Steve Jobs começava a "matar" o Flash há 14 anos
Por Ricardo Syozi • Editado por Douglas Ciriaco |
No dia 29 de abril de 2010, o cofundador da Apple Steve Jobs divulgou um texto opinativo em que deixava claro seus pensamentos sobre o Flash — tecnologia de reprodução de mídia da Adobe capaz de manipular gráficos vetoriais para diversos propósitos e que fez muito sucesso nos anos 2000. No texto chamado "Thoughts on Flash" ("Pensamentos sobre o Flash", em tradução direta), Jobs fazia uma espécie de chamado ao fim do Flash e, a partir daí, o plugin passou a ser cada vez mais colocado de lado até ser aposentado em dezembro de 2020.
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Jobs contra o Flash
Em 2007, o primeiro iPhone chegou ao mercado seis anos depois do lançamento da primeira versão do iPod. Em janeiro de 2010, a Apple anunciou o iPad, que marcaria presença nas lojas pouco mais de dois meses depois. Os três dispositivos seriam cobiçados por inúmeras pessoas ao redor do mundo, mas nenhum deles trazia suporte para um dos plugins mais utilizados nos computadores da época: o Flash.
No texto publicado no fim de abril de 2010, o então CEO da Maçã explicou os motivos de a companhia de Cupertino não aderir à plataforma da Adobe — sem saber o que iria desencadear, Jobs foi direto ao ponto.
“O Flash foi projetado para PCs que usam mouses, não para telas sensíveis ao toque que usam os dedos”, cravou. “A revolucionária interface multitoque da Apple não usa mouse. A maioria dos sites em Flash precisaria ser reescrita para suportar dispositivos baseados em toque. Se os desenvolvedores precisam reescrever seus sites em Flash, por que não usar tecnologias modernas como HTML5, CSS e JavaScript?”, questionou o controverso cocriador da Apple.
Para Jobs, a verdade é que a era do Flash estava ficando para trás e algo novo já havia surgido para tomar seu lugar.
“O Flash foi criado durante a era do PC — para PCs e mouses. É um negócio de sucesso para a Adobe e podemos entender por que eles querem levá-lo além dos PCs. Mas a era móvel gira em torno de dispositivos de baixo consumo de energia, interfaces sensíveis ao toque e padrões abertos da Web — áreas onde o Flash fica abaixo do esperado”, ressaltou o executivo.
Flash já foi o maioral
O plugin nasceu no início da década de 90 como um software da extinta empresa FutureWave. No fim de 1996, a companhia foi comprada pela (também extinta) Macromedia, que oficializou o nome “Flash” para o produto. Em 2005, a Adobe comprou a Macromedia e finalmente rebatizou a ferramenta para seu nome que durou até o fim de sua vida.
Foram anos dominando os computadores e a internet, oferecendo sites com banners e menus animados, além de jogos e animações pela web. Houve até uma época que diversos CDs de música traziam opções interativas feitas com Flash que poderiam ser acessadas em um computador.
No entanto, a transição para o mundo móvel dos celulares inteligentes exigia algo que o Flash não podia entregar: modernidade. E foi esse o ponto mais batido por Steve Jobs no artigo publicado no site da Maçã em 29 de abril de 2010.
“A Adobe disse repetidamente que os dispositivos móveis da Apple não podem acessar a ‘web completa’ porque 75% dos vídeos na web estão em Flash”, afirmou o criador do iPhone na época. “O que não dizem é que quase todo esse vídeo também está disponível em um formato mais moderno, H.264, e pode ser visualizado em iPhones, iPods e iPads”, cutucou.
Além disso, como o mercado de aparelhos móveis crescia, era necessário oferecer produtos com baterias competentes e softwares que não forçavam tanto os gadgets — outro detalhe apontado por Jobs.
“O vídeo em quase todos os sites em Flash atualmente requer um decodificador de geração mais antiga que não é implementado em chips móveis e deve ser executado em software”, escreveu o executivo. “Para obter uma bateria de longa duração ao reproduzir vídeo, os dispositivos móveis devem decodificar tudo em hardware”, finalizou.
Ou você morre herói, ou vive o bastante para se tornar o vilão
É inegável que o Flash foi de grande importância na internet por muitos anos, mas após a publicação do artigo do cofundador da Apple as coisas realmente começaram a ruir. Para piorar, diversas falhas de segurança envolvendo o plugin no Windows e no macOS aumentaram as críticas de todos os lados.
Curiosamente, no artigo “Pensamentos sobre o Flash”, Jobs também menciona a questão da segurança. “A Symantec [antiga empresa de segurança de internet] destacou recentemente o Flash por ter um dos piores registros de segurança em 2009”, começa o empresário. “Também sabemos em primeira mão que o Flash é o principal motivo do travamento dos Macs. Temos trabalhado com a Adobe para corrigir esses problemas, mas eles persistem há vários anos”, completou.
A Adobe segurou a ferramenta como pôde, mas as crescentes críticas, surgimento de problemas e a evolução de padrões como o JavaScript, HTML5 e CSS, acabaram afundando ainda mais o Flash. Em 2011, a Adobe anunciou que deixaria de desenvolver o Flash para celulares e em 2017 revelou que ele só teria mais três anos de suporte em qualquer plataforma — em dezembro de 2020, a empresa lançou a última versão do plugin.
Steve Jobs deu o primeiro passo para matar o Flash?
Colocar toda a queda do Flash nas costas de Steve Jobs pode parecer exagerado, mas que o antigo CEO da Apple tinha razão em quase tudo a respeito do plugin, não tem como negar.
A verdade é que a ferramenta da Adobe simplesmente estava ficando ultrapassada e já oferecia riscos aos computadores, e é exatamente por isso muitas pessoas comemoraram o fim do Flash. Além disso, o plugin da Adobe começou a ser um entrave para a consolidação dos celulares com tela sensível ao toque — e hoje é possível notar que a ausência do Flash abriu espaço para tecnologias superiores e muito mais dinâmicas, como o HTML5.
Apesar de ter sido removido do site da Apple, o texto pode ser lido na íntegra (em inglês) por meio do web.archive.org.
Colaborou: Bruno de Blasi.