A Amazônia tem salvação? Cientistas temem ponto crítico para a floresta
Por Rodilei Morais • Editado por Patricia Gnipper |
A importância da Amazônia para o clima, a biodiversidade do planeta e a sobrevivência de comunidades tradicionais é tão inegável quanto sua crescente destruição. Mas o quanto desse bioma ainda é capaz de se recuperar dos danos que vem sofrendo? Pesquisas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) indicam que a floresta pode estar chegando em um ponto crítico.
Popularmente chamada de “pulmão do mundo”, a Floresta Amazônica não é, na verdade, a grande responsável pela maior parte do oxigênio liberado pela fotossíntese na atmosfera. As algas têm uma contribuição maior nesse aspecto. Porém, as árvores do bioma desempenham um papel tão relevante quanto esse: o de armazenamento do gás carbônico cujas emissões não param de subir.
Anualmente, a Amazônia retira da atmosfera cerca de meio bilhão de toneladas do principal vilão do aquecimento global, segundo estimativas. O corte e a queima de sua vegetação devolve o gás carbônico à atmosfera e esse enorme estoque de carbono está ameaçado.
Avaliando a Amazônia
Os estudos de Luciana Vanni Gatti, pesquisadora química atmosférica do INPE, avaliaram a quantidade de carbono sobre a Amazônia com medidas diretas do ar acima da floresta. Outras pesquisas tentam estimar esse número a partir de dados de satélites ou a partir de uma seleção de árvores como amostra, mas há várias incertezas envolvidas.
Coletando amostras de diferentes altitudes, de 300 a 4500 metros acima da floresta, Gatti, esperava ver uma concentração de carbono decrescente à medida em que se aproximava da copa das árvores. Isso porque, em uma floresta saudável, o carbono mais próximo da vegetação está sendo fixado em seus troncos. Para a surpresa da pesquisadora, o resultado foi exatamente o oposto.
O método foi repetido diversas vezes, mostrando que a taxa com que o carbono vem sendo liberado por cortes e queimadas é superior à capacidade da floresta em absorvê-lo. Após dois anos refinando sua metodologia e trabalhando nos dados, Gatti concluiu, em um estudo publicado na revista Nature, que a região tem emitido por ano quase 300 milhões de toneladas de carbono a mais do que absorve.
Um bioma em risco
Na década de 1970, o cientista Eneas Salati provou que, graças a suas 400 bilhões de árvores, a Amazônia é capaz de produzir seu próprio clima. A transpiração dessa enorme massa vegetal é responsável por cerca de 45% da chuva que cai na região, além de contribuir com a precipitação em outros locais do país através dos “rios voadores” que cria.
Cientistas temem que esse padrão está se quebrando com 17% do território amazônico convertido para uso agropecuário no último meio século. O cientista Carlos Nobre afirma que se esse número chegar a 25%, a floresta pode entrar em colapso e se tornar uma savana ainda nas próximas décadas. Nobre não esperava que os resultados encontrados por Gatti fossem aparecer tão cedo. Em entrevista ao New York Times, ele afirmou que “estamos à beira do ponto crítico.”
Secas que se viam uma vez a cada duas décadas já aconteceram cinco vezes nos últimos quinze anos. Suas durações também aumentaram: de três meses para mais de quatro. Ao mesmo tempo, a temperatura média na região cresce três vezes mais rápido que a média global.
A ameaça à biodiversidade
O risco se estende à enorme biodiversidade do ecossistema. Tema da última convenção ambiental da ONU, a preservação de espécies é um objetivo a ser alcançado através do acordo assinado por 190 países, firmando o compromisso de proteger 30% do território global para isso.
Um dos ecossistemas mais diversos do planeta, a transformação da Amazônia representa uma ameaça para as dezenas de milhares de espécies que ela abriga. Sem sua chuva, Nobre previa que a floresta se tornaria uma savana como o Cerrado. Agora, as previsões são mais pessimistas.
O Cerrado é um bioma rico e diverso, apesar de possuir características diferentes da Amazônia. A teoria agora é que o resultado final seria um ambiente muito mais pobre que este que ocupa do norte até o sudeste brasileiro. Estudos indicam que as condições deixadas, principalmente por áreas afetadas pelo fogo, são propícias para a proliferação da grama das pastagens – uma espécie invasora introduzida pela pecuária – e até para a formação de áreas arenosas.
Um problema global
Não se sabe estimar ao certo o que essas mudanças em um bioma tão importante pode causar no resto do mundo. Há especialistas que dizem que mudanças climáticas decorrentes da destruição da Amazônia podem afetar ambientes tão distantes quanto a Groenlândia ou a Escandinávia.
De qualquer forma, não é preciso ir longe para ver as populações afetadas. Em 2015, o Sudeste já passou por uma seca histórica, altamente influenciada pela escassez de umidade proveniente da floresta ao norte. Diretamente na região, as mudanças podem gerar milhões de refugiados climáticos.
Em frente a todo esse desastre ambiental Gatti cita o compositor Jorge Ben Jor e pergunta como isso pode acontecer em um “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza?”
O artigo de Gatti está disponível na revista Nature e uma matéria sobre suas descobertas e implicações foi publicada no New York Times.
Fonte: Nature; New York Times