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O que muda para os heróis da DC com a fusão da Warner com o Discovery?

Por| 24 de Abril de 2022 às 11h00

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Warner Bros Discovery
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Na semana que passou uma notícia caiu como uma bomba no mercado do entretenimento: a AT&T, que havia comprado em 2016 o grupo Time Warner da America Online por US$ 85,4 bilhões (R$ 410 bilhões), desistiu de seus planos ambiciosos de desbancar a Netflix e o Disney+ com o HBO Max. A gigante das telecomunicações vendeu parte de seus ativos, principalmente as propriedades de super-heróis ligadas à WarnerMedia, para o conglomerado Discovery, pela “bagatela” de US$ 43 bilhões (R$ 206 bilhões), segundo a Variety.

A negociação envolve todas as propriedades de conteúdo de entretenimento da Time Warner: New Line Cinema, Time Inc., Turner Broadcasting System, The CW, Warner Bros, The CW4Kids, Cartoon Network, Boomerang, Adult Swim, CNN, DC Comics, Warner Bros Interactive Entertainment, Castle Rock Entertainment, Picturehouse, Warner Premiere, Warner Independent Pictures, Esporte Interativo, Crunchyroll, Hanna-Barbera e, principalmente, HBO — claro, com tudo que já está no HBO Max.

Segundo as informações de mercado, os acionistas da AT&T ainda detêm 71% de cotas da nova empresa, enquanto os investidores da Discovery possuem 29% do bolo. “Mas espere, não seria um mau negócio para a AT&T, já que a transação foi de praticamente metade do preço pelo qual ela comprou as propriedades?”

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Aí é que entra o objetivo da negociação: a AT&T, que entende muito de telecomunicações, mas não é experiente com produção de conteúdo e os corredores do entretenimento, decidiu deixar a WarnerMedia nas mãos de quem manja mais disso. O CEO David Zaslav, que já havia feito história na NBC, levou os braços de conteúdo do Discovery Channel de posições coadjuvantes em 2006 para o topo do mercado nos últimos dois anos.

Com essa mudança, a AT&T projeta uma receita de US$ 54 bilhões (R$ 259 bilhões) no final do próximo ano — o que ajudaria bastante a diminuir a grande dívida adquirida pela gigante das telecomunicações na última década.

AT&T paga o preço da Warner Bros Discovery por estratégias inconsequentemente agressivas

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Para entender melhor a negociação e o que vai mudar com isso, é preciso compreender como chegamos até aqui. Já expliquei bem o que aconteceu até o início do ano na matéria que detalha como a Liga da Justiça de Zack Snyder expôs uma guerra interna na Warner, como consequência de mudanças drásticas resultantes de decisões questionáveis da AT&T.

Mas, resumidamente, a AT&T, após aquisição da Time Warner e da DirecTV chegou a gastos com um montante na casa dos US$ 170 bilhões (R$ 816 bilhões) . As diretrizes iniciais traçadas pelos diretores que comandavam os grupos adquiridos não se alinhavam com as metas agressivas traçadas pelo conglomerado, que, além de pagar as dívidas, ainda precisavam lucrar e manter a alta competitividade com sua maior concorrente no setor de telecomunicações — diferente da AT&T, a Verizon não assumiu grandes riscos e manteve uma posição mais confiável e atraente frente aos investidores.

Com uma meta agressiva e uma estratégia um tanto caótica e impopular, a AT&T trocou o então CEO da HBO, Richard Pepler, por John Stankey, que, embora fosse veterano entre executivos do ramo das telecomunicações, não tem em seu currículo um amplo domínio do mercado de mídia e entretenimento.

Em 2019, Stankey trouxe Jason Kilar, que esteve por trás do lançamento do Hulu, para comandar a construção do streaming HBO Max. Já nessa manobra, uma polaridade começou a ficar cada vez mais evidente no conglomerado, pois o pessoal que há anos estava envolvido com os trabalhos da Warner Bros, DC Films, DC Comics, Warner Bros Interactive e DC Universe viram com maus olhos essa mudança de poder.

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Houve um grande enxugamento do quadro de executivos, inclusive de veteranos, de todas as subsidiárias. Vários chefes de setor, gerentes e outros profissionais de cargos elevados foram demitidos, a exemplo do coeditor-chefe da DC Comics, Dan Didio. E isso aconteceu com bastante gente.

O pessoal que sobreviveu ao “passaralho” começou a questionar as ações da nova WarnerMedia e as estratégias ligadas ao HBO Max. Um exemplo disso foram os anúncios de séries como a dos Lanternas Verdes ou da Liga Justiça Sombria sem um alinhamento detalhado com o reposicionamento em curso que vinha sendo orquestrado por Walter Hamada, presidente da DC Films, que vem conseguindo colocar as produções de super-heróis nos trilhos nos últimos anos.

O sinal verde dado pela WarnerMedia para a Liga da Justiça de Zack Snyder foi emblemático nesse episódio. Hamada já havia descartado de forma veemente a nova versão pela DC Films e foi surpreendido pelo investimento liberado por Kilar, que buscava desesperadamente por uma produção headliner para competir com flagships concorrentes, a exemplo de Stranger Things ou The Mandalorian, na Netflix e no Disney+, respectivamente. A “cereja do bolo” para esse desencontro foi o desalinhado anúncio de estreias simultâneas de blockbusters no streaming e cinemas, que começavam a se recuperar da pandemia.

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Além disso, a AT&T começou a rever ativos para vender ou descontinuar. Foram os casos da divisão de games Warner Bros Interactive, que chegou a ser oferecida no mercado, mas foi mantida por conta de anúncios que aumentaram o preço de suas ações e projeção de crescimento, a exemplo do título de mundo aberto de Harry Potter e de jogos envolvendo a “Batfamília” e o Esquadrão Suicida; e do streaming de quadrinhos DC Universe, que teve suas principais atrações absorvidas pelo HBO Max.

A busca da Warner Bros Discovery por um “Kevin Feige da DC”

Segundo informações da Variety, a primeira grande missão de Zaslav seria encontrar um “czar criativo e estratégico” com o perfil do chefão da Marvel Entertainment, Kevin Feige. Alguém que compreenda bem os personagens e estilo de histórias da DC; que tenha um bom trânsito nos corredores de Hollywood e dialogue constantemente com criadores da DC Comics e com atores, produtores e diretores da Warner Bros e WarnerMedia.

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Ou seja, alguém que possa reunir os criadores, propriedades e histórias em um universo compartilhado semelhante ao da Marvel, mas com o DNA da DC. E isso não tem somente a ver com o conteúdo mais coeso, interessante e divertido; tem como principal objetivo a conversão em números: cada filme da Casa das Ideias tem gerado bilhões de dólares em bilheteria de cinema e compras digitais, além de milhões de adesões ao Disney+ e Star+.

Vale destacar que no projeto embrião da DC Films a Warner Bros até tentou encontrar no roteirista e produtor Geoff Johns o seu próprio "Feige da DC" . Mas a falta de experiência de Johns e a pouca autonomia cedida para ele não ajudaram muito. Assim, ele preferiu colocar o DNA da DC em filmes e séries de forma mais discreta, atuando como escritor, produtor e consultor do conteúdo decenauta que vai para as telinhas e telonas — e continua atuando nos textos de quadrinhos da DC Comics.

O problema dessa busca de Zaslav é que o perfil de Feige é muito específico. Veja, bem, o chefão da Marvel Entertainment foi assistente de produção de todas as primeiras adaptações de quadrinhos do começo dos anos 2000, a exemplo dos X-Men da Fox e dos Homem-Aranha da Sony, além de Motoqueiro Fantasma, Demolidor e outros filmes que não deram certo. Então, Feige aprendeu com o tempo o que não funcionou nas telonas.

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Some a isso ao fato de Feige conhecer bem os corredores de Hollywood e ter um bom trânsito na Marvel Comics. Ou seja, ele tem um bom diálogo com os criadores de quadrinhos e com os atores e diretores de filmes e séries. Isso facilita bastante na construção de um universo conectado em várias mídias, que exige o esforço conjunto e a retroalimentação de ideias em todos os setores.

Para completar, Feige é, acima de tudo, um fã dos quadrinhos da Marvel. Ele conhece a fundo cada personagem e a história da editora. Ele está bastante conectado com o que os leitores gostam e também está bem ciente das opiniões de quem tem acompanhado o Universo Cinematográfico Marvel (MCU) até agora.

Segundo a Variety, o nome preferido de Zaslav para essa função é Emma Watts, executiva que esteve na Fox entre 1998 e 2000 supervisionando produções de sucesso, a exemplo de Noite no Museu, Avatar, Deadpool e Logan. Desde 2000, ela tem sido a chefe da divisão de filmes da Paramount. Embora ela tenha um currículo invejável, não dá para dizer que ela possa ser o “Feige da DC”, justamente porque ela não tem o básico de Feige, que é ter essa conexão profunda com a divisão de quadrinhos.

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Desafios da Warner Bros Discovery

Em um primeiro momento, a maior joia de Zaslav é manter o bom trabalho de Hamada e evitar o conflito com o que o atual presidente da DC Films vem fazendo. Hamada impôs projetos mais sustentáveis e lucrativos nos últimos anos, além de ter conseguido expandir o Multiverso da DC nas telonas.

Atualmente, nas mãos de Hamada, nenhum projeto começa a ser rodado sem um orçamento realista, roteiros prontos, equipes de produção alinhadas e datas de lançamento. O sucesso de Coringa e do novo Batman; a continuidade de franquias que vêm dando certo, a exemplo de Mulher-Maravilha, Aquaman, Shazam (incluindo Adão Negro) e Esquadrão Suicida; e até o desmembramento desses blockbusters em séries, como Peacemaker e as vindouras séries derivadas do novo filme do Homem-Morcego no HBO Max, como Gotham Central e Pinguim, estão atrelados ao bom trabalho de Hamada.

Zaslav quer explorar ainda mais personagens e títulos de pouca expressão nos quadrinhos que tenham potencial de brilhar nas telonas e telinhas. Portanto, antes de escolher um “Feige da DC”, ele precisa manter o que vem fazendo sucesso — e isso tem tudo a vem com deixar Hamada fazendo bem o seu trabalho.

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O que Zaslav precisa é compreender melhor como lidar com a visão de muita gente que manda na Warner Bros. Veja bem, a Warner é uma companhia centenária que lança dezenas de filmes por ano, enquanto a Marvel Studios tem poucos projetos a cada temporada. Enquanto na Warner muitos dos profissionais envolvidos em cada projeto conta com os funcionários que fazem parte da folha de pagamento do conglomerado, a Marvel contrata cada equipe “sob medida”, para cada produção.

Além disso, vale destacar como a Warner ainda enxerga seus super-heróis. A companhia sempre pôde criar seu Universo Estendido DC (DCEU, na sigla em inglês), desde o início dos anos 2000, quando a Fox e a Sony ainda engatinhavam com X-Men e Homem-Aranha e o Marvel Studios nem existia. Mas a Warner só começou a olhar para a Liga da Justiça quando a série Harry Pottter acabou.

Então, muitos executivos atrelados ao sucesso de Harry Potter continuaram supervisionando os projetos direcionados “ao público infantojuvenil”, que, na visão deles, seriam também os super-heróis da DC. Como sabemos, a franquia do bruxinho nada tem a ver com a mitologia moderna dos quadrinhos da DC. Assim, é preciso mudar essa mentalidade lá dentro.

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O maior desafio de Zaslav no momento é recuperar a franquia do Superman, de repente até trazer Henry Cavill de volta. Não há como conectar um universo compartilhado na DC sem o Homem de Aço. E, em seguida, ele precisa conectar as histórias de Kal-El com o dos ícones que formam a Trindade da DC: é preciso haver uma sinergia com o que acontece com o Superman nas histórias do Batman e da Mulher-Maravilha.

Sem a Trindade, não há como estabelecer um DCEU à altura da Marvel. Os Vingadores atualmente giram em torno do Capitão América, do Thor e do Homem de Ferro. Mas quem conhece os quadrinhos, sabe que a própria equipe nem sempre os teve como líderes e sempre teve diferentes membros; e o Universo Marvel não exige, necessariamente, a trindade da Casa das Ideias como seu motor.

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Um bom começo para Zaslav seria ver — ou rever — todas as principais animações de sucesso da própria Warner. Ali ele pode tirar boas ideias de como recuperar o Superman e criar essa relação da Trindade nos cinemas. Seu trabalho não vai ser fácil. Mas nós, como fãs, estamos torcendo para que ele seja bem-sucedido, afinal, ter um DCEU à altura do MCU é tudo o que quem gosta de super-heróis mais sonha.

Ainda é cedo para dizer exatamente o que muda para os heróis da DC com a fusão da Warner com o Discovery, mas, com todas essas peças na mesa, dá para compreender melhor o que está sendo escrito e quais caminhos estão abertos a um melhor futuro para a Liga da Justiça.