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ECMO e intubação: como funcionam as tecnologias usadas na UTI da COVID-19?

Por| Editado por Luciana Zaramela | 03 de Maio de 2021 às 21h30

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Chalabala/Envato Elements
Chalabala/Envato Elements

Entre os meses de março e abril deste ano, mais de 100 mil brasileiros morreram em decorrência da infecção causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Em paralelo, outros milhares de pacientes desenvolveram formas moderadas ou graves da doença, mas conseguiram se recuperar da COVID-19. Em comum, uma parcela significativa, independente do desfecho, precisou ser internada em Unidades de terapia intensiva (UTIs). Durante o tratamento, alguns procedimentos, provavelmente, foram realizados para auxiliar na recuperação, como a intubação ou, ainda, a ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea).

Antes prosseguirmos, vale explicar o que significa ser internado em uma UTI em decorrência do coronavírus (ou de outras complicações). Nestes espaços dos hospitais, são tratados os pacientes mais graves e que demandam maior acompanhamento. Por isso, esses ambientes são como uma sala de monitoramento completo e de vigilância 24h. Afinal, em qualquer momento, o quadro do indivíduo pode piorar e medidas emergenciais precisarão ser tomadas.

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Para entender como funcionam algumas práticas adotados por profissionais da saúde para auxiliar na recuperação de pacientes internados em decorrência da COVID-19, o Canaltech conversou com especialistas no assunto tanto da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, quanto do Centro Universitário São Camilo.

Por que ocorre a intubação de pacientes da COVID-19?

"A COVID-19 é uma doença extremamente inflamatória, então, inflama o pulmão, teoricamente os alvéolos pulmonares [por onde ocorrem as trocas gasosas], levando a um grau de hipoxemia [queda no nível de oxigênio no sangue]. Então, o paciente não consegue respirar o ar ambiente", explica o Dr. Guinther Giroldo Badessa, professor de anestesiologia do Centro Universitário São Camilo. Neste momento, a pessoa passa a depender da ventilação mecânica, o que pode ser invasivo ou não, e que deve se prolongar pelo tempo de duração da patologia.

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“Antes da intubação, você realiza algumas medidas não invasivas, como por um cateter de oxigênio no paciente, pelo qual é possível aumentar o fluxo de oxigênio", afirma Badessa. Nessas circunstâncias, o equipamento ainda é conectado ao paciente através de máscaras — como o elmo — ou mesmo pelo simples cateter. No entanto, dependendo da evolução do quadro da COVID-19, esta fonte externa pode não ser mais suficiente.

“O problema é que esses alvéolos estão doentes e colapsados, grudados uns nos outros, então, é necessário ofertar um fluxo alto de oxigênio [maior do que o possível nas medidas não invasivas]. O que garantirá que ele [o oxigênio] entre na corrente sanguínea, entre nas hemácias e esse paciente volte a receber uma oferta de oxigênio adequada", detalha o professor. Nessa hora, "é preciso passar um tubo na traqueia desse paciente, onde se tem um contato direto do oxigênio com esses alvéolos", ou seja, é preciso intubá-lo.

Para colocar este tubo de forma adequada dentro da traqueia, é necessário que ocorra a intubação orotraqueal, onde a pessoa precisa estar inconsciente ou sedada. "Só é possível esse procedimento sem drogas se o paciente estiver em parada cardíaca. Agora, esses pacientes da COVID-19 têm uma angústia respiratória muito grande. A intubação é um procedimento invasivo, agressivo, então é preciso de drogas hipnóticas para tirar consciência do paciente, drogas analgésicas para o paciente não ter dor e protetor neuromuscular para o paciente estar relaxado", relata o anestesista.

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Em outras palavras, o paciente tem que dormir, não pode ter dor e não pode se mexer. Inclusive, "enquanto o paciente fica intubado, é necessário manter o uso dessas drogas", afirma Badessa. Isso significa que durante a intubação, em que o paciente da COVID-19 depende de ventilação mecânica, ele está desacordado. Como este período pode se prolongar por dias, o risco do desabastecimento dos remédios do "kit intubação" é grave, já que pode afetar diretamente a saúde dos internados. O mesmo risco é o do desabastecimento de oxigênio, como ocorreu no Amazonas, em janeiro deste ano, e atualmente acomete a Índia.

Quanto tempo é permitida a intubação?

Como a intubação é bastante invasiva, há um limite de tempo pelo qual o paciente pode se submeter a esse tratamento, o que pode variar de 10 até 18 dias, dependendo das condições clínicas. Isso porque a traqueia é composta por um tecido cartilaginoso, e o tubo, muito rígido, faz com que o tecido perca sua resistência, deixando-o mais mole.

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“A traqueostomia [TQT] é um procedimento eletivo que se faz, dependendo do número de dias que o paciente já está intubado", comenta o médico. Nestes casos, "você tira o tubo da boca dele, abre uma incisão na altura do pescoço, passa um tubinho menor que vai ventilando", detalha. "Quando você intuba alguém, o tubo passa pela corda vocal e o paciente não consegue falar. Quando você coloca a traqueostomia, o paciente consegue ficar acordado e apresentar até algum grau cognitivo", compara Badessa.

Vale lembrar, no entanto, que o coronavírus não afeta apenas o pulmão, e a inflamação pode chegar até outros órgãos, como o coração. Dependendo da extensão e gravidade, inúmeras outras técnicas podem ser necessárias dentro da UTI para manter o paciente vivo e auxiliá-lo em sua recuperação.

ECMO: um combo artificial de pulmão + coração 

Com a escalada de casos da COVID-19, um nome diferente começou a circular para o tratamento destes doentes: a ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea). Nestes casos, o dispositivo procura servir de pulmão ou coração artificialmente.

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Por mais que pareça novidade, "é importante ressaltarmos que a ECMO não é uma tecnologia nova e foi muito utilizada na epidemia do H1N1. Além do mais, apesar de pouco difundida no Brasil, as primeiras foram implantadas na década de 1970 nos Estados Unidos", explica Rafael Lencioni, médico intensivista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Quando usar a Oxigenação por membrana extracorpórea?

A ECMO pode ser utilizada para doenças que acometam gravemente os pulmões ou o coração. "Caso sejam os pulmões acometidos, como é o caso mais frequentemente encontrado na COVID-19, a ECMO tem utilidade quando os ventiladores já não mais conseguem oxigenar o sangue ou excretar gás carbônico dele de maneira a manter a vida do paciente segura", afirma Lencioni. "Ela também pode ser utilizado para 'descansar' os pulmões da ventilação mecânica", acrescenta.

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"Nos casos em que há falência pulmonar [como nos doentes da COVID-19], a ECMO é muito utilizada como 'pulmão artificial' [modalidade de ECMO veno-venosa]. Para tal, o sangue é drenado por uma cânula grossa que entra pela virilha e vai até a veia cava; sai dela para fora do corpo aspirado por uma bomba centrífuga que ejeta o sangue sob pressão para a membrana oxigenadora", detalha o médico intensivista. "Esta membrana faz artificialmente a função do pulmão, ou seja, oxigena o sangue e extrai o gás carbônico dele. Após isso, o sangue retorna por uma cânula inserida na veia jugular [no pescoço] e retorna ao coração oxigenado", completa Lencioni sobre o seu funcionamento.

De forma diferente da intubação, o intensivista explica que não existe tempo máximo para o uso da máquina, no entanto, existe o risco, após uma semana, dos pulmões gravemente acometidos fibrosarem e se tornarem inviáveis à recuperação. Por outro lado, "há relatos de casos, inclusive na própria BP, de pacientes que estiveram mais de 20 dias intubados e ainda ficaram 2 semanas em ECMO que sobreviveram", conta o médico.

Por que é incomum adotar a ECMO no Brasil?

"De uma maneira geral, os hospitais brasileiros nunca tiveram casos de ECMO implantados. O dispositivo está sendo mais difundido agora com a demanda aumentada por COVID-19, mas há ainda muitas restrições", afirma Lencioni. Entre os motivos, há questões logísticas, como escassez do dispositivo para dar conta da demanda, ou ainda técnicas, já que há poucos profissionais capacitados ao implante ou, mais dificilmente, ao manejo do dispositivo.

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No caso do hospital em que trabalha, o médico intensivista comenta que há a capacidade para manter até 10 doentes em ECMO simultaneamente, sendo que esse numero pode aumentar em situações emergenciais, como no enfrentamento ao coronavírus.