10 mulheres que deixaram a sua marca na astronomia antiga e atual
Por Patricia Gnipper • Editado por Luciana Zaramela |
Um número cada vez maior de mulheres vem se destacando em diversos segmentos do mundo da ciência, incluindo a astronomia. Mas não é de hoje que elas nutrem uma verdadeira paixão pelo universo, alimentando sua sede por conhecimentos e descobertas — seus feitos datam de milênios atrás.
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Entre os motivos pelos quais não ouvimos tantos nomes femininos quando ressaltamos grandes avanços da astronomia mundial, estão questões como imposições sociais, preconceito e falta de acesso à educação superior em tempos não muito remotos. Se hoje não é muito comum vermos salas de aula em universidades repletas de alunas, isso acontece como reflexo de uma cultura que impedia o acesso das mulheres à educação superior.
Na Idade Média, conventos eram os únicos locais onde as mulheres podiam se educar. Esse é o motivo pelo qual muitas delas que não tinham exatamente uma vocação para a vida religiosa optavam por esse estilo de vida, somente para ter acesso a conhecimentos que não teriam de outra maneira.
Ainda assim, mesmo com a imposição de papéis de gênero, as mulheres começaram a ser admitidas em instituições de ensino científico entre o final do século XIX e o início do século XX, proporcionando mais oportunidades.
Foi o caso de Marie Curie, a primeira mulher a receber um Prêmio Nobel de Física em 1903, recebendo outro Nobel, de química, em 1911. Entre 1901 e 2016, 48 mulheres foram agraciadas com a premiação em áreas como física, química, fisiologia e medicina.
10 mulheres que marcaram a astronomia
Confira a nossa lista com 10 mulheres (e um bônus!) que deixaram sua marca na história desta ciência, tanto na antiguidade, quanto nos tempos atuais:
1. En-Hedu-Anna
Há registros de mulheres praticando a astronomia datados de 6.000 anos a.C, mas foi somente por volta de 2.300 a.C que uma mulher assinou seus pensamentos quanto ao universo pela primeira vez. En-Hedu-Anna, ou Enheduanna, foi a primeira princesa da história a ocupar o posto de uma grande sacerdotisa servidora de Nanna (o "deus-lua" sumeriano) na cidade de Ur. En-Hebu-Anna, sendo filha do rei Sargão da Acádia. É ela que aparece marcada com a seta vermelha na foto abaixo.
Além de ter escrito ideias e poemas sobre as estrelas em tábuas desaparecidas, sendo considerada a primeira pessoa da história assinar uma obra autoral, En-Hedu-Anna também dirigiu observatórios babilônicos dos quais se tem pouco conhecimento hoje.
Ainda assim, seu nome ficou marcado para sempre na história das mulheres que amam as estrelas. Sua memória foi resgatada para todo um novo público quando En-Hedu-Anna foi mencionada por Neil deGrasse Tyson em Cosmos: Uma Odisséia no Espaço-Tempo, de 2014.
2. Hipácia
Hipátia, ou Hipácia, como também é chamada, viveu em Alexandria entre os anos de 355 e 415 d.C e foi a primeira mulher documentada como uma cientista.
Ela era filha do diretor da célebre Biblioteca de Alexandria, que foi completamente destruída com milhares de obras por conta de um incêndio de proporções que impressionam até os dias de hoje.
Com a tragédia, muitos dos trabalhos de autoria de Hipácia ficaram perdidos na história, e não sabemos exatamente quantos textos ela chegou a produzir, tampouco o brilhantismo de seu conteúdo.
Graças a citações de outros autores seu nome não foi esquecido. Hipácia é reconhecida até hoje como uma mulher extremamente importante para a história da astronomia, especialmente por conta de um texto de sua autoria chamado O Cânone Astronômico.
3. Wang Zhenyi
Durante a dinastia Qing na China do século XVIII, viveu a cientista Wang Zhenyi, em uma época em que mulheres não ocupavam exatamente essa função na sociedade oriental. Mas ela conseguiu se educar em assuntos como astronomia, medicina, geografia e matemática.
Além de estudar o trabalho de outros astrônomos, Zhenyi também fez pesquisas próprias, como projetar e conduzir experimentos que descreveram a relação entre os eclipses lunares e solares.
4. Maria Mitchell
Quando ainda era criança, Maria Mitchell observou um eclipse solar total acompanhada de seu pai. Desde aquele momento, alimentou um verdadeiro amor pelas estrelas.
Nascida em 1818, ela acabou se tornando o que muitos cientistas consideram a primeira mulher astrônoma profissional da América. Com educação privilegiada, Mitchell se tornou professora do Vassar College e ensinou lá até sua morte, em 1889.
5. Cecilia Payne-Gaposchkin
Com apenas 19 anos de idade, em 1919, Cecilia Payne participou de uma expedição para observar um eclipse solar na costa oeste da África, onde pôde fotografar as estrelas. Ela conseguiu superar os preconceitos da área por conta de sua idade e gênero e se tornou a primeira pessoa a ganhar um Ph.D em astronomia em Harvard-Radcliffe, além de ter sido a primeira mulher a presidir um departamento de Harvard.
Sua tese revolucionária, que foi desacreditada inicialmente, determinou que as estrelas (incluindo o nosso Sol) eram compostas principalmente por hidrogênio e hélio. Isso aconteceu em 1925, quando o senso geral acreditava que o Sol tinha uma composição similar à da Terra.
A partir das milhares de observações estelares de Cecilia Payne, sua importância na astronomia é inegável, e sua obra é referência até os dias de hoje nos meios acadêmicos.
6. Wanda Diaz-Merced
Enquanto estudava física na Universidade de Porto Rico, Wanda Diaz-Merced acabou perdendo a visão por conta de uma doença descuidada. Mas ela não deixou que sua nova deficiência a impedisse de perseguir seus sonhos, e se tornou uma astrofísica de respeito, além de cientista da computação.
Entre suas realizações, está a criação do processo de sonificação, que transforma dados de estrelas em um tipo de áudio para que pessoas com deficiências visuais consigam estudar esses objetos, mesmo assim. Atualmente Wanda trabalha no escritório de astronomia de um observatório na África do Sul.
7. Kelly Korreck
Atuando no centro de astrofísica da Universidade de Harvard, a Dra. Kelly Korreck investiga detalhes críticos sobre o funcionamento do Sol e outras estelas de seu tipo. Para isso, ela constrói e opera instrumentos científicos que são lançados ao espaço por meio de satélites, e já trabalhou em muitos projetos solares em sua carreira.
Atualmente, Korreck atua na liderança de um dos instrumentos da sonda solar Parker, da NASA, lançada em 2018 — a primeira sonda a "tocar" o Sol em toda a história.
8. Catherine Coleman
Apelidada de Cady, essa astronauta entrou para a NASA em 1992, indo para o espaço pela primeira vez em 1995. Ela passou mais de 180 dias a bordo da Estação Espacial Internacional em uma missão que realizou estudos científicos variados, incluindo desde biotecnologia até a física de fluídos.
Em 1999, acompanhou a astronauta Eileen Collins, que se tornou a primeira mulher a comandar o ônibus espacial — inclusive, o veículo foi aquele que colocou em órbita o observatório de raios X Chandra. Depois dessa missão, Coleman continuou trabalhando na NASA como chefe de operações e de treinamento do braço robótico para todas as missões do ônibus espacial e da ISS.
Ela voltou ao espaço em 2011 como membro da tripulação da Expedição 27, entre março e maio daquele ano. A missão comemorou o 50º aniversário do primeiro voo espacial tripulado.
9. Carolyn Porco
Nascida em 1953, a paleontóloga acabou se destacando, mesmo, na astronomia. A funcionária da NASA começou o seu trabalho neste ramo com o Programa Voyager, de 1977, especificamente nas missões que estudaram Júpiter, Saturno, Urano e Netuno nos anos 1980.
Mas foi seu trabalho com os estudos do sistema de Saturno que fizeram com que seu nome ficasse marcado na história das descobertas sobre o nosso Sistema Solar com a premiada missão Cassini-Huygens, lançada em 1997 e encerrada em setembro de 2017. Porco foi líder do programa de imageamento da sonda, e também participou da divisão de imagens da missão New Horizons, que estudou Plutão em 2015.
Co-autora de mais de 110 artigos científicos sobre assuntos como espectroscopia, fotometria de anéis planetários e interação entre luas e anéis, ela também se tornou uma divulgadora científica bastante conhecida, ministrando palestras e participando de documentários até hoje. Premiada, ela chegou a ser nomeada como uma das 50 pessoas mais importantes da ciência atual.
10. Nancy Grace Roman
A também premiada Nancy Grace Roman, nascida em 1925, foi uma astrônoma estadunidense que foi a primeira mulher executiva da NASA. Conhecida como "a mãe do telescópio espacial Hubble", Roman desempenhou um papel importante no desenvolvimento do projeto do telescópio que mudou a forma como enxergamos o universo.
Nancy já demonstrava interesse pela astronomia desde os 11 anos de idade, quando formou um clube onde ela e seus colegas estudavam sobre constelações. Bacharel em astronomia em 1946, ela obteve seu PhD na área pela Universidade de Chicago em 1949 e, depois de trabalhar em alguns observatórios, foi para a NASA. Ali, foi a primeira mulher a ocupar o cargo de Chefe de Astronomia no escritório de ciência espacial.
Ela faleceu em dezembro de 2018, aos 93 anos de idade, e seu nome também ficará eternizado com um observatório em sua homenagem — o anteriormente chamado Wide Field Infrared Survey Telescope (WFIRST) foi renomeado em 2020 e agora se chama Nancy Grace Roman Space Telescope.
Bônus: Katie Bouman
Em 2019, foi revelada ao mundo a primeira imagem real de um buraco negro — isto é, do que pode ser visto ao seu redor, já que a gravidade de um buraco negro é tão intensa que nem mesmo a luz escapa dali. Trata-se do buraco negro supermassivo que fica no centro da galáxia M87 a 55 milhões de anos-luz.
A imagem é fruto do trabalho árduo do Event Horizon Telescope (EHT) — projeto que conecta diversos radiotelescópios ao redor do mundo para criar um telescópio virtual gigantesco, do tamanho da Terra, gerando potência suficiente e, assim, permitindo a visualização da área ao redor de um buraco negro (chamada horizonte de eventos).
Mais de 200 pesquisadores foram envolvidos nesse trabalho, e destacamos o nome de Katie Bouman, Ph.D do MIT que foi a responsável por criar o algoritmo capaz de contabilizar todo o volume de dados obtidos pelos radiotelescópios, formando, então, a imagem abaixo:
O algoritmo se chama CHIRP e foi capaz de combinar toda essa montanha de dados e imagens. Ao todo, foram coletados nada menos do que oito petabytes de informações, que foram organizados pelo sistema criado por Bouman.
Quando três telescópios medem um mesmo local, ruídos podem aparecer como consequência de interferências atmosféricas, ou seja: quanto mais imagens da mesma região, mais ruídos aparecem. O sistema criado por ela retira justamente essas discrepâncias.
O algoritmo de Bouman foi essencial na missão de "limpar" as observações, uni-las e refinar as imagens para, então, gerar a imagem final do buraco negro. Na época, ela era apenas uma estudante de graduação no MIT, por sinal. Hoje, Bouman é Ph.D em Engenharia Elétrica e Ciência da Computação do Instituto.
*Esta matéria foi originalmente publicada em 23/10/2017, sendo atualizada e republicada em 08/03/2024