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O que teria acontecido com os 96 sacos de excrementos deixados na Lua pela NASA?

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"Quem foi que disse que eles podem vir aqui, nas estrelas, fazer xixi?", já questionava Guilherme Arantes na música Xixi nas Estrelas, mesma em que ele diz que "se eles pensam que podem fazer aqui em cima o que fazem na Terra, estão redondamente enganados". Bom, parece que redondamente enganado estava mesmo o autor da ilustre canção, pois, além de deixarem pegadas na superfície lunar, os astronautas das missões Apollo também fizeram xixi e cocô na Lua. E agora, cinco décadas depois, precisamos buscar 96 sacos de excrementos para descobrir o que aconteceu com eles após todo esse tempo.

Charlie Duke, da Apollo 16, passou 71 horas na Lua em 1972. Ele mesmo confirmou recentemente que sua tripulação deixou resíduos para trás: "Fizemos. Deixamos a urina que foi coletada em um tanque, e acredito que tivemos alguns rejeitos intestinais — mas não tenho certeza — que estavam em um saco de lixo", conta. Ele explica, contudo, que depositaram ali o lixo pensando que tudo seria higienizado pela ação da radiação solar. "Eu ficaria realmente muito surpreso se alguma coisa sobrevivesse", disse — e, de qualquer maneira, trazer esses sacos de lixo na viagem de volta à Terra não seria uma opção.

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"Missões lunares foram projetadas com muito cuidado, e o peso era um problema muito grande. Então fazia sentido, se você pegasse pedras da Lua, que também quisesse descartar coisas que não seriam necessárias, para aumentar sua margem de segurança", explica Andrew Schuerger, cientista de vida espacial da Universidade da Flórida e coautor de um artigo sobre a viabilidade de haver micróbios sobreviventes na Lua.

Alguma bactéria fecal poderia ter sobrevivido?

Essa é a pergunta de "um milhão de dólares", algo que será respondido dentro de alguns anos quando a NASA voltar a levar pessoas para a Lua. Embora a ideia de se coletar cocô de astronauta feito há décadas só para ver se alguma bactéria sobreviveu ali possa parecer algo bobo, a verdade é que esse estudo fornecerá insights importantes sobre as condições extremas que a vida é capaz de suportar.

Outra questão envolvida é sobre o potencial humano de contaminar outros corpos celestes, seja para o mal, seja com o intuito de semear vida espaço afora. E essas questões são suficientes para que, quando voltarmos à Lua, analisemos tais amostras.

É verdade que as chances de que algo tenha sobrevivido nos excrementos deixados na Lua são pequenas. Afinal, a Lua não possui campo magnético para protegê-la contra a radiação cósmica, não possui camada de ozônio para absorver raios ultravioleta do Sol, e o vácuo lunar é inóspito para a vida. Sem atmosfera, a Lua ainda sofre variações imensas de temperatura entre o dia e a noite, com sua superfície registrando temperaturas de 100 graus Celsius de dia, caindo para -173 ºC à noite, sendo que a noite lunar dura duas semanas terrestres.

Mas, ainda que a maior chance seja de que a combinação de radiação e extremas temperaturas tenha matado todos os micróbios nos sacos de lixo, Schuerger diz que há uma "pequena probabilidade" de que alguma bactéria mais resistente tenha sobrevivido. Margaret Race, bióloga do Instituto SETI, concorda: "os micróbios não precisam ter muita proteção", disse.

"Nós ainda não temos uma definição de vida que diga 'nunca pode ir além dessa temperatura, além dessa salinidade, além desse nível ácido'. Toda vez que olhamos lugares [na Terra], encontramos a vida", disse Race. E é verdade que, aqui em nosso planeta, a vida bacteriana floresce e prospera em lugares que, à primeira vista, não abrigariam vida alguma, incluindo os pontos mais baixos do fundo do oceano, em fontes de calor escaldante e milhares de quilômetros abaixo de geleiras.

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Contudo, sem umidade, bactérias não podem se replicar. Para que o ambiente selado permanecesse úmido por todo esse tempo, o lixo humano teria de ter sido embalado muitíssimo bem e, para que qualquer vida que ali tenha se reproduzido continuasse viva por todo esse tempo, os sacos teriam que estar intactos até hoje — o que pode não ter acontecido dada as variações de temperatura na Lua, que podem ter causado rasgos na sacola pelas forças mecânicas envolvidas com o aquecimento e o resfriamento. Além disso, quando as bolsas foram expostas ao Sol, não se sabe quais as temperaturas internas registradas ali. Se esses valores máximos forem de 100 graus Celsius, "as bactérias provavelmente sobreviveriam apenas alguns dias ou semanas na Lua", conforme explica Schuerger.

Ainda assim, na visão de Mark Lupisella, cientista da NASA, mesmo que toda a vida nos sacos de resíduos intestinais deixados pelos astronautas já esteja morta há muito tempo, o estudo segue válido, pois dessa maneira a ciência pode descobrir quanto tempo os micróbios em questão viveram na Lua, e se eles evoluíram ou conseguiram se adaptar ao ambiente. Quer dizer, é uma ideia um tanto quanto exagerada, mas não impossível — a de que a seleção natural tenha agido e, em cinquenta anos, os microorganismos possam ter evoluído ali para conseguir sobreviver.

Além disso, há sempre a possibilidade de que alguns micróbios mortos sejam ressuscitados. Depois de décadas de dormência, alguns deles podem ser trazidos de volta à vida nas condições adequadas para tal, lembrando que esporos bacterianos no Ártico foram revividos após milhares de anos congelados.

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E, bem, se a vida microbiana sobreviveu na Lua, mesmo em um estado dormente, isso pode significar que micróbios são capazes, sim, de sobreviver por longos períodos no espaço, o que significa que a vida seria teoricamente capaz de viajar entre diferentes mundos e se propagar ao longo do caminho. "A vida simples pode se espalhar pelo cosmos ou precisa esperar bilhões de anos até que existam espécies tecnológicas para espalhá-la? Essa é apenas uma de muitas questões científicas importantes que tentaremos responder quando voltarmos à Lua", disse o cientista planetário Phil Metzger.

Preservando artefatos históricos deixados na Lua — incluindo cocô de astronauta

Para além da necessidade de coletarmos e estudarmos algumas dessas sacolas de fezes deixadas na Lua pelos astronautas, há também a necessidade de se preservar artefatos históricos deixados por lá nos locais de pouso das naves do programa Apollo. Estima-se que um pouso a menos de 100 metros de um sítio de pouso da Apollo já poderia danificar os equipamentos que ali estão, por sinal.

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E, por mais absurdo que pareça, proteger a história da exploração humana na Lua também significa proteger o lixo deixado por astronautas, que não somente tem valor histórico, como científico. Na superfície lunar, as seis missões Apollo que contaram com o pouso de pessoas na Lua deixaram mais de 100 itens artificiais, desde as bolsas de excrementos até homenagens a cosmonautas russos.

Entre tudo o que a humanidade já deixou na Lua, estão coisas como: mais de 70 naves (incluindo rovers, módulos de pouso e orbitadores acidentados), 5 bandeiras dos Estados Unidos, 2 bolas de golfe, 12 pares de botas, câmeras de TV, revistas de cinema, martelos, mochilas, mantas isolantes, toalhas utilitárias, lenços umedecidos, kits de higiene pessoal, embalagens vazias de alimentos, uma fotografia da família do astronauta Charles Duke, uma pequena escultura de alumínio (feita em homenagem aos "astronautas caídos" americanos e soviéticos que morreram na Corrida Espacial), um patch da missão Apollo 1 (que não chegou a ser lançada por ter se queimado durante um treinamento, matando os três astronautas da missão), um disco de silício com mensagens de boas vindas de 73 líderes mundiais, um pino de prata do astronauta Alan Bean, uma medalha homenageando os cosmonautas Vladimir Komarov e Yuri Gagarin, e um ramo de oliveira dourado — além de, claro, as 96 bolsas contendo urina, fezes e vômito.

*Esta matéria foi originalmente publicada em 03/04/2019, sendo atualizada e republicada em 10/06/2020

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Fonte: Vox, Trash on the Moon