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Fosfina em Vênus é descartada por novo estudo, mas o debate está longe de acabar

Por  • Editado por  Patricia Gnipper  | 

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Danielle Futselaar/SETI Institute
Danielle Futselaar/SETI Institute

A polêmica sobre a detecção de fosfina em Vênus ainda parece longe de acabar. Com dados do observatório SOFIA, uma equipe de cientistas mostrou que, se essa molécula estiver presente na atmosfera venusiana, a quantidade seria pequena demais para ser relevante. Mas a equipe da descoberta inicial ainda tem cartas na manga para defender sua hipótese de que existe, sim, fosfina em Vênus — o que, em teoria, tem algum potencial de indicar a presença de formas de vida por lá.

Desde que pesquisadores liderados por Jane S. Greaves anunciaram a detecção de fosfina em Vênus, em 2020, a comunidade científica iniciou um debate acalorado sobre a possibilidade de se tratar (ou não) de uma possível assinatura de vida no planeta.

A existência da fosfina no planeta vizinho foi questionada poucos dias após o anúncio da "descoberta", pois, para alguns cientistas, ocorreram erros estatísticos nas análises. Provavelmente, os sinais detectados por Greaves e seus colegas se tratavam de dióxido de enxofre "disfarçado" de fosfina.

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Ainda assim, a pedido de Greaves, uma versão nova e melhorada dos dados processados pelo observatório Atacama Large Millimeter Array (ALMA) foi disponibilizada em novembro daquele ano. A equipe analisou os novos dados e afirmou que ainda podiam detectar fosfina em Vênus, só que, desta vez, em quantidades menores do que o divulgado anteriormente.

Observatório SOFIA não encontra fosfina em Vênus

Mas, agora em 2022, dados do observatório SOFIA — que voava em um Boeing 747 transportando um telescópio — não encontraram a molécula polêmica na atmosfera de Vênus.

O gráfico de intensidade da luz no planeta em diferentes comprimentos de onda deveria mostrar quedas em quatro indicadores na imagem acima. Segundo a NASA, as localizações marcadas em preto acima de “PH3” deveriam ser semelhantes, mas menos pronunciadas, àquelas observadas nas duas extremidades.

O gráfico indica que não existe nenhum sinal de fosfina por lá e, se houve, essa presença seria no máximo cerca de 0,8 partes de fosfina por bilhão de partes de todo o resto.

Para apontar o telescópio do SOFIA para Vênus, os cientistas tiveram que esperar o momento certo. A janela durante a qual Vênus pode ser observado é de apenas cerca de meia hora após o pôr do Sol, e o Boeing 747 precisava estar no lugar certo na hora certa, relatou a NASA.

Para complicar ainda mais, é preciso considerar que Vênus passa por fases (assim como a Lua), atrapalhando a “mira” do telescópio. Por fim, era preciso evitar a luz solar a todo o custo. Mas as observações foram um sucesso e, agora, o SOFIA se juntou aos observatórios que já procuraram fosfina em Vênus e não encontraram nada.

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Autores do anúncio original discordam do SOFIA

A equipe de Greaves foi rápida em publicar um artigo de resposta às análises feitas com dados do SOFIA. Eles analisaram os dados espectrais do observatório e encontraram ruídos ou interferências que podem prejudicar a “pureza” das leituras espectrográficas, fornecendo um resultado que não condiz com a realidade.

Então, Greaves e seus colegas removeram esses ruídos “de sinais de carga de calibração não essenciais”, conforme relataram. “Ignorar esses sinais permite pós-processamento mais simples e detecção [...] de PH3 (fosfina) a 75 km de altitude (logo acima das nuvens)”, disseram. Também acrescentaram que “a compilação de seis resultados de fosfina sugere que a abundância se inverte: diminui acima das nuvens, mas aumenta novamente na mesosfera, a partir de alguma fonte inexplicada”.

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Mais interessante ainda são as duas implicações da conclusão da equipe: as moléculas podem estar sendo destruídas pela luz solar e pode existir uma fonte de reposição, ainda inexplicável. Para descobrir se essa fonte de fato existe (ou se é necessária para explicar os dados após a calibração), novas observações devem acontecer.

Por fim, a equipe sugere que “a fosfina venusiana está realmente presente e, portanto, merece mais estudos sobre suas origens”.

Novas missões devem estudar Vênus em breve

Quando Greaves diz que a polêmica da fosfina merece mais estudos, ele provavelmente sugere o envio de sondas às nuvens de Vênus para procurar pela fosfina "pessoalmente". Reforçando essa ideia, em suas redes sociais Greaves disse que, embora existam “mais alguns dados transmitidos por telescópios, a amostragem por espaçonaves obteria algumas informações exclusivas, como variações localizadas de quantidades [de fosfina]".

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E, de fato, há missões sendo desenvolvidas para estudar o "planeta infernal" nos próximos anos. A NASA há alguns anos planeja a missão VERITAS, mas ela sofreu um atraso no cronograma e não deve ser lançada antes de 2031. A agência estadunidense também considera missões que enviariam balões à atmosfera venusiana e vem elaborando o conceito da missão DAVINCI+, que entraria nas densas nuvens de Vênus e tentaria pousar na superfície do planeta. Contudo, essas duas últimas não chegaram a se tornar missões oficiais — ao menos por enquanto.

Enquanto isso, a agência espacial europeia ESA vem trabalhando na missão EnVision, que levará uma sonda para orbitar Vênus a 500 km de altitude — mas seu lançamento também deve acontecer só na próxima década. Outras potências da exploração do espaço também estão mirando no planeta vizinho, como a China, a Rússia e até a Índia.

Os indianos, por sinal, já deram o nome de Shukrayaan à sua missão venusiana, cujo lançamento foi adiado por conta da pandemia de covid-19 e talvez ocorra no final de 2024. Por outro lado, talvez a iniciativa privada consiga procurar pela fosfina em Vênus antes das agências espaciais. Ao menos isso está nos planos da Rocket Lab, que pretende lançar a primeira missão comercial a Vênus já no ano que vem.

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Parece que Vênus está em alta e a polêmica sobre a presença de uma possível bioassinatura por lá deve continuar — ao menos até que alguma dessas missões citadas acima consiga provar que tudo não passou de um belo engano.

Fonte: NASA, arXiv