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Crítica Um Clássico Filme de Terror | Você já viu esse filme, só que não

Por| Editado por Jones Oliveira | 15 de Julho de 2021 às 21h00

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Estou socrática hoje, então vou propor uma pergunta que não responderei, mas que pode guiar a experiência cinematográfica de Um Clássico Filme de Terror — e, a depender da sua curiosidade, pode ser uma questão para toda a vida: Por que assistimos filmes? Especificamente para este caso, podemos desdobrar a reflexão em outros questionamentos como “o que é cinema?”, “qual é o papel do cinema na sua vida?”, “como você se coloca diante de um filme?”, “cinema é apenas diversão ou uma obra de arte profunda e complexa?”.

Mais de um século de teoria do cinema e mais de dois milênios de teoria da arte não serão respondidos em uma crítica, claro, mas isso tudo é muito imprescindível para notarmos que nossa relação com a arte não é de simples consumo, mas uma troca, mais ou menos como um diálogo. Um Clássico Filme de Terror evoca tudo isso, mesmo que possa soar como mais um terror “jovem”, besta e esquecível da Netflix. Penso, no entanto, que a plataforma de streaming tem se firmado no gênero da mesma forma como falamos dos monstros da Universal, dos filmes de terror da Hammer, da Shudder ou da Blumhouse. Então por que são tão desprezados?

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Um Clássico Filme de Terror não apenas é ciente de toda essa reflexão, como também explora isso com a leveza da cultura pop, mas sem deixar de demonstrar sua amargura no formato de críticas metalinguísticas que, através da ironia da autodepreciação, questionam a indústria cinematográfica e tentam cativar um público que se parece cada vez menos com o apaixonado rato Remy, assumindo a postura crítica destrutiva do vilão de Ratatouille. Nesse cabaré filosófico-mainstream, penso que crítica cinematográfica pode tentar surtir o efeito que o prato de ratatouille tem Anton Ego na animação da Disney.

Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

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Bloodflix

As grandes obras-primas são geralmente chamadas assim pela virtuose do artista ou pela sua resistência ao tempo. Não podemos exigir, no entanto, que grandes obras-primas sejam feitas o tempo todo (muito menos no ritmo das estreias da Netflix), sobretudo porque muitas delas são acidentais, independentemente do grau de trabalho e estudo empregado.

Além disso, nem toda grande obra cinematográfica precisa ser um épico requintado e, acredito, Sharknado é tão obra-prima do trash de tubarão quanto a Monalisa é uma obra-prima do Renascimento Italiano. Entre fãs do terror de Dario Argento (Suspiria), Wes Craven (Pânico), Robert Eggers (A Bruxa), Ari Aster (Midsommar) e, sobretudo Sam Rimi (Evil Dead), é difícil não imaginar Um Clássico Filme de Terror como uma obra-prima do gênero.

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Mas nem todo mundo é fã nesse nível. E está tudo bem. Mas é aí que o roteiro tenta quebrar as atitudes destrutivas habituais do público que converte não-entendimento em ódio: a arte demanda do seu espectador (assim como do artista) tempo, dedicação e empatia. O bom-senso de julgar apenas depois de ver o filme todo também é evocado, nos fazendo lembrar que imagens fora de contexto nos dizem muito pouco sobre a verdadeira essência da obra.

Tudo isso está na brevíssima sequência (meio) pós-crédito de Um Clássico Filme de Terror, em uma crítica metalinguística que acerta em cheio na consciência do espectador Netflix, enquanto dá uma última chance para que o hater reconsidere suas críticas. Ainda que tenha o tom jocoso da ironia, a sequência parece coroar o pavio curto dos realizadores que já estão cansados de trabalhar tanto para ver seus trabalhos serem descartados antes mesmo de terem a chance de provar que têm algo a dizer (e mesmo Ed Wood, considerado o pior diretor de todos os tempos, tinha algo a dizer). Entre os ingredientes desse maravilhoso tiramisù de feira cinematográfico, o excelente uso do recurso screen-life, o filho Geração Z do found footage.

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Mais gialli e slashers

Aqui no Canaltech, comentamos com frequência sobre como os filmes de terror da Netflix têm apresentado um padrão, com uma estética e uma trama que frequentemente revisitam os giallos italianos e os slashers estadunidenses com um toque de Stranger Things, série original da plataforma que mostrou o apelo sério-mas-não-tão-sério das produções Bloodflix (como podemos começar a chamar essa corrente do terror a partir da excelente sugestão meio debochada de Um Clássico Filme de Terror).

O anúncio da Trilogia Rua do Medo mostrou que 1994, 1978e 1666 tinham a potência de um novo Pânico, mas infelizmente algo aconteceu e, no terceiro filme, o maravilhoso pastiche que se construía desanda nas mãos da diretora Leigh Janiak, enquanto Um Clássico Filme de Terror traz em uma única obra tudo o que os três filmes Rua do Medo se propuseram a fazer: homenagear a retroalimentação do giallo italiano e do slasher estadunidense, enquanto faz uma análise (auto)crítica e metalinguística do formato, nos moldes dos ensinamentos de Pânico.

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Enquanto Janiak parece focar muito mais na atualização dos estereótipos do slasher, usando a crítica metalinguística para nos fazer refletir sobre a relação entre espectador e os estereótipos dos personagens, Um Clássico Filme de Terror brinca com isso e consegue ser um giallo/slasher ainda mais relevante para o público contemporâneo. Juntas, duas obras elevam bastante o nível da discussão e aumentam a responsabilidade dos diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, que assumem a franquia Pânico a partir do novo filme.

Com um pé cimentado em Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio, Um Clássico Filme de Terror reverencia a raiz e chega a citar Sam Raimi, mas estende suas referências e insere os pastiches de filmes como A Bruxa, Maria e João: O Conto das Bruxas e Midsommarcomo 1666 não conseguiu fazer. O diretor Roberto De Feo vai além das referências mais clássicas e faz uma referência à icônica sequência de Damiano (Carlos Francisco) em Bacurau.

Imprevisível

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Essa constante reciclagem que existe no terror é uma importante ferramenta de análise de diversos aspectos da nossa cultura através dos tempos. Quando repetimos formatos, como a clássica história de um grupo de jovens que acabam presos na floresta, ao longo de décadas, podemos entender melhor como funciona o fluxo em que a arte imita a vida e a vida imita a arte.

Podemos invocar (mais uma vez!) o manual de Pânico para pensar também como esse processo ajuda a acabar com o clichê: a sensação de déjà vu é constante em Um Clássico Filme de Terror, mas raramente isso nos revela o que vem a seguir. Quando um filme se assume como um grande pastiche, os clichês que colecionamos ao longo de toda uma vida de histórias fictícias se aglomeram na nossa mente e começamos a brincar de “qual será o clichê escolhido”, fazendo com que o clichê perca a sua essência e se torne um elemento de imprevisibilidade. Não raramente, porém, Um Clássico Filme de Terror consegue ser ainda melhor que isso, propondo novos clichês para os conjuntos de expectativas.

Quem já viu O Segredo da Cabana (2011) pode antecipar com certa facilidade o plot twist de que tudo é um filme dentro de um filme. Ainda assim, lá no início, a direção consegue manter muito bem a sensação de que há algo metafísico, sobrenatural, místico ou paranormal acontecendo por ali.

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Logo no início, quando entendemos que é mais um filme de pessoas sendo massacradas no mato, a história toma rumos bastante originais ao inserir, por exemplo, a ideia da estrada que desaparece, obrigando as vítimas a se abrigarem na cabana estranha, o que nos demais filmes os jovens costumam fazer voluntariamente, testando o bom senso do espectador.

Um Clássico Filme de Terror é um tremendo filme de terror. Nesse ponto, a Bloodflix já não tem mais nada a provar, ainda que tenha muito a ser desenvolvido e, com isso, fica nas mãos dos espectadores a responsabilidade com a arte alheia e a curiosidade de conhecer e refletir. Numa releitura do pensamento de Wes Craven, já podemos ver como o terror é capaz de tornar a filosofia algo pop e divertido.

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Um Clássico Filme de Terror está disponível no catálogo da Netflix.