Afinal, o que é inteligência artificial?
Por Rodrigo Folter • Editado por Douglas Ciriaco |
A inteligência artificial (IA) deixou de ser coisa de aficcionados por tecnologia e ficção científica e, hoje, está presente em mais áreas da vida cotidiana do que muita gente imagina. Ela está por todos os lados: na internet, no cinema, no mundo dos games, nos serviços de streaming e em chatbots, por exemplo. Mas, afinal, o que é inteligência artificial?
Para responder essa pergunta, é preciso viajar um pouco no tempo. Pegue uma carona com o Canaltech e vamos descobrir como tudo começou.
Como a inteligência artificial surgiu?
A ideia de inteligência artificial é antiga — mais velha do que esse termo, inclusive. Na Grécia Antiga, um dos questionamentos feitos por filósofos era sobre a capacidade de objetos inanimados pensarem como humanos e substituirem a mão de obra escrava. Este é considerado um dos registros mais antigos sobre IA.
Tal pensamento caminhou milhares de anos, servindo como base para a ciência da computação e a criação do computador na década de 1940. Em 1948, robôs já seguiam comandos simples.
Esses acontecimentos foram fundamentais para que quatro pessoas dessem o pontapé inicial na área de inteligência artificial. Em 31 agosto de 1956, os cientistas da computação John McCarthy e Nathaniel Rochester, com o cientista cognitivo Marvin Minksy e o matemático Claude Shannon, propuseram à faculdade de Darmouth, nos Estados Unidos, um projeto para o estudo do que chamaram de "inteligência artificial".
Confira o trecho de "Uma proposta para o Projeto de Verão da Faculdade de Darmouth sobre Inteligência Artificial" (1956), onde o termo foi cunhado:
Propomos que um estudo de 2 meses, composto por 10 homens, sobre Inteligência Artificial seja desenvolvido durante o verão de 1956 na Faculdade de Dartmouth, em Hannover, Nova Hampshire
O que é inteligência artificial?
Segundo o dicionário Webster, inteligência artificial "é um ramo da ciência da computação que lida com a simulação de comportamento inteligente em computadores e a capacidade de um máquina em imitar o comportamento humano inteligente".
Para o professor e pesquisador do Centro de Inteligência Artificial da USP, Fernando Osório, a IA "é um ramo de estudos bastante amplo e complexo, pois envolve diferentes temas: memória, aprendizado, percepção, representação e manipulação de conhecimentos, entre tantos outros."
Para completar, o Canaltech decidiu perguntar a uma IA "o que é inteligência artificial". Esse teste foi feito com o ChatGPT, que nos deu a seguinte resposta:
A inteligência artificial (IA) é um campo da computação que se concentra na criação de sistemas que possam realizar tarefas que, normalmente, requerem inteligência humana, como compreender linguagem natural, tomar decisões baseadas em dados e aprender com a experiência. A IA é alimentada por grandes quantidades de dados e algoritmos avançados de aprendizado de máquina, que permitem aos sistemas "aprender" com esses dados e melhorar suas habilidades ao longo do tempo. A IA tem muitas aplicações, desde assistentes virtuais e robôs até sistemas de recomendação de mídia e tecnologias médicas avançadas.
Sobre a resposta do bot, o professor aponta que "nem toda IA tem aprendizado e usa grande base de dados", como afirmou o ChatGPT. Isso destaca que as informações fornecidas por esses sistemas podem ter erros, sendo preciso uma revisão humana antes de tomar a resposta como verdadeira.
Inteligência artificial, portanto, pode ser classificada como a união de habilidades que permitem que sistemas e máquinas simulem a inteligência humana, para realizar ações e tarefas de forma independente.
Primeiros trabalhos com IA
O alicerce para o estudo da IA foi feito pelo matemático Alan Turing, em especial com o Teste de Turing que verificava a capacidade de uma máquina exibir comportamento inteligente como um humano. Ele também foi responsável pelo primeiro software capaz de jogar xadrez.
Pouco tempo depois, duas linguagens de programação foram criadas para trabalhar especificamente com inteligência artificial: a LISP, criada por John McCarthy; e a PROLOG, cujos autores foram os cientistas da computação Alain Colmerauer e Phillippe Roussel.
O Perceptron, um tipo de rede neural artificial, foi outro trabalho importante, testado em 1958 pelo psicólogo Frank Rosenblatt. O teste foi realizado no Laboratório Aeronáutico de Cornell e, para alguns, marca o início da 'Aprendizagem Profunda' que, segundo Osório, "é a base para sistemas inteligentes de reconhecimento de voz, tratamentos de textos, veículos autônomos — e, claro, o ChatGPT."
Outros trabalhos pioneiros com IA envolvem Eliza, o primeiro chatbot a imitar a linguagem natural do ser humano e a capacidade de máquinas jogarem com humanos. Em 1997, O IBM’s Deep Blue foi o primeiro computador que derrotou uma pessoa de carne e osso, o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov.
Aplicações da inteligência artificial
Desde o evento de 1956, o conceito da IA avançou muito, fazendo com que esta tecnologia se tornasse parte da sociedade de várias maneiras, incluindo a indústria do entretenimento. Filmes e livros como 2001: Uma Odisseia no Espaço, Blade Runner e Matrixretratam máquinas e softwares sencientes e deslumbram um futuro humano cada vez permeado de IA.
No mundo real a coisa ainda não chegou a um nível tão avançado (e distópico) quanto o da ficção científica, mas a IA já é aplicada por diversas empresas e em variados serviços — muitos deles usados diariamente por milhares de pessoas. Alguns exemplos incluem a recomendação de conteúdo por mecanismos de busca (como o Google), interfaces de reconhecimento de voz (como a Alexa e a Siri), aplicativos de locomoção (como o Uber que usa IA para otimizar trajetos) e os carros autônomos.
A inteligência artificial é perigosa?
Empresas, sociedade civil, cientistas e governos ao redor do mundo têm preocupações reais acerca de possíveis impactos negativos que uma inteligência artificial pode causar na vida real. Desinformação e disseminação de notícias falsas, acidentes envolvendo veículos autônomos e uso da tecnologia para fins maliciosos são alguns dos possíveis riscos que a adoção não regulamentada da IA pode causar.
O Grupo de Peritos de Alto Nível sobre a Inteligência Artificial (GPAN IA) foi criado pela União Europeia em 2018 para frear avanços indevidos na área. Segundo o órgão, toda IA deve respeitar a legislação e a regulamentação aplicáveis, ser fiel a valores éticos e garantir a segurança técnica e social para evitar danos causados mesmo sem a intenção.
Ao menos por enquanto, os temores relacionados à IA são bem diferentes daqueles vistos em distopias do cinema — e o professor Osório trata de tranquilizar a todos quanto a isso. “A IA não vai dominar o mundo e os humanos, pelo menos não tão cedo”, garante.
A IA vai roubar o trabalho de humanos?
O uso da inteligência artificial por vezes faz com que a atuação humana em algumas tarefas seja dispensável — e essa é outra controvérsia ética ligada ao avanço das IA.
Aplicativos como o Lensa e Voilà, por exemplo, geram artes digitais seguindo alguns comandos simples definidos pelo usuário, o que, a princípio, é uma disputa direta com o trabalho de artistas visuais. Por outro lado, há quem argumente que uma IA nunca terá o olhar e a sensibilidade de um ser humano na hora de criar uma peça artística.
Outra área que pode se abalar com o avanço da IA é o da produção de textos para a internet, já que serviços como o ChatGPT são capazes de gerar matérias, artigos, tutoriais e outros tipos de conteúdos em poucos segundos. No entanto, muito se questiona quanto à qualidade desses textos, já que a IA apenas gera o conteúdo com base em conhecimentos aos quais ela tem acesso e, consequentemente, pode produzir materiais simplórios — ou até mesmo incorretos.
O que o futuro nos reserva?
O debate sobre o impacto do avanço da inteligência artificial na sociedade não vai acabar tão cedo cedo. O uso seguro de IA e os limites que ela pode atingir são dois exemplos de temas que devem seguir em alta por mais alguns (ou vários) anos. No entanto, conforme a tecnologia avança, novas formas de aplicação são desenvolvidas e a IA vai se tornando cada vez mais comum.
Além disso, é possível imaginar que o avanço da IA traga benefícios como diagnósticos médicos mais precisos, ou ainda a otimização de atendimentos virtuais. Outro campo que pode se beneficiar do uso da IA é o metaverso: cofundador e CEO da Meta, Mark Zuckerberg já apontou para o uso da tecnologia como forma de criar novos mundos e potencializar o uso do "universo paralelo" da internet.
É fato que a IA deixou de ser um conceito futurista da ficção e já faz parte da vida cotidiana — e a tendência é que o uso de inteligência artificial siga se espalhando pelas mais diversas áreas.
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