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Entenda como funciona uma usina nuclear como a de Chernobyl

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enriquelopezgarre/Pixabay
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No ano passado, a HBO estreou a série Chernobyl, inspirada nos acontecimentos reais sobre o desastre de 1986, em que um dos reatores da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, acabou explodindo durante testes. Até hoje aquele acidente radioativo gera consequências para o mundo, vide exemplo recente, quando um incêndio provavelmente causado por humanos, na chamada Zona de Exclusão de Chernobyl, fez com que os níveis de radiação da região aumentassem consideravelmente.

Outros acidentes envolvendo usinas nucleares pelo mundo aconteceram desde aquele de 34 anos atrás, como, por exemplo, na central nuclear de Three Mile Island (Estados Unidos), em 1979; em Seversk (Sibéria), em 1993; em Tokaimura (Japão), em 1999; e na usina nuclear Daiichi, em Fukushima (Japão), em 2011. A cada ocorrência desastrosa do tipo, a temática nuclear novamente gera interesse na população geral, o que voltou a acontecer agora, com o incêndio próximo à já lendária região de Chernobyl.

Enquanto a série Chernobyl, tentou mostrar, em apenas cinco episódios, problemas técnicos e humanos que causaram a explosão, muitos se questionam exatamente como funciona uma usina nuclear. Para entender um pouco mais sobre o tema, o Canaltech preparou esta matéria, que você lê logo abaixo.

O que acontece em uma usina nuclear?

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Sabemos que aconteceu uma explosão na usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, mas os fatores que contribuíram para o acidente são bem complexos e vão muito além do que foi explicado na minissérie da HBO. Por isso, convidamos o físico e professor da Escola de Ciências e Tecnologia da UFRN, Elton Carvalho, para nos explicar o que é a energia nuclear e como as usinas funcionam.

Mas, antes disso, é preciso saber que o produto final de uma usina nuclear é a energia elétrica. "Ela é vendida pela usina para o sistema de transmissão e atende as regiões atendidas pela transmissora", diz Carvalho,

Mas por que a energia nuclear? São três os principais motivos de ela ser mais vantajosa em relação aos outros tipos de energia:

Entendendo melhor a função do urânio

Já que o urânio é o componente que faz tudo acontecer dentro de uma usina nuclear, e que ouvimos bastante o seu nome na série Chernobyl, pedimos para que o físico nos explicasse com detalhes qual é o papel do elemento dentro de uma usina.

A reação de fissão do urânio, segundo Carvalho, depende de um núcleo de urânio-235 (92 prótons e 143 elétrons) e um nêutron livre. "Quando o nêutron colide com o urânio, ele pode ser absorvido e o resultado é um núcleo de urânio-236. Esse núcleo é instável e rapidamente se quebra em dois: Um Bário-141 e um Kriptônio-92, mais três nêutrons livres, liberando energia na forma de calor. Então a fissão do urânio-235 consome um nêutron e produz três", diz.

Cada um desses nêutrons desencadeia uma nova reação, que produz mais três nêutros, e assim por diante. Então, se a reação puder ser sustentada somente por esses nêutros, pode-se dizer que ela é crítica, enquanto se for necessária uma fonte externa de nêutros para sustentar a reação, é dito que ela é subcrítica.

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Carvalho conta que o urânio encontrado na natureza é formado, essencialmente, por urânio-238 (99,3%) e 0,7% urânio-235. Portanto, nêutrons que são produzidos pela fissão do urânio-235 têm uma chance baixíssima de colidir com outro núcleo de U-235 e sustentar a reação em cadeia.

"É mais provável que colida com um U-238 e seja absorvido, formando outros elementos radioativos, que têm sua utilidade no ciclo do combustível nuclear. O processo industrial para aumentar a concentração de U-235 é chamado de 'enriquecimento'. Usinas como a de Angra utilizam urânio enriquecido com 3% de U-235 e 97% de U-238 em sua composição", diz o físico.

Qual a função do grafite em uma usina nuclear?

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Outro componente bastante citado na minissérie foi o grafite. Em Chernobyl, entendemos que ele está na parte interna das usinas, mas qual é o seu papel? Carvalho explica que a fissão do U-235 produz três nêutros que saem com uma velocidade muito alta para que possa reagir com outros núcleros de U-235. Por isso, o grafite atua como um moderador nas usinas, desacelerando esses nêutrons para que eles possam interagir com os núcleos.

"Nêutrons nessa faixa de velocidades são chamados de 'nêutrons térmicos'. Dependendo do projeto da usina, diferentes substâncias são usadas como moderadoras. Usinas de água pressurizada (PWR — Pressurized Water Reactor), como as de Angra, de água fervente (BWR — Boiling Water Reactor), como os de Fukushima, utilizam a própria água como moderador (e como refrigerante, o fluido que vai tirar o calor do urânio e levar para aquecer a água). Reatores do tipo RBMK (Reaktor Bolshoy Moshchnosty Kanalnyy ou Reator Canalizado de Alta Potência), como o de Chernobyl, utilizam o grafite como moderador e água como refrigerante e fluido de trabalho", explica.

Usinas tipo PWR e BWR não utilizam o grafite, e apenas 30 dos reatores nucleares em operação no mundo todo fazem o uso do mineral.

Usinas nucleares no Brasil

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Carvalho lembra que, hoje, existem duas usinas nucleares em nosso país. "O Brasil conta com duas usinas nucleares operacionais: Angra-1 e Angra-2. Uma terceira está sendo construída no mesmo complexo e deve inciar as operações na próxima década. As duas usinas em operação produzem 1800 MW de energia, o equivalente a quase três (das 20) turbinas da hidrelétrica de Itaipu", diz.

Radiação

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O grande problema do incidente em Chernobyl não foi apenas a usina ter explodido. A radiação que está dentro das usinas nucleares é extremamente nociva, podendo até mesmo ser fatal quando em grande quantidade. As usinas são projetadas para que a reação nuclear nunca saia de seu circuito, que fica em prédios de contenção que impedem que a água aquecida pela reação nuclear entre em contato com o ambiente.

Alguns projetos de usinas, como as existentes no Brasil, mantêm a água aquecida em estado líquido através da pressurização, no que é chamado de ciclo primário. "A água do ciclo primário troca calor com a água do circuito secundário, que efetivamente vira vapor e gira as turbinas do gerador. Essa água é livre de contaminação radioativa e é monitorada por sistemas de segurança. Utiliza-se água de uma fonte externa (mar, lago, rio) para resfriar esse vapor no condensador", diz o físico.

Materiais que possam estar contaminados com material radioativo, como roupas de proteção ou ferramentas, são armazenadas com bastante cuidado em ambiente controlado e monitorado. Quando em operação normal, usinas nucleares não emitem radiação para o ambiente.

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Em pequenos acidentes, é mais provável que o refrigerante da usina, geralmente água, acabe escapando, e por estar em contato com o combustível, possa conter traços de materiais presentes no interior do reator ou de produtos de fissão, como Estrôncio-90, Césio-137, Samário-151 e Iodo-131.

"Esses materiais são radioativos e sofrem decaimento, emitindo radiação gama e beta e produzindo outros isótopos. A radiação gama é eletromagnética, essencialmente luz, mas mais energética que raios-X. A radiação beta é um elétron livre", conta.

O professor explica que tanto a radiação gama quanto beta são ionizantes, ou seja, capazes de alterar a carga elétrica das moléculas. Essa mudança pode provocar reações químicas em substâncias que, de outra maneira, seriam estáveis.

"Caso essas reações ocorram no DNA, é possível desenvolver câncer, por exemplo. Alterações no DNA dos gametas (óvulos e espermatozoides) podem levar a aborto espontâneo ou malformações fetais. Reações em outras moléculas podem levar a morte celular ou rompimento da membrana celular, causando efeitos como queimaduras", explica o físico com casos que vimos na minissérie da HBO.

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O caso mais grave que pode acontecer em uma usina nuclear é o derretimento do núcleo da usina, também conhecido como meltdown. Em Chernobyl, isso aconteceu quando a energia produzida pelo núcleo aumentou muito rapidamente, e em Fukushima o problema foi a perda de refrigerante no núcleo do reator. Aquecido demais, o núcleo da usina derrete os demais metais presentes no reator.

"Esse metal líquido radioativo (chamado de corium) não costuma sustentar reação em cadeia, pois o moderador não está presente. Por isso, tipicamente o calor do corium vem do decaimento radioativo natural. As usinas são projetadas de forma que o reator fica num edifício de contenção e há estruturas redundantes para conter o corium caso haja um derretimento", complementa.

Nova tecnologia de reator de energia

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Startups e empreendedores inovadores vêm desenvolvendo um novo tipo de reator, projetado para alcançar as áreas mais remotas de desenvolvimento. Mais eficiente, esses novos reatores devem ser capazes de reduzir a produção de resíduos, ou até mesmo reciclar e transformar a água do mar em potável.

Também estão em desenvolvimento pequenos reatores nucleares conhecidos como SMR, que não usam nem água para o resfriamento, mas sim materiais como metal líquido, sal fundido ou hélio, responsáveis por transferir calor para um suprimento separado de água e, então, produzir vapor.

Os SMR fazem parte de uma categoria avançada de reatores, que produzem 300 megawatts ou menos de eletricidade e que vão custar menos na construção. Esses reatores serão construídos em fábricas e enviados para onde sejam necessários, ajudando a suprir áreas remotas ou nações que ainda estejam em desenvolvimento com energia livre de carbono.

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A iniciativa também pode aumentar a produção de energia para conseguir atender à demanda de eletricidade atual, criando parcerias para o apoio à fontes de energia renováveis e intermitentes.

Reatores mais avançados conseguem operar com temperaturas mais altas ou pressões mais baixas que os tradicionais, além de contarem como outras aplicações, como a dessalinização da água e produção de hidrogênio. Outros reatores ainda devem ser mais eficientes em consumo de combustível, produzindo menos resíduos ou prolongando os ciclos de combustível sem precisar de abastecimento por até 20 anos.

Hoje, a IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica) é responsável por publicar, rever e inspecionar o cumprimento de protocolos de segurança no uso pacífico de energia nuclear, cuidando de fatores humanos e organizacionais, bem como gestão e protocolos técnicos, para garantir que acidentes não aconteçam mais.

Quer entender ainda mais sobre o assunto? Elton Carvalho é um dos membros dos podcasts Dragões de Garagem e Rock com Ciência e, no episódio 159 do Dragões, o profissional debate sobre o tema ao lado de André Thieme, Marina Mendonça e Matheus Cortezi.

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*Com informações: NEI, Duke Energy

*Matéria original publicada em 18 de junho de 2019. Este texto foi atualizado e republicado no dia 14 de abril de 2020