O que se sabe sobre a variante indiana do coronavírus, identificada no Maranhão
Por Fidel Forato • Editado por Luciana Zaramela |

Nas últimas 24h, foram registrados mais de 638 mil casos do coronavírus SARS-CoV-2 no mundo, segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS). Somente, na Índia, foram 276 mil casos da infecção. Com estes números, a pandemia da COVID-19 se prolonga ainda mais. E neste cenário, há um novo desafio: a variante indiana (B.1.617). Ela já predomina pelo menos em seu país de origem e foi confirmada em mais de 50 outros territórios.
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Toda a preocupação em relação à variante B.1.617 se deve a explosão de casos da doença que a Índia ainda enfrenta e esta cepa pode ser considerada uma das possíveis explicações para o colapso da saúde local, além da falta de medidas eficazes de proteção. Desde o final de abril, o país enfrenta o pior momento da pandemia com recordes nos números de infectados e óbitos.
Diante dos riscos levantados pela variante indiana do coronavírus, a OMS a classifica como uma variante de preocupação (VOC – Variant of Concern). No contexto da pandemia, outras variantes já receberam a mesma classificação, como a B.1.1.7 (Reino Unido); a B.1.351 (África do Sul); e a P.1 (Manaus, no Brasil).
Variante indiana do coronavírus já está no Brasil
Na quinta-feira (20), o Instituto Evandro Chagas (IEC) — órgão ligado à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) — confirmou os primeiros 6 casos da variante indiana no Brasil. No caso, foi encontrada a sub-linhagem B.1.617.2 da variante em tripulantes no navio MV SHANDONG DA ZHI, que está ancorado no estado Maranhão, de quarentena.
Para confirmar que os tripulantes da embarcação estavam infectados com a variante da Índia, foi feito o sequenciamento genômico de cada suspeito presente na embarcação. Esta investigação individual foi realizada pelo Laboratório de Vírus Respiratórios da Seção de Virologia do IEC.
"Vale ressaltar que são os primeiros casos desta variante [da Índia] no Brasil, contudo tratam-se de casos importados e as medidas de contenção estão sendo executadas pelos órgãos competentes", destacou o IEC, em nota. Com isso, o instituto esclarece que os pacientes não foram infectados no país e que, até onde se sabe, não há circulação comunitária da variante. Com a bandeira de Hong Kong, a última parada da embarcação foi na cidade do Cabo, na África do Sul.
Segundo o Secretário de Saúde do Estado do Maranhão, Carlos Eduardo Lula, medidas estão sendo tomadas para impedir que a variante se espalhe pela população do estado. Nesse sentindo, a equipe que atendeu a tripulação se deslocou por via aérea, foi testada antes e depois da ação e, agora, permanece em isolamento. "Os demais profissionais em contato com o paciente estão sendo monitorados e testados. Informo, ainda, que já iniciamos a vacinação dos profissionais da área portuária", afirmou.
Além do Maranhão, há risco de contaminação no Rio Grande do Sul
Se a situação do estado do Maranhão é acompanhada de perto, a variante da Índia pode se espalhar por uma outra porta de entrada no país: a fronteira com a Argentina, no Rio Grande do Sul. "A Argentina tem casos de B.1.617 e um aumento do número de casos está sendo visto em regiões de fronteira com este país (região norte, missioneira). Análises já estão sendo feitas para vigilância genômica", destacou a biomédica e divulgadora científica, Mellanie Fontes-Dutra.
Nestes casos, é interessante lembrar que predomina no Brasil uma VOC, ou seja, a variante de Manaus (P.1). Além da falta de adesão das medidas sanitárias contra a transmissão do coronavírus, especialistas apontam que esta cepa foi uma das responsáveis pela segunda onda da COVID-19 no país. Inclusive, o sistema de saúde de Manaus entrou em colapso, em janeiro deste ano, e faltou oxigênio para pacientes internados.
Ainda não há consenso sobre qual deve ser o comportamento da variante indiana por aqui, caso ela consiga adentrar no território nacional. É possível que ela prevaleça sobre a variante de Manaus, mas também pode ser que não.
Caso do Reino Unido e da variante da Índia
No Reino Unido, a situação da variante indiana do coronavírus já parece ser preocupante. De acordo com os dados do Public Health England (PHE), o país confirmou 3,4 mil casos da nova cepa. Na quinta-feira (20), 2,8 mil casos da infecção — independente da cepa — foram notificados em um único dia, valor que é considerado o maior desde o dia 19 de abril. Uma das explicações apontadas seria a entrada da variante estrangeira.
O tweet acima é do médico e clínico geral Luis Fernando Correia. Na imagem, é clara a predominância da variante — e a curva ainda aponta para uma tendência de crescimento.
Em investigação, a situação epidemiológica pode ter se originado por um erro de software do sistema de rastreamento genômico do país. Em decorrência da falha, dados de 700 pessoas infectadas com a variante e os contatos próximos não foram imediatamente repassados às equipes de saúde locais. Isso pode ter colaborado com a disseminação mais acelerada da nova versão do vírus da COVID-19.
Quais mutações a variante indiana do coronavírus carrega?
Para entender: a variante indiana do coronavírus pode ser observada em três versões com diferenças pouco expressivas, sendo a B.1.617.1, a B.1.617.2 e a B.1.617.3. Em outubro do ano passado, pesquisadores identificaram o primeiro caso, no estado de Mararashtra, na Índia. Inicialmente, foi chamada de variante de mutação dupla, mas estudos posteriores confirmaram outras mutações.
Em todas as versões, as variantes apresentam três mutações principais nos genes que codificam a espícula do coronavírus, ou seja, a proteína S (spike). São elas: a L452R; a E484Q; e a P681R. Neste local, a mutação tende a ser preocupante, já que é através deste mecanismo que o agente infeccioso consegue invadir as células humanas saudáveis.
Sobre estas mutações, pesquisadores já sabem, por exemplo, que a L452R foi observada em uma cepa dos Estados Unidos. Agora, a E484Q tem pontos em comum com a E484K. A última está presente em outras VOCs: a B.1.1.7; a B.1.351 e a P.1. Por fim, a P681R é, até o momento, exclusiva da nova variante indiana e pesquisadores ainda não sabem o que isso pode significar.
O que já sabemos sobre transmissibilidade e eficácia da vacina?
Em questão de semanas, a variante B.1.617 se tornou a cepa dominante na Índia e se espalhou para cerca de 50 países, incluindo o Reino Unido e a Argentina, por exemplo. Toda essa capacidade de proliferação é apontada como indicativo da sua alta transmissibilidade. Para alguns, este é um indicativo de que a variante é altamente transmissível. “Sua prevalência aumentou em relação a outras variantes em grande parte da Índia, sugerindo que tem melhor 'aptidão' em relação a essas variantes”, explicou Shahid Jameel, virologista da Univrsidade Ashoka, para a Nature.
Por enquanto, grandes estudos ainda não foram realizados com a nova variante, mas existem uma série de indicativos e estudos menores que observaram sua maior transmissibilidade. Em um preprint — artigo não revisado por pares — feito por pesquisadores do Instituto Nacional de Virologia (NIV) indiano, foi observado que a variante local é responsável por infecções mais graves em roedores. Os animais contaminados com a B.1.617 apresentavam um quadro de maior inflamação nos pulmões quando comparados com outras variantes.
Em paralelo, outro preprint da Universidade de Göttingen, na Alemanha, verificou que o soro convalescente — plasma com anticorpos de quem se recuperou da COVID-19 — pode ser menos eficaz em auxiliar a recuperação de infectados pela variante indiana. Na análise, os pesquisadores observaram que os anticorpos neutralizaram a B.1.617 com 50% menos eficácia do que o resultado que foi obtido com as outras cepas.
No entanto, as vacinas ainda permanecem eficazes contra a variante B.1.617 ou devem, ao menos, reduzir a gravidade da infecção, defende o virologista indiano Pragya Yadav, da NIV. Na questão dos imunizantes, é importante observar que, em números gerais, a Índia é o terceiro país do mundo que mais aplicou doses, segundo a plataforma Our World in Data. No total, foram 187,9 milhões de doses, o que pode significar 93,5 milhões de pessoas imunizadas, de forma completa, contra a COVID-19. Isso pode parecer promissor, mas não é para uma população de 1,3 bilhão de pessoas.
Para acessar o estudo feito com roedores, clique aqui. Para conferir o estudo desenvolvido com soro convalescente de pacientes que se recuperaram da COVID-19, acesse aqui. Ambos foram publicados na plataforma online bioRxiv.
Fonte: Com informações: The Guardian, Reuters, BBC e Nature