar que esses últimos são temporários e desaparecem, segundo as informações apresentadas pela farmacêutica.

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“É realmente importante, neste momento em que as vacinas estão sendo distribuídas, conversar com as pessoas sobre os previsíveis efeitos colaterais”, defende o médico e acadêmico do Centro Johns Hopkins para Segurança de Saúde, Eric Toner, para a revista Wired. “O pior cenário seria não contarmos isso às pessoas e elas reagirem, e acreditarem que contraíram COVID-19 pela vacina ou que há algo muito errado”, completa.

Apresentar toda a complexidade das vacinas é uma preocupação importante, já que a vacinação tem como objetivo salvar vidas, diminuindo o contágio do coronavírus. Nesse caminho, devem ser desmistificados os efeitos colaterais e o eventual receio dos pacientes com a vacinação. Além disso, esclarecer esses pontos é necessário para que as pessoas tenham uma informação completa e que esses possíveis efeitos colaterais não cheguem somente via fake news.

Ondas de desinformação da COVID-19

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Se as principais fake news giram, atualmente, em torno do tema das vacinas, vale lembrar que este não é único tópico relacionado à pandemia, mesmo que preponderante. Segundo a pesquisadora Tardáguila, existem ondas de desinformação e que podem ser definidas, conforme os primeiros casos da infecção por coronavírus chegavam às mais diferentes regiões do globo. Nesse cenário, existem pelo menos nove ondas de desinformação rastreadas e algumas ainda em andamento. Veja:

  • Primeira onda: as fake news se referem à origem do coronavírus, como a história sobre a sopa de morcegos. Também entram nesse recorte as diferentes "teorias" sobre o vírus ter sido desenvolvido em laboratórios, como na China ou ainda na Rússia;
  • Segunda onda: gira em torno de vídeos e fotos com legendas falsas ou com conteúdos editados de forma estratégica, como pessoas infartando dentro de shoppingse de forma a se entender que a COVID-19 causasse morte súbita;
  • Terceira onda: são os falsos tratamentos e métodos de prevenção que vão desde substâncias inócuas (como chás e vitaminas) até práticas como ingerir álcool puro contra a COVID-19. Esta é uma onda que segue ativa e “é muito perigosa”, segundo Tardáguila;
  • Quarta onda: a desinformação está acompanhada de sinofobia, ou seja, sentimentos contra a China. Nesse ponto entram uma série de ataques contra o país, suas pesquisas e, inclusive, suas vacinas, como a CoronaVac. Também é uma onda que persiste;
  • Quinta onda: os conteúdos são sobre supremacias tanto raciais quanto religiosas. Sobre este tópico, circularam informações de que os africanos, supostamente, fossem mais resistentes ao coronavírus, por exemplo. No mundo árabe, circularam informações de que os muçulmanos estariam protegidos. “Uma tentativa de misturar a doença com supremacias de vários tipos”, explica a pesquisadora;
  • Sexta onda: a desinformação esteve muito conectada aos e-commerces e à vida online. Entram nessa categoria as falsas companhas contra a COVID-19 e até mesmo doações para instituições que não existem. Além disso, há a venda de fórmulas mágicas contra o coronavírus e até táticas de phishing. Ainda permanece ativa;
  • Sétima onda: é a politização total da COVID-19, o que envolve desde políticos até oposicionistas. Nesse caso, são classificadas situações onde um representante político divulga informação não checada sobre saúde pública. Também entram ataques contra as autoridades, a partir do uso político do coronavírus. O movimento ainda persiste;
  • Oitava onda: as fake news são sobre as condições de reabertura, após uma quarentena ou lockdown. “Os checadores viram muito como se manipula estatísticas, como é que você força os números para eles dizerem o que você quiser", comenta a pesquisadora. "Vimos comparações absurdas como comparar um mês com um ano, comparações geograficamente desproporcionais, como comparar cidades com países. Não chega a ser falso, mas é errado estaticamente”, completa Tardáguila sobre a onda que segue ativa;
  • Nona onda: é sobre o movimento antivacina e desinformação acerca de supostos efeitos adversos, como mutações nas pessoas, causas de infertilidade e aparecimento de outras doenças. Também entram alegações de que as vacinas seriam feitas com fetos ou com tumores. Novamente, é uma onda que segue mais forte do que nunca.

Todos os fatos checados pela Coronavirus Facts Alliance estão concentrados em uma lista no Twitter e podem ser acessados aqui.

Fonte: Com informações: Wired e KFF