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Como funciona o processo seletivo de astronautas nas agências espaciais?

Por| Editado por Patricia Gnipper | 11 de Agosto de 2021 às 22h20

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ESA
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Muitas pessoas sonham em se tornar astronautas — afinal, quem nunca imaginou como seria a sensação de ausência de peso e até poder observar a Terra de longe? Para alguns, este sonho não sobrevive aos anos de infância, mas, para outros, torna-se um objetivo de vida. Mas, afinal, como é o processo seletivo para se tornar um astronauta? E quais são as diferenças entre os processos das grandes agências espaciais do planeta?

A Agência Espacial Europeia (ESA) descreve que “um astronauta é a pessoa treinada para servir como um membro profissional da tripulação de voos além da atmosfera da Terra e irá cumprir tarefas relacionadas à exploração espacial”. Durante suas atividades no espaço, esses profissionais testam os limites das capacidades do corpo humano em condições bastante agressivas, realizam pesquisas e dão suporte ao desenvolvimento de novas tecnologias.

Quando uma pessoa decide que irá se tornar astronauta, ela assume um grande compromisso em sua vida profissional. Os candidatos costumam ser selecionados entre os 30 e 40 anos e é comum que abram mão de carreiras de prestígio para arriscar começar tudo do zero, passando por longas horas de treinamento técnico e físico que acabam ocupando grande parte de suas carreiras — tudo isso sem a garantia de que o candidato será enviado, de fato, em uma missão espacial.

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Como a NASA seleciona astronautas?

Desde a seleção dos astronautas para o Projeto Mercury, iniciado em 1958, a NASA já escolheu mais de 20 "classes" de astronautas. Inicialmente, as primeiras classes eram compostas principalmente por militares, sendo que a maioria eram pilotos de testes — afinal, eles estariam preparados para lidar com os perigos das missões espaciais e eventuais imprevistos. O programa espacial já mudou bastante desde aquela época e, hoje, outras habilidades são exigidas.

Primeiramente, para poder participar do processo seletivo da agência espacial norte-americana, o candidato deve ser um cidadão dos Estados Unidos. A NASA também estabelece alguns requisitos básicos para os candidatos, como mestrado em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês) e pelo menos dois anos de experiência profissional relevante nestas áreas, ou 1.000 horas de comando de aeronaves a jato. Experiência no ensino também vale, contanto que seja de alguma disciplina STEM.

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Os participantes do processo seletivo que forem escolhidos se tornam, então, candidatos a astronauta. A partir daí, eles passam pelo Astronaut Candidate, um programa básico de treinamento que dura cerca de dois anos. Durante esse período, eles passam por atividades de sobrevivência militar na água antes de começar a preparação de voos, e precisam se qualificar em mergulho para realizar o treinamento de spacewalk. Por isso, todos os candidatos precisam ser aprovados em um teste de natação, realizado no primeiro mês.

A seleção final depende do desempenho dos candidatos nas diferentes etapas do programa, que incluem treinamento dos sistemas da Estação Espacial Internacional (ISS), habilidades de caminhadas espaciais, robótica, aprendizado de russo e treinamento de prontidão para voos de aeronaves. Os civis que forem selecionados como astronautas se tornam funcionários federais permanentes, e os candidatos militares recebem papéis específicos.

O papel dos astronautas vai além dos voos espaciais, e inclui também atividades técnicas na Terra — o que significa que eles precisam saber trabalhar em contextos variados. Assim, ao fim do processo, os novos astronautas podem ser designados a missões espaciais ou a essas funções técnicas — neste caso, eles podem dar apoio a missões em andamento ou auxiliar os engenheiros da NASA no desenvolvimento de novas naves.

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Como a ESA seleciona astronautas?

Já no caso da Agência Espacial Europeia (ESA), o processo seletivo tem três etapas principais. A primeira delas é o treinamento básico, em que os candidatos passam por um ano de atividades no European Astronaut Centre (EAC), na Alemanha. Eles têm uma introdução sobre o programa espacial da ESA e de outras agências espaciais e, depois, aprendem sobre sistemas como os da Estação Espacial Internacional e sobre veículos de transporte, incluindo a operação deles e controle em solo. É nesta etapa que os candidatos desenvolvem habilidades básicas para cumprir tarefas no laboratório orbital, estudam russo, aprendem técnicas de sobrevivência, entre outras habilidades.

Depois, vem a pré-designação. Essa é uma fase de duração variável, que ensina com profundidade as habilidades necessárias para operar, realizar manutenção e manter os diferentes módulos, sistemas, cargas úteis e veículos de transporte da estação espacial. O treinamento desta etapa é dado a astronautas de todas as nações parceiras da ISS, e os ensina o que eles vão precisar saber para quase qualquer voo com destino à estação — com direito a especialização em algumas funções mais específicas, como navegação, spacewalks e cargas úteis.

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Quando o astronauta recebe uma missão, ele começa o treinamento de incremento, uma terceira etapa focada nas tarefas específicas que serão realizadas enquanto ele estiver a bordo da estação espacial. Essa etapa pode durar até um ano e meio e coloca em prática as habilidades e conhecimentos das etapas anteriores. É neste momento que os astronautas adquirem conhecimentos científicos e aprendem a operar equipamentos de pesquisa, que serão necessários para experimentos. Além disso, eles também aprendem a manipular componentes da ISS, como realizar manutenções e consertos de componentes com defeito.

A preparação para a missão é finalizada com um treinamento intensivo para a tripulação, que aprenderá tudo sobre o veículo de transporte e procedimentos de segurança e emergência. Quando os astronautas não são designados a missões, eles ficam no EAC trabalhando em outras atividades — mas não por muito tempo, já que grande parte do tempo deles é ocupada com viagens para outras agências espaciais ou instalações de centros de treinamento, como aqueles da Roscosmos, da Rússia, ou da SpaceX, nos Estados Unidos.

Dentre as qualificações exigidas pela ESA, está o mestrado em ciências naturais, medicina, engenharia ou ciências matemáticas ou computacionais, com pelo menos três anos de experiência profissional após a graduação. Aliás, deficiências físicas já foram um critério de exclusão, mas isso mudou: em 2021, a ESA iniciou o programa Parastronaut, um projeto voltado para a seleção de astronautas com deficiências físicas para que, assim, a agência possa definir as modificações de acessibilidade necessárias para tornar as viagens espaciais mais inclusivas.

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Como a Roscosmos seleciona astronautas?

A antiga União Soviética iniciou um programa de seleção de cosmonautas para voos espaciais no fim do ano 1959 — com a vantagem de que, como os Estados Unidos tinham acabado de começar a treinar astronautas, os soviéticos podiam, digamos, se inspirar no que os rivais estavam fazendo e aprimorar os pontos que fossem necessários. Inicialmente, os critérios de seleção soviéticos eram parecidos com aqueles adotados pelos Estados Unidos, de modo que os oficiais soviéticos escolhiam somente os pilotos no auge da condição física, porque consideravam que eles poderiam ter bom desempenho mesmo em um ambiente isolado.

Diferentemente dos norte-americanos, eles abriram mão de candidatos maduros e experientes em voo para selecionar indivíduos mais atléticos e jovens, e grande parte daqueles que foram escolhidos eram da força aérea soviética. O programa de seleção da URSS consistia em três etapas principais: uma seleção inicial, feita principalmente com base da recomendação e histórico familiar médico, exames médicos e testes de estresse físico e psicológico — esta última etapa incluía testes em plataformas centrífugas e de vibração, além de simulações de ascensão a baixa pressão e câmeras de altitude.

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Hoje, a agência espacial russa Roscosmos trabalha com um processo um pouco diferente: desde 2012 ocorre uma “seleção aberta” que permite que qualquer cidadão do país se candidate, o que trouxe maior diversidade nas carreiras dos profissionais inscritos. Os oficiais da Roscosmos até chegaram a sugerir que a seleção aberta talvez não fosse mantida, mas mesmo assim ela foi usada em processos seletivos posteriores. Durante as rodadas mais recentes do processo de seleção, os candidatos chamados passaram cerca de duas semanas no Yuri Gagarin Cosmonaut Training Center, onde realizaram exames físicos e psicológicos, entrevistas e foram imersos no ambiente dos cosmonautas.

Na próxima etapa, os candidatos eram convidados ao Cosmonaut Training Center, onde poderiam conviver com pilotos e outros cosmonautas enquanto passavam por novos exames psicológicos, junto de testes de aptidão física e de capacidades intelectuais: essas etapas envolviam atividades variadas, como nadar pelo menos 25 m sem recuperar o fôlego, praticar as habilidades em idiomas estrangeiros e, por fim, um dos exames mais difíceis do processo: ler um livro com cerca de 80 páginas com descrições detalhadas de partes específicas de uma nave, para um exame feito por um comitê, que irá analisar o conhecimento que o candidato tem do conteúdo do livro e de outras áreas.

Cada um desses testes rende pontos e, se o candidato conseguir atingir a nota de corte, ele passa por novos exames médicos — estes, que podem reprovar candidatos com problemas nos dentes, desvio de septo, entre outras condições físicas, sendo que algumas podem ser corrigidas para o candidato tentar outra vez. A última etapa envolve uma comissão examinadora, que irá definir quem será admitido com base nos resultados em todas essas etapas e na biografia do candidato.

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Como a CNSA seleciona astronautas?

Hoje, a China já soma duas décadas de experiência na seleção de seus novos astronautas — ou taikonautas, como são chamados os astronautas chineses —, e desenvolveu um processo completo para selecionar candidatos que possam servir como pilotos, engenheiros de voos espaciais ou especialistas de cargas úteis. Destes três, os pilotos são escolhidos entre aviadores ativos, e são aqueles precisam cumprir os requisitos mais rígidos do processo seletivo. Já os engenheiros e especialistas de cargas úteis têm outros requisitos, que são mais variados e um pouco menos exigentes.

As informações sobre as etapas do processo de seleção que a China realiza são restritas, mas já sabemos que a competência e experiência são alguns aspectos de peso na seleção. Eecentemente, o país lançou a missão Shenzhou-12, na qual um trio de taikonautas viajou com destino ao módulo Taihen, o central da nova estação chinesa. A tripulação desta missão e das três seguintes foi selecionada em dezembro de 2019, cada uma liderada por um comandante experiente que irá comandar os outros dois taikonautas — no caso da Shenzhou-12, por exemplo, o comandante Nie Haisheng já esteve em dois voos espaciais, um dos tripulantes já realizou uma atividade extraveicular e o outro era um astronauta reserva da missão Shenzhou-11.

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Como o país busca encontrar os melhores profissionais em meio aos candidatos, vários outros critérios são avaliados, como a idade, personalidade, desempenho físico, saúde mental e até mesmo a sinergia entre os candidatos participantes. Para se qualificarem, eles também devem mostrar bons resultados em exames mentais e físicos — estes são voltados especialmente para funções corporais, como o desempenho do coração e pulmões.

Já no caso das mulheres que querem ser taikonautas, há aspectos ainda mais rígidos levados em conta durante a seleção: 15 mulheres se candidataram para a missão Shenzhou-9, lançada em 2012, e somente duas foram escolhidas. Ambas eram casadas, tiveram seus filhos através de partos normais, não tinham cicatrizes no corpo ou dentes perdidos e nem odores corporais.

Fonte: NASA, ESA, Space.com, Space Review, Space Safety Magazine, Business Insider