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Crítica Ferrari | Vermelho vivo no momento mais escuro

Por| Editado por Durval Ramos | 21 de Fevereiro de 2024 às 16h48

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Divulgação/Diamond Films
Divulgação/Diamond Films

Todo mundo reconhece o ícone do cavalo, a lataria vermelha, a cor do macacão no topo do pódio e o glamour que acompanha tudo isso. Falar sobre o mito seria um caminho fácil, do qual o diretor Michael Mann (Tokyo Vice) intencionalmente preferiu desviar. Em Ferrari, a luz é sobre um momento antes do ícone, quando tudo parecia perdido.

É uma abordagem que combina com o tom soturno do protagonista, Enzo Ferrari (Adam Driver), que quase nunca abandona os óculos escuros e o tom sério. Afinal, há poucos motivos para sorrir, com um personagem que enfrenta, ao mesmo tempo, um casamento destruído, a recente perda de um filho e a possibilidade de desmoronamento da montadora fundada apenas 10 anos antes.

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Estamos em um momento bem específico da história, que passa longe do status que viria depois. Não dá nem para dizer que Ferrari é uma cinebiografia, uma peça que enaltece a marca ou até mesmo uma romantização de seu protagonista. O foco está em um dos momentos mais críticos da jornada, que conta uma história pouco explorada sobre um mito que todos reconhecem.

Linha de chegada

Estamos em 1957, ano em que a Ferrari completou sua primeira década de existência. As comemorações, porém, dão lugar aos problemas financeiros, com a produção e as vendas dos carros de luxo abaixo do esperado. Enzo, enquanto isso, não poderia estar mais longe da glória de seus tempos de piloto, lidando ao mesmo tempo com a iminente falência e a perda do filho Dino, um ano antes.

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Enquanto sua empresa está à beira do fim, seu casamento com Laura (Penélope Cruz) já colapsou. Enquanto divide com ela o comando da companhia e uma tristeza absoluta, que criou um abismo entre os dois, Lina (Shailene Woodley) surge quase como um contraponto e um pequeno local de conforto. O espectador, porém, logo percebe que há pouca felicidade envolvida aqui.

Com ela, Enzo tem uma segunda família não reconhecida e, principalmente, um filho ainda ilegítimo que, em uma situação de luto, pode ser encarado como um substituto. A fala calma da mulher é um contraste direto com a personalidade forte de Laura, com as cenas deixando claro que, na verdade, está todo mundo mal.

Nota especial, aliás, para a interpretação de Cruz, cuja tristeza transparece apenas com o olhar, antes mesmo de qualquer fala. Em um longa que se apoia grandemente nas interpretações e no clima pesado, a atriz entrega um de seus trabalhos mais intensos nos últimos anos como uma mulher que, sozinha, vê perdendo seu já pequeno espaço enquanto todo o resto parece mais importante do que ela. Uma pena que o trabalho foi esnobado no Oscar 2024.

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É pressão por todos os lados, com o início da Mille Miglia, na porção final do filme, chegando a servir até como um alívio. Mann apresenta uma direção áspera para um roteiro igualmente cru escrito por Troy Kennedy Martin (Um Golpe à Italiana), com apostas e esperanças tão frágeis quanto a segurança dos próprios carros, com pilotos que dirigem sem cinto usando um capacete comum e jaqueta de couro.

Corações e ferros retorcidos

A expressão séria de Driver, na pele do fundador, só muda quando ele está em meio aos carros e pilotos. A Mille Miglia, tradicional prova de resistência pelas estradas da Itália, parece ser a solução, pelo menos, dos problemas financeiros da Ferrari, na bandeirada mais importante da história da companhia e de Enzo até ali.

Olhando assim, até parece um filme comum sobre automobilismo, mas não é o caso. Os carros em alta velocidade, aliás, servem até como um respiro diante de tantos olhares soturnos e más notícias, enquanto Enzo destila sua rivalidade com a Maserati e vê como única boia de salvação a venda de sua companhia para nomes maiores do mercado automotivo, a italiana Fiat ou, pior ainda, a americana Ford.

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Diante das cenas, o espectador pode até pensar como estas pessoas se submetem a entrar em uma lata em alta velocidade sem a menor proteção, com o pior vindo para comprovar esse ponto. A tragédia real que encerrou a Mille Miglia é mostrada com um tom ainda mais visceral que o restante da produção, ao ponto de até mesmo destoar da abordagem geral do filme.

Até aqui, toda a projeção de Ferrari se apoiou nas interpretações. De repente, a realidade atinge a todos, principalmente o protagonista e a própria marca, como um punho de metal que pode colocar tudo a perder. A tragédia, porém, não carrega o mesmo peso que outras vistas ao longo da projeção.

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Uma pilha de corpos, o piloto dilacerado e um provável indiciamento são tratados rapidamente nos minutos finais do longa e têm sua conclusão nos letreiros que encerram o filme. Novamente, não se trata do tipo de história em que tudo dá certo antes dos créditos, mas ainda assim, a sensação que fica é de que o longa foi cortado no pé. 10 minutos a mais não fariam diferença para dar um ponto final à história, principalmente diante de um desfecho tão trágico.

Vale a pena ver Ferrari?

Após um tempo sumido das telas, passado mais focado na produção e roteiro, Mann retorna com um longa pesado e objetivo sobre as pessoas por trás de um ícone. Seria fácil lançar luz no ícone que a Ferrari representa ou retratar sua ascensão à glória; mais difícil, porém, é mostrar as pessoas endurecidas e, ao mesmo tempo, vulneráveis por trás de seus primeiros anos.

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É um feito que o filme acerta em cheio, com algumas das interpretações mais interessantes do ano, com destaque especial para Cruz. Olho vivo, ainda, para Gabriel Leone (Eduardo e Mônica), ator brasileiro que interpreta o piloto espanhol Alfonso de Portago e, em breve, estará na pele do nosso saudoso Ayrton Senna.

Ferrari estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 22 de fevereiro.