Invasão Secreta tem início promissor em um lado menos colorido da Marvel
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Invasão Secreta, a nova série do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês), começa com o pé direito em um tom bem diferente das demais histórias. O primeiro episódio chegou ao Disney+ nesta quarta-feira (21) com uma trama bem mais séria do que outros seriados e usa esse clima mais sombrio como sua principal arma para criar importância, senso de urgência e se afastar do tom descartável das aventuras anteriores.
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Enquanto Ms. Marvel e Mulher-Hulk se apoiavam na leveza e no humor de suas protagonistas, a nova produção prefere ir por um lado totalmente oposto para mostrar que esse universo também tem espaço para roteiros mais sóbrios e até sombrios. E resgatar todo esse lado de espionagem que andava bastante escanteado foi um acerto e tanto.
Ao finalmente entregar o protagonismo a Nick Fury (Samuel L. Jackson), temos uma história calcada na paranoia dos jogos de espionagem ao mesmo tempo em que costura arcos que estavam abertos no MCU. Assim, Invasão Secreta ganha uma importância impressionante já nos momentos iniciais tanto por dar peso a eventos do passado como ao aprofundar personagens que sempre foram meros coadjuvantes.
Invasão Secreta e a espionagem no MCU
Por muito tempo, Capitão América: Soldado Invernal encabeçava qualquer lista de melhores filmes do MCU com certa folga. Não apenas por causa da reviravolta quase mexicana envolvendo os personagens-título, mas pelo filme que colocou os Irmãos Russo na Marvel ter um tom bem diferente da coisa colorida e engraçadinha que a Marvel já apresentava naquela época. Era, acima de tudo, uma história de espionagem.
E Invasão Secreta recupera esse espírito muito bem. Ao colocar a Terra sendo ocupada pelos skrulls, os alienígenas transmorfos introduzidos em Capitã Marvel, a série usa essa capacidade desses ETs de assumirem qualquer forma para criar esse clima de paranoia que permeia toda a trama desde os segundos iniciais, fazendo com que ninguém saiba em quem confiar — incluindo o próprio público.
Isso cria o cenário perfeito para que o primeiro episódio brinque com esse jogo de espiões por todos os lados. Ao mesmo tempo em que a gente vê os skrulls se movimentando e desconfiamos de qualquer pessoa que aparece na tela — inclusive dos heróis —, a trama adiciona novas peças nesse tabuleiro para deixar tudo ainda mais (positivamente) embolado.
Essa dinâmica entre a equipe de Fury, os skrulls e a chegada dos agentes do MI6 liderados pela personagem de Olivia Colman é muito boa, pois explora bem aquilo que há de melhor nesse tipo de história. É tanto movimento de inteligência e contrainteligência que você logo se vê envolvido nesse clima sombrio de que alguém está prestes a trair o grupo e que tudo vai dar errado a qualquer momento — e tudo logo na estreia.
Isso funciona porque, ao contrário da grande maioria das séries do MCU lançadas até aqui, Invasão Secreta sabe o que quer ser e é consistente na hora de seguir por esse caminho. Há aqueles gracejos e momentos mais espirituosos, mas são muito mais pontuais e em diálogos mais ácidos do que no modo engraçadão e descompromissado que a Marvel adotou nos últimos anos. Parece óbvio, mas era algo que fazia falta nesse universo.
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Nick Fury, a estrela caolha
Nesse sentido, o Nick Fury de Samuel L. Jackson é a grande estrela. A gente já o conhece desde a fundação do MCU, mas essa é a primeira vez que ele assume o protagonismo e vemos por que o ator é um veterano de peso em Hollywood. Ele segura muito bem essa versão mais velha e cansada do espião que, apesar de se ver confrontado e em dúvida, ainda carrega toda a sagacidade que lhe é característica.
Esse novo olhar é o grande charme do episódio de estreia de Invasão Secreta. Fury sempre foi o espião perfeito, a pessoa que estava três passos à frente de qualquer situação, mas a série mostra que o blip de Thanos mexeu com o agente de modo que todos à sua volta duvidam das suas capacidades — e há indícios de que ele próprio tenha suas inseguranças em relação a isso.
O primeiro capítulo não avança muito nesse sentido, mas planta bem essa incerteza — principalmente pela ótima atuação de Jackson. Além disso, o ator ainda transita muito bem entre a seriedade que a trama exige com esse tom mais leve em diálogos muito bons. Como o humor típico do MCU destoaria de tudo o que o seriado apresenta, a melhor forma foi trabalhar a interação dos personagens e é o agente caolho quem brilha nesse sentido com sua personalidade ácida e comentários satíricos.
O momento em que ele se encontra com Sonya Falsworth (Olivia Colman) é o ponto alto do episódio com certa folga. E não por trazer grandes revelações ou apresentar uma sequência de tirar o fôlego. São apenas dois atores muito bons conversando e se provocando em um diálogo tenso, mas ainda muito divertido. É o tal jogo de espiões que a gente tanto queria ver em seu estado mais bruto e interessante.
Elenco de peso
E embora apareça muito pouco, Colman já mostra a que veio em Invasão Secreta. Falsworth é apresentada como alguém que faz de tudo pela missão — inclusive eliminar qualquer um em seu caminho —, mas até que ponto é possível confiar nessas percepções? Da mesma forma, é possível confiar no sorriso fácil da personagem ou no seu jeito divertido de falar?
E tudo isso escancara a força de sua presença sem que nada mais seja dito. Sabemos que ela é uma velha conhecida de Fury e tão perspicaz quanto o criador dos Vingadores, mas o quanto é confiável? E ela faz isso tão bem que se torna uma figura magnética que prende nossa atenção tão logo entra em cena — não por acaso, é a única personagem a usar um figurino de cores vivas em todo o episódio.
Outro destaque aqui é Ben Mendelsohn como o skrull Talos. O braço-direito alienígena de Fury já tinha aparecido em outros filmes do MCU, mas sempre com pouco destaque. E Invasão Secreta corrige isso dando importância ao skrull e espaço para que o ator entregue uma atuação bastante convincente desse homem que acabou de perder a esposa e que é chamado de traidor da raça pela própria filha por defender aquilo que acredita. Ele carrega um amargor e dúvida que indica o quanto seu personagem pode ser uma das surpresas da temporada.
Quem ainda precisa mostrar um pouco mais é Emilia Clarke. A Daenerys de Game of Thrones faz sua estreia no MCU como G’iah, a skrull filha de Talos que abandona a família para lutar ao lado do grupo radical que quer tomar a Terra. Sua participação ainda é um pouco tímida, mas bastante compreensível, já que a jovem não sabe se está agindo certo e segue balançada entre a causa e a família.
Por isso mesmo, ela parece bastante contida e não chama tanto a atenção quanto os demais. É uma personagem que promete crescer nos próximos episódios e faz sentido não ter tanto destaque nesse primeiro momento.
Invasão Secreta começa com pé direito
Embora as séries da Marvel sempre comecem muito bem e desandem ao longo da temporada — Ms. Marvel é o exemplo mais claro —, Invasão Secreta revela ter fôlego para manter esse tom mais sério e interessante ao longo de todos os episódios, principalmente explorando as reviravoltas que esse tipo de história oferece.
Além disso, o primeiro capítulo já apresenta como a abordagem sobre a situação dos skrulls não é tão maniqueísta assim, o que leva o roteiro por caminhos bem promissores. Embora o vilão Gravik (Kingsley Ben-Adir) seja tratado como um terrorista, toda a motivação dos skrulls é construída com paralelos óbvios com a questão dos refugiados, trazendo a inação de Fury durante 30 anos em encontrar um lar para a raça como gatilho esse sentimento de revolta que cria o vilão.
Mais uma vez, é algo que ainda está sendo arranhado, mas que confirma algumas suspeitas anteriores à estreia e desenha um potencial para que o seriado seja algo maior do que apenas uma aventura de super-heróis. Já vemos neste episódio o próprio Talos questionando a falta de propostas de Fury e como essa insatisfação e falta de perspectiva foi instrumentalizada por um líder carismático e radical — algo que encontra bastantes paralelos no mundo real.
É apenas mais um exemplo de como Invasão Secreta pode mesmo ser uma das grandes surpresas da Marvel nesta Fase 5 e a prova de que nem tudo precisa ser uma comédia rasgada para funcionar. Com ótimos atores e uma trama consistente, a invasão dos skrulls era precisamente o respiro que queríamos ver no MCU — ainda que muito mais pesado e sombrio do que o de costume.