Estudo descobre que cães da Zona de Exclusão de Chernobyl diferem geneticamente
Por Augusto Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |
Em 1986, há 37 anos, ocorria o desastre nuclear de Chernobyl, que afetou principalmente a usina energética de mesmo nome e a cidade ucraniana onde estava instalada, Pripyat. Desde então, a radiação impediu que seres humanos circulassem na região, gerando a famosa Zona de Exclusão de Chernobyl, com 2.600 km² de extensão ao redor do local. Não podemos, no entanto, impedir que animais habitem o local — e eles, por sua vez, o transformaram em um santuário.
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De lobos, cavalos selvagens e alces a pássaros, bisões, rãs e cães, diversas espécies passaram a habitar as construções abandonadas, dividindo o espaço com as plantas que passaram a tomar o cenário. Curiosa com as condições físicas e genéticas dos animais, cientistas passaram a estudar a fauna habitante, e, em um estudo publicado na revista científica Science Advances, focaram nos caninos.
Novos habitantes caninos de Chernobyl
São décadas morando em uma região exposta a baixos níveis de radioatividade, o que, segundo alguns estudos, diminuiu as populações de pássaros e gerou mais mutações genéticas em certas espécies, embora outras pesquisas não tenham encontrado tais resultados. Uma das principais dúvidas é se os animais estão apenas absorvendo radiação residual a um nível pouco nocivo ou se trazem resquícios e diferenças genéticas de gerações anteriores, que estavam presentes na explosão — ou mesmo ambos.
É difícil estabelecer um padrão satisfatório para as análises, já que os bichos entraram e saíram da zona contaminada diversas vezes ao longo das décadas, mas podemos ter uma ideia dos efeitos da radiação em sua biologia mesmo assim. Mamíferos grandes como cavalos e cães são especialmente interessantes, já que saber como seus corpos são afetados pode nos dar uma ideia de como o organismo humano reagirá quando, eventualmente, retornarmos.
Alguns dos cachorros da região podem ser descendentes de animais de estimação que a população evacuante deixou para trás, mas não há como saber quantos deles são da época, sua diversidade ou parentesco com outros cães selvagens da Ucrânia e países próximos. A Iniciativa de Pesquisa em Cães de Chernobyl (CDRI), que começou a prestar serviços veterinários aos animais em 2017, constatou aumento das populações mesmo com a presença da radiação — são mais de 800 cães.
Os cachorros locais são, muitas vezes, alimentados pelos funcionários da usina que ainda vão ao local para mantê-lo em boa manutenção. São três grupos de cães, com um vivendo na própria usina, outro na cidade abandonada de Chernobyl, a 15 km da planta, e a terceira em Slavutych, uma cidade a 45 km bem menos contaminada onde alguns trabalhadores da usina ainda moram.
Genética canina, radiação e o futuro
Com base em amostras de 302 vira-latas de todos os grupos, descobriu-se a presença de 3 famílias principais, com a maior delas se espalhando por todas as áreas habitadas. Pela genética, agora sabemos que os cães se movem entre os locais, moram próximos uns dos outros e acasalam livremente. Também é evidente que eles moram na região de Chernobyl há muito tempo, provavelmente desde o desastre ou até mesmo antes dele.
Eles também diferem, geneticamente, dos cães do Leste Europeu, da Ásia e do Oriente Médio. Alguns cães modernos, no entanto, como mastins, se infiltraram entre as populações locais, provavelmente quando alguns humanos e seus animais de estimação se mudaram de volta para a cidade de Chernobyl.
O próximo passo, conforme os pesquisadores, é buscar variantes genéticas específicas que tenham se acumulado ao longo das 3 décadas deste o incidente. Sabendo como exposições ambientais influenciam o genoma de um organismo e como isso é herdado por seus descendentes, espera-se que estudos seguintes revelem, finalmente, os mistérios de como o DNA animal foi afetado pela radiação — algo especialmente interessante com os cães, já que as 3 populações foram expostas a níveis bem variados dela.
Fonte: Science Advances