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Cloroquina, vermífugos e as demais tentativas da medicina contra o coronavírus

Por| 20 de Abril de 2020 às 15h21

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DivulgaçãoGuilherme Gongra
DivulgaçãoGuilherme Gongra

Sem nenhum medicamento especialmente desenvolvido para o tratamento contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2), pacientes em situações graves, como os internados em Unidades de terapia intensiva (UTIs), têm sido tratados de forma experimental com medicamentos off-label. Isso significa que o seu uso se difere do que consta na bula, e entram nessa classificação tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina, combinadas com o antibiótico azitromicina.

Nas últimas semanas, a opinião pública discutiu muito as duas drogas, ainda com poucos estudos clínicos para o seu efeito no coronavírus. Frente à pandemia, a história dessas medicações começa a partir de situações em que o uso auxiliou pacientes internados pela COVID-19 a se recuperarem, de acordo com um estudo francês e outro chinês. Agora, pesquisadores no mundo todo investigam o verdadeiro potencial no tratamento contra o novo coronavírus.

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Cloroquina X Hidroxicloroquina

Tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina são dois medicamentos, atualmente, autorizados para tratamentos contra a malária e determinadas doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide. Embora sejam duas drogas "diferentes", a hidroxicloroquina é derivada da cloroquina. Por isso, no organismo humano, as duas têm a mesma função, são do mesmo grupo de moléculas e o que as difere são os seus efeitos colaterais.

Com mais efeitos adversos no uso a longo prazo, a cloroquina tem sido mais indicada, historicamente, no tratamento de malária, ou seja, em situações pontuais. Já a hidroxicloroquina é indicada, na maioria das vezes, para pessoas que sejam portadoras de doenças autoimunes. Isso porque terão um uso prolongado do medicamento e, por isso, geralmente, usam a hidroxicloroquina — que tem efeitos colaterais mais brandos.

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Problemas cardíacos?

Mesmo que os dois medicamentos sejam normalmente prescritos, há restrições em seu uso até para os pacientes com doenças autoimunes, o que não poderia ser diferente para a indicação no tratamento da COVID-19, ainda mais quando combinado com a azitromicina. Segundo a presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência) e pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, Natália Pasternak, essas medicações apresentam risco cardíaco.

"A hidroxicloroquina traz um risco de complicações de arritmia cardíaca, a azitromicina também. Então, estão combinando dois medicamentos, que causam risco cardíaco, em uma doença onde grande parte dos pacientes já são cardíacos [parte do grupo de risco para a COVID-19]. Temos evidências também de que o próprio vírus ataca o coração", argumenta a pesquisadora.

Doutorando em Cardiologia pelo InCor (Instituto do Coração) e cardiologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, o médico Alexandre Soeiro alerta para os mesmos riscos cardíacos. “A hidroxicloroquina é um medicamento que interfere numa fase elétrica da atividade da célula cardíaca, por esse motivo, ela tem um potencial de induzir a arritmia no doente pelo seu uso. Quando você associa esse medicamento com outros que o doente pode estar recebendo ou até com a azitromicina, o risco é ainda maior", afirma.

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Para o cardiologista da Beneficência Portuguesa, “esse medicamento pode ser prescrito por um médico que precisa checar o eletrocardiograma do doente e verificar se não há nenhuma contraindicação do ponto de vista clínico. Uma vez que começou o uso do remédio, é preciso ver se alguma alteração será notada nos próximos dias no quadro do paciente para ter segurança da situação".

Órgãos internacionais: CDC e EMA

Ainda que pesquisadores estejam investigando os dois medicamentos contra o novo coronavírus, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), nos Estados Unidos, defende exatamente isso, a necessidade de mais estudos: "A hidroxicloroquina e a cloroquina estão sob investigação em ensaios clínicos para profilaxia pré-exposição ou pós-exposição da infecção por SARS-CoV-2 e tratamento de pacientes com COVID-19 leve, moderado e grave".

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A agência americana de saúde ainda pontua sobre as atuais formas de tratamento: "Não existem medicamentos ou outras terapêuticas aprovadas pela Food and Drug Administration dos EUA para prevenir ou tratar a COVID-19. O manejo clínico atual inclui medidas de prevenção e controle de infecção e cuidados de suporte, incluindo oxigênio suplementar e suporte ventilatório mecânico, quando indicado".

No entanto, a página do CDC, intitulada "Informações para médicos sobre opções terapêuticas para pacientes com COVID-19", foi atualizada dia 13 de maio. Anteriormente, indicava informações sobre a dosagem dos medicamentos hidroxicloroquina e cloroquina, segundo o jornal The New York Times.

Já a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) comunica sobre o uso das drogas apenas em ensaios clínicos: "Tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina podem ter efeitos colaterais graves, especialmente em altas doses ou quando combinadas com outros medicamentos. Elas não devem ser usadas ​​sem receita médica e sem supervisão médica; as prescrições não devem ser dadas fora de seus usos autorizados, exceto no contexto de um ensaio clínico ou de protocolos acordados nacionalmente".

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Estudos necessários

Como as duas agências internacionais de saúde pontuam, é necessária a realização de mais estudos aprofundados sobre o uso desses medicamentos (e de qualquer outro) para o tratamento da COVID-19, mas como isso pode ser feito? "A partir de comparação que chamamos de estudo clínico controlado, podemos ter uma resposta se realmente esses medicamentos são eficazes ou não", esclarece Pasternak.

Um estudo clínico controlado trabalharia com pelo menos três grupos grandes e similares de pacientes com COVID-19. Entre eles, por exemplo, um deveria tomar a medicação completa, outro não deveria tomar nenhuma das drogas e um grupo poderia ser duplo-cego (quando nem a pessoa sabe o que está tomando e nem o pesquisador sabe o que está dando).

A pesquisadora comenta que se esses estudos não precisassem ser feitos em meio a uma pandemia, demoraria pelo menos dois anos. "O que a OMS (Organização Mundial da Saúde) está fazendo é tentar condensar esses anos de estudo em alguns meses", esclarece, dada a urgência da necessidade.

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"Até agora não temos nenhum estudo realmente bem feito, mas os estudos menores, que já foram feitos, estão apontando que a cloroquina não é um bom medicamento para COVID-19 e que oferece riscos cardíacos. Quando usamos um medicamento, os benefícios devem ser maiores que os riscos", pontua Pasternak.

CloroCovid-19: só com baixas doses 

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Desenvolvido no Amazonas por instituições como a Fiocruz Amazônia e a Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, o estudo CloroCovid-19 analisava as diferentes dosagens da cloroquina no tratamento de pacientes com a COVID-19, mas foi em parte cancelado por óbitos entre seus participantes, por problemas cardíacos, dentre outros.

Depois disso, a alta dose do medicamento — como recomendada nos estudos francês e chinês — foi suspensa e todos os participantes da pesquisa nacional passaram a usar a dose mais baixa. Em publicação, a Fiocruz afirma: "Os resultados iniciais do estudo CloroCovid-19 mostram que pacientes graves com COVID-19 não devem usar doses altas de cloroquina".

“Os resultados apresentados servem como um alerta, oferecendo evidências mais robustas para protocolos de tratamento da COVID-19”, afirma Marcus Vinícius Lacerda, principal investigador do estudo. No mesmo caminho, através de resolução do Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAN), publicada dia 8 de maio, é recomendado o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes leves da COVID-19.

Após o cancelamento de parte da pesquisa e publicação desses resultados iniciais sobre a cloroquina, os cientistas foram ameaçados via redes sociais. Em nota, a Fiocruz declarou: "A instituição considera inaceitáveis os ataques que alguns de seus pesquisadores vêm sofrendo nas redes sociais".

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Em andamento: Coalizão COVID Brasil

Em paralelo ao estudo amazonense, nacionalmente, foi formada a Coalizão COVID Brasil. É um grupo de pesquisas entre o governo federal e mais de 40 hospitais, como os Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio Libanês e Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, para testar a eficácia de medicamentos no tratamento da COVID-19, incluindo a cloroquina.

Sobre a Coalizão COVID Brasil, o cardiologista Soeiro, da Beneficência Portuguesa, comenta que "estamos randomizando os doentes para receberem a cloroquina, a hidroxicloroquina e a azitromicina". Segundo o médico, "até agora, não tivemos nenhuma documentação formal de maiores problemas, por isso, o estudo está correndo de maneira ainda aberta" em uma "fase de inicial para intermediária".

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Já um outro estudo, elaborado pela operadora de saúde Prevent Senior, avaliou que o uso da hidroxicloroquina, em estágio precoce da doença, reduziu o número de mortes em 60%. Além disso, a conclusão da operadora, que atende principalmente idosos (um dos maiores grupos de risco para a infecção), é de que o protocolo evitou uma internação para cada 28 pacientes que iniciaram o tratamento. No entanto, a pesquisa ainda aguarda publicação na revista médica PLOS Medicine.

Outras medicações

Pelas últimas evidências, a eficácia tanto da cloroquina quanto da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19 ainda não foi demonstrada em estudos, ou seja, não há ainda evidências técnicas de um funcionamento seguro e direcionado. Por isso, o uso desses medicamentos é, principalmente, autorizado como parte de ensaios clínicos ou programas nacionais de caráter emergencial para o tratamento de COVID-19.

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Em contrapartida, a pesquisadora Natália Pasternak, lembra: "A OMS está testando quatro medicamentos para COVID-19 [na pesquisa Solidarity]. Um é a cloroquina e a hidroxicloroquina, mas estão testando também o Remdesivir, que é um antiviral que já foi testado para o Ebola e mostrou alguma eficácia para SARS e MERS. Há também uma dupla de antivirais, o ritonavir e o lopinavir [indicados para pacientes com HIV]; e o interferon beta-1 [utilizado no tratamento da esclerose múltipla]".

Além dessas possíveis drogas, Pasternak afirma: "Há grupos que estão testando alguns corticoides [anti-inflamatórios] e alguns imunomoduladores. Quando falamos neles, são grupos que estão testando remédios para a fase grave da doença, para quando já há a inflamação pulmonar. São remédios que não vão impedir a replicação dos vírus, não são antivirais, mas vão atacar os sintomas da inflamação pulmonar da fase grave".

Um outro tratamento, ainda em testes, é o soro de convalescente, que é basicamente o plasma sanguíneo de pessoas que já foram infectadas pelo novo coronavírus, se recuperaram e desenvolveram anticorpos para a doença. No entanto, todas essas possíveis soluções precisam ser testadas e aprovadas.

Na semana passada, o ministro Marcos Pontes visitou algumas universidades brasileiras e anunciou que um remédio popular, receitado como vermífugo, também está em testes, já que apresentou bons resultados em laboratório (com 94% de eficácia in vitro). Conhecido popularmente como Annita (nitazoxanida), o medicamento funciona para combater parasitas do intestino, e era vendido até a última quinta-feira (16) para pacientes com distúrbios do sistema digestivo sem a necessidade de apresentar receita. Hoje, devido à divulgação dada pela mídia, as farmácias já não vendem mais o medicamento sem prescrição, apesar de não ter nenhuma comprovação de eficácia contra a COVID-19 e ainda estar em fase de testes.

Fonte: Com informações: CDCEMA; The New Yor Post; Agência Fiocruz; Exame; OMS