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Gargantua | Como o buraco negro de Interestelar foi feito?

Por| Editado por Patricia Gnipper | 30 de Outubro de 2022 às 17h00

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Warner Bros. Pictures
Warner Bros. Pictures

O buraco negro Gargantua, do filme de ficção científica Interestelar, não chegou às telas do cinema em sua versão mais realista, mas houve um bom motivo para isso: oferecer a melhor experiência ao público. Mesmo assim, a equipe de efeitos visuais produziu um buraco negro extremamente realista.

O estúdio de efeitos visuais de Interestelar é o DNEG, responsável pela computação gráfica de filmes como Inception, Blade Runner 2049 e Duna. O cientista-chefe do estúdio, Oliver James, é graduado em física na Universidade de Oxford, mas o trabalho de entender a física dos buracos negros não foi fácil para ele.

Por isso, ele procurou o cosmólogo Kip Thorne, do Caltech. Eles trocaram cerca de 1.000 e-mails sobre a curvatura do espaço, a trajetória da luz ao redor de buracos negros, e incluía equações e formalismo matemático. Tudo para aplicar no código do simulador de buraco negro.

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Os desafios não eram apenas matemáticos, muito menos “acertar” no formato do disco de acreção do buraco negro. Muitas imagens feitas por cientistas e artistas ilustram bem esses objetos, como a simulação abaixo, feita por pesquisadores da NASA. Porém, um filme pensado para ser reproduzido em telas IMAX exige muito mais.

Nem mesmo a tecnologia mais atual da época estava à altura da tarefa. As imagens das estrelas, por exemplo, piscavam quando ampliadas para a resolução de 23 milhões de pixels de telas IMAX. Então, tiveram que criar um modelo de simulação totalmente novo: o DNGR (Renderizador Gravitacional Duplo Negativo).

O DNGR é uma implementação completa das equações da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein em 40.000 linhas de programação. Ele renderizou milhares de quadros IMAX de 23 megapixels usando 32.000 núcleos de processamento. Foi preciso cerca de 20 horas-núcleo (medida de tempo computacional) para cada quadro dos vídeos.

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Nas simulações astrofísicas, os cientistas buscam um rendimento rápido, por isso a resolução nem sempre é o principal objetivo. Muitas vezes, os pesquisadores deixam partículas aparecerem, já que o importante é ver como a matéria interage entre si e com a gravidade.

Mas, para o filme, o público precisaria de uma resolução muito maior para se sentir imerso naquele cenário, voando sobre o disco de acreção e caindo no buraco negro junto com o protagonista. Por isso a imagem que entrou no filme não foi a mais precisa cientificamente.

As versões do Gargantua de Interestelar

Christopher Nolan, o diretor e co-roteirista de Interestelar, e Paul Franklin, o supervisor de efeitos visuais, estavam comprometidos em tornar o filme o mais cientificamente preciso possível. Essa versão realmente foi produzida, mas não chegou às telas.

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No buraco negro do filme, o anel brilhante de matéria sendo puxado ao redor do buraco negro foi criado em um estágio mais inicial e apresenta um design muito simétrico e tons avermelhados.

Já na versão final (não exibida no filme), a equipe considerou que os efeitos de dilatação do tempo que o filme descreve exigiam do Gargantua uma rotação muito rápida. Ao aplicar essa rotação, a matéria do disco foi arrastada para um dos lados do Gargantua, formando uma imagem assimétrica.

A cor da luz para o observador também mudou, devido ao chamado efeito Doppler (quando um comprimento de onda da luz muda em relação ao observador porque a fonte está se movendo). Nolan não gostou do resultado, pois achou que a assimetria poderia confundir o público.

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"Nós nos baseamos na ciência, mas sempre damos o controle para que os artistas possam mudá-lo", disse James. "As primeiras imagens que demos [ao diretor Christopher Nolan] não tinham o efeito Doppler [ou seja, eram avermelhadas], e acho que ele se apaixonou por elas."

Houve ainda outra alteração: os efeitos de difração da luz produzidos por uma câmera. Como o público de cinema está acostumado a ver cenas que foram realmente filmadas por câmeras de verdade, os efeitos visuais também devem dar essa sensação para não “quebrar” a continuidade.

Assim, Nolan pediu que a simulação incluísse efeitos que simulassem os reflexos de lentes (lens flares) das câmeras IMAX. No total, foram gerados quase 800 TB de dados. Para simular o fundo estrelado, foram usados o catálogo de estrelas Tycho-2 da Agência Espacial Europeia (ESA) contendo cerca de 2,5 milhões de estrelas.

Por que fotos reais de buracos negros são diferentes?

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Quando a equipe do Event Horizon Telescope (EHT) divulgou a primeira foto de um buraco negro chamado M87*, uma parte do público esperava algo parecido com o buraco negro de Interestelar e se decepcionou um pouco: a imagem era “borrada” e sem muitos detalhes.

Mas não se engane, pois a foto condiz com as previsões dos cientistas — as mesmas que foram usadas para o software DNGR. Algumas diferenças são notáveis, mas as principais são por um simples motivo de posicionamento.

No caso do Gargantua, havia uma fina faixa luminosa em torno do centro da sombra do buraco negro, mas não vemos isso no M87*. O motivo é que na foto real estamos olhando um buraco negro de cima, ou menor, observamos um de um dos pólos.

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Em outras palavras, é uma questão de ângulo. Para ver a faixa atravessar o círculo escuro, teríamos que observar o M87* sua linha do equador. É como se estivéssemos olhando para os anéis de Saturno de cima para baixo, e não de frente.

Outra diferença é que o M87* parece ser torto, com mais luz (matéria em forma de plasma) aparentemente mais volumosa na parte inferior da imagem. O motivo é que o buraco negro provavelmente está girando, arrastando consigo o material em órbita e o próprio espaço-tempo.

Esse arraste faz com que o material que se move em nossa direção pareça mais brilhante, enquanto o material que se afasta de nós parece mais escuro. Foi exatamente isso o que aconteceu com as renderizações mais realistas do Gargantua, mas como ele estava em outro ângulo, a visão é diferente.

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Por fim, a diferença mais notável é, claro, devido à resolução da imagem. Enquanto Gargantua foi simulado como algo extremamente próximo da câmera, os telescópios usados pelo EHT registraram um buraco negro localizado a mais de 53 milhões de anos-luz de distância.

Na verdade, essa foto demonstra uma capacidade sem precedentes de a humanidade capturar imagens de algo que nunca foi visto antes. E o EHT repetiu a façanha ao fotografar também o Sagittarius A*, buraco negro supermassivo localizado no centro da Via Láctea.

Fonte: IOP Scince; via: CERN Courier, The Verge, New Scientist