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Matrix ainda é relevante e importante?

Por| Editado por Jones Oliveira | 22 de Dezembro de 2021 às 18h30

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Divulgação/Warner Bros.
Divulgação/Warner Bros.

A chegada de Matrix Resurrections aos cinemas retoma uma discussão que surgiu já durante as celebrações dos 20 anos da série. Afinal, depois de duas décadas desde a sua primeira exibição, a saga de Neo, Trinity e Morpheus ainda segue relevante e importante para os tempos atuais?

A dúvida é pertinente e o fato de ela seguir em aberto por tanto tempo mostra que não há resposta fácil — se é que existe uma. E tudo isso graças ao impacto que Matrixteve não apenas no cinema, mas na cultura como um todo.

Para muito além dos efeitos especiais inovadores ou dos impactos estéticos na cultura que foram para muito além do cinema, a série trouxe à tona questões que não eram nem mesmo pensadas em 1999. Provando ser uma obra à frente de seu tempo, o longa discutia a nossa relação com a tecnologia em um momento em que o mundo nem mesmo entendia direito o que era ser digital.

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Era um debate tão de vanguarda que, não por acaso, a gente começa a perceber agora muitas das situações que Matrix apresentou há duas décadas. Assim, é natural que a gente espere de Resurrections algo tão impactante quanto o longa original. Mas ainda há espaço para isso?

Uma discussão em andamento

É irônica a coincidência de que Matrix retorne aos cinemas no mesmo momento em que estamos discutindo um novo nível de virtualização da vida. Todo o papo de metaverso, NFTs e criptomoedas combina perfeitamente com os questionamentos que a franquia sempre apresentou sobre a nossa relação com a tecnologia.

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Esses exemplos são apenas os mais nítidos do quanto a nossa vida está mesmo se tornando cada vez mais digital, de modo que é totalmente plausível e natural duvidar da realidade das coisas. Afinal, o Bitcoin é dinheiro de verdade se você não pode tê-lo em sua carteira? E qual a lógica de comprar uma obra de arte que existe só no computador e que você tem que acreditar que ela é única porque lhe disseram?

Embora a gente ainda quebre a cabeça para entender as dinâmicas desse metaverso, a verdade é que as perguntas que ele suscita são as mesmas que Matrix sempre questionou.

Lembra-se do bife do primeiro filme? Essa cena é bem emblemática, pois traduz isso muito bem. O personagem come o pedaço de carne sabendo que ele não existe de fato, mas ele aceita mesmo assim por gostar da sensação que aquela farsa tem em sua boca num ponto que ele não se importa mais se aquilo é uma ilusão ou não. Se a sensação é real, por que a carne não seria?

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E esse bife não é nada diferente de uma criptomoeda qualquer. Mesmo o dinheiro não existindo como tal, ela tem um valor que esse mundo digital deu a ele e convencionou-se a dizer que as coisas são assim. Como negar a realidade disso quando o mundo fora do computador também aceita isso?

Esses dilemas passam a ser cada vez mais constantes à medida que a gente pensa no tal metaverso, ou seja, quando passamos a fazer a nossa vida mais e mais digital de modo que as fronteiras entre esses mundos deixam de existir. E, curiosamente, celebramos hoje um avanço que era combatido no filme.

Só que não é preciso ir tão a fundo para ver como o filme previu muita coisa. Essa ideia que Matrix apresentou de uma realidade artificial feita para aprisionar os humanos com uma vida que não é real é algo que a gente já se depara no cotidiano em meio a redes sociais e celulares sempre conectados.

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Na era dos digitais influencers, você sumir do Instagram ou ficar um tempo sem publicar um novo vídeo no YouTube é o equivalente a morrer. Basta uma única mudança no algoritmo para você se tornar invisível ou irrelevante. Enquanto isso, mesmo quem não está produzindo conteúdo está vivendo mergulhado nessas telas em busca de likes que não são reais em detrimento de relações que acontecem à sua volta. Se você viajar e não postar uma foto, você viajou mesmo?

Parece conversa de maluco ou de acadêmico chato — ou de ambos —, mas é algo que não só a gente se depara todos os dias como é algo que MatrixResurrections deve também abordar. O trailer já traz algumas menções a isso, com Neo (Keanu Reeves) olhando para pessoas isoladas na multidão encarando as telas de seus celulares.

E faz sentido pensar em um filme em que a humanidade luta para escapar da prisão da Matrix quando, na verdade, nos jogamos de bom grado nessa virtualização da vida e suas coisas?

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Uma das cenas divulgadas do longa até brinca com isso, mostrando que agora é possível entrar e sair da Matrix de qualquer lugar, sem precisar de uma cabine telefônica no meio do nada para isso. Isso nada mais é do que o nosso próprio mundo, em que estamos sempre com esse outro mundo de likes e criptocoisas no bolso.

Ou, melhor dizendo, não mais apenas no bolso, mas a todo momento, já que nunca mais nos desconectamos. Afinal, já reparou como o trabalho remoto forçado pela pandemia da covid-19 invadiu a sua vida? Sem a fisicalidade do escritório, o horário do expediente invadiu todas as outras áreas e sempre é hora de checar um e-mail, responder a um grupo no WhatsApp ou tirar alguma dúvida que antes se limitava ao bater o ponto.

E a crítica de Matrix sempre foi sobre isso. Por trás da lúdica batalha de homens contra robôs, a questão central sempre foi sobre o quão escravos nós realmente somos das máquinas e dessa realidade que elas nos impõem — e, duas décadas depois de perguntar isso pela primeira vez, não só a questão continua bastante pertinente como necessária.

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Matrix pós-Matrix

A grande dúvida, porém, não é se Matrix ainda é relevante nos questionamentos que apresenta, mas se a saga ainda é capaz de fazer o mundo olhar para a armadilha na qual se enfiou. Depois de Matrix, Resurrections tem força para causar o mesmo chacoalhão?

Como dito, quando o filme chegou aos cinemas pela primeira vez, todo esse debate ainda era muito inédito. Não apenas o questionamento da realidade e todo esse lado filosófico, mas toda a discussão sobre nossa relação com a tecnologia. Se a gente for pensar em 1999, a gente mal tinha um mundo digitalizado o suficiente para essa ser uma preocupação real das pessoas — algo que mudou bastante nessas duas décadas.

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Só que o mundo que Neo e Trinity vão encontrar em 2021 é bem diferente, um mundo em que esses debates são muito mais maduros. É como diz o meme: Matrix precisou andar para que Black Mirror pudesse correr. Mas e aí, o que vem depois?

Esse é o grande dilema que não só Resurrections tem de enfrentar, mas a própria saga Matrix. Retornar depois de tanto tempo é aceitar voltar para o debate, mas em um contexto totalmente novo. Uma coisa é ser relevante quando você é a vanguarda do debate, outra é chegar em um cenário em que as discussões sobre nossa relação com a tecnologia já são exploradas aos montes pela indústria.

Mais do que isso, temos uma geração inteira que cresceu pós-Matrix, ou seja, que cresceu acompanhando obras que se inspiraram na saga de Neo e que levaram a temática adiante — como a própria Black Mirror. Nesse sentido, Resurrections tem força para impactar até mesmo esse pessoal que acha bullet time um negócio retrô?

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Esse é o grande desafio que o novo filme precisa encarar — e, de certo modo, uma cilada em que o próprio longa aceitou entrar. Como apontamos em nossa crítica, o roteiro brinca e questiona seu papel no mundo atual ao mesmo tempo em que aponta que o grande segredo do sistema — seja ele a Matrix ou a indústria do entretenimento como um todo — é transformar coisas importantes em triviais.