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De leões nas ruas a água sanitária: entenda as fake news da COVID-19

Por| 09 de Abril de 2020 às 21h30

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Sabe essas imagens desfocadas que não conseguimos visualizar direito, mas recebemos acompanhadas de machetes estranhas? Pois bem, desconfie, e desconfie muito. É caso da notícia dos supostos leões — com uma imagem como a dessa capa da matéria, em baixa resolução — que foram soltos na Rússia para obrigar a população a acatar uma quarentena compulsória contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2).

Se não bastasse o caráter incomum, a fake news ainda traz o absurdo número de 500 felinos à solta, nas ruas das principais cidades russas. Essa foi uma das checagens de notícias, realizadas de maneira colaborativa por um grupo de 107 checadores de informação, distribuídos por 45 países, falantes de 15 línguas e disponíveis em todos os fusos-horários. No entanto, essas desinformações mirabolantes podem ter seus dias contados, a partir de mentiras mais sofisticadas e, por isso, mais perigosas.

Dos mais de 1.500 fatos checados e concentrados em uma lista no Twitter — que pode ser acessada aqui —, a pesquisadora e jornalista Cristina Tardáguila, também diretora adjunta da International Fact-Checking Network (IFCN), na Flórida, e fundadora da Agência Lupa, no Brasil, é parte desse movimento.

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Em entrevista para o Canaltech, Tardáguila é bem clara ao afirmar que "as fakes news têm um impacto real na vida das pessoas". Para confirmar esse fato, a pesquisadora, brevemente, recorda de um grupo de iranianos que morreram envenenados, após ingerirem álcool puro, por acreditarem que se higienizariam contra a COVID-19.

Também são fatos os crescentes assassinatos de animais. Há uma falsa crença de que eles são os responsáveis pela nova pandemia. Além disso, há os casos de xenofobia contra asiáticos, indicações de consumo de água sanitária ou ainda as overdoses de vitamina C, todos motivados por situações de desinformação sobre a COVID-19 compartilhadas em massa.

Desinformação no Brasil

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Conforme cresce o número de casos do novo coronavírus no Brasil, onde já passam de quinze mil pacientes confirmados quase mil óbitos, o nível de desinformação compartilhada aumenta também. Há algumas semanas não se via e nem se recebia tanta fake news, comparativamente com as outras regiões do mundo, defende Cristina.

"A desinformação chega com o vírus, por isso, ainda se está longe do pico", explica a pesquisadora, que é pessimista (ou realista). "No Brasil, estamos no estágio inicial da desinformação sobre o novo coronavírus, e ainda vai piorar bastante", alerta sobre algumas ondas — modas e formatos — de fake news que o país enfrentará, como passaram a China e a Europa.

Para o compartilhamento desses conteúdos, os desinformadores utilizam, principalmente, o WhatsApp no país, mas o que tem causado uma certa dose de estranheza são os novos formatos escolhidos para disseminar fake news, diferente dos "esperados" áudios, vídeos e imagens.

"Tenho recebido muitos arquivos com informações falsas, em formato de PDF, pelo WhatsApp. Isso é muito interessante porque se você parar para pensar um pouco, estamos falando de saúde, saúde é ciência, então o desinformador acaba se aproveitando desse formato científico. Ele vai armar para os outros usuários um arquivo de PDF que parece um estudo ou um comunicado oficial da sociedade de infectologia, por exemplo", revela Tardáguila sobre um conteúdo que tende a viralizar nos grupos de WhatsApp.

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Desinformação no mundo

Desde o dia 24 de janeiro, a equipe de checagem transnacional começou a se organizar para cobrir o tema da saúde pública, isso quando a doença ainda não tinha seu nome definido (COVID-19) e nem a OMS declarara a situação como uma pandemia. No entanto, mais de 17 pessoas teriam falecido vítimas do novo vírus e jornalistas da ilha de Taiwan já alertavam para a importância do tema.

Para realizar as atividades de checagens, nesse primeiro momento, tiveram que acompanhar as plataformas de conteúdo mais utilizadas no continente asiático, como o app LINE, da China, ou ainda o KakaoTalk, da Coreia do Sul. Quanto a isso, Tardáguila comenta que trouxe "uma grande dificuldade para os checadores, porque são plataformas que funcionam na China, no sudoeste asiático, e que não são tão acessadas no resto do mundo".

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Já quando a pandemia chegou no ocidente, primeiro na Europa, era mais "simples" identificar as fakes news para o processo de checagem. Na Espanha, por exemplo, foi muito usado o Twitter. Diferente dos Estados Unidos, onde a desinformação aterrissou com muita força no Facebook. Enquanto, na América Latina, o foco de desinformação é o WhatsApp.

Fake news em ondas

"Quem está acompanhando desde o início, já viu que a desinformação está chegando em ondas. Já estaríamos na quinta ou sexta onda de conteúdos diferentes", explica a pesquisadora que trabalha com confirmação de notícias há mais de seis anos. Para Tardáguila, a primeira onda que apareceu na China, no começo de janeiro, e era sobre a origem do vírus.

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A desinformação chegava ao ponto de associar bananas com a sua origem. Depois circularam boatos que era uma criação de Bill Gates e ainda uma arma biológica da China para dominar o mundo. Em seguida, veio a onda de vídeos editados e fora do contexto original, como registros de pessoas caindo nos trens e nos metrôs ou de pessoas desmaiadas nas ruas — como se pode checar, eram casos de pessoas bêbadas, performances artísticas e até mesmo em situações de infarto.

A outra onda "que ainda não passou e nem deve passar tão cedo", segundo a pesquisadora, é a das falsas formas de prevenção e de cura, como indicações para se consumir vitamina C, ingerir alho ou beber água sanitária. Nesses casos, as dicas variam de acordo com a região do mundo e podem ser compreendidas como uma das fakes news mais perigosas.

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Uma quarta onda, a do extermínio, que chegou quando o coronavírus já fazia milhares de vítimas na Itália, trazia informações de que a China estaria matando as pessoas infectadas para conter o crescimento da pandemia em seu território. Algumas ainda afirmavam que a China estaria comprando urnas crematórias ou ainda pedindo autorização para exterminar 25 mil pessoas, além de matar cachorros e gatos.

"Essas ondas passam e os checadores têm interpretado isso como o resultado da pressão de checagem. Checaram tanto as informações, que hoje você não recebe mais determinados conteúdos, como o caso dos extermínios da China ou da água sanitária", comenta Tardáguila. "As mudanças das ondas são atestados de que as checagens têm efeito", conclui sobre a importância dessas atividades.

Quem são os autores?

Com tanta energia e tempo gasto na criação, elaboração e disseminação das fakes news que é preciso se perguntar quem são seus autores. De acordo com Tardáguila, "embora não exista uma resposta única, vejo no mínimo três grandes grupos que são o do inocente, o do consciente que faz isso por uma bandeira e o do consciente que trabalha e ganha financeiramente com isso".

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Para o grupo de autores de desinformação por inocência ou falta de consciência, nesses casos, a pessoa não tem discernimento suficiente para compreender aquela informação e a propaga sem maldade, acreditando fazer o bem. Já os conscientes têm interesses envolvidos no compartilhamento daquela mensagem, sabem que a informação está errada e assim mesmo a propaga.

Ainda segundo a especialista, por uma posição ideológica, como acreditar em uma bandeira, uma religião, uma política ou uma crença individual, propagam-se as mentiras. Nesses casos, sua motivação é filosófica, ideológica. No entanto, há também aquele indivíduo que propaga desinformação por uma motivação financeira, que foi contratado para aquilo. Na verdade, trata-se de algo parecido com o emprego, que dá retorno financeiro e, por isso, está bem longe de ser uma brincadeira inocente.