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Que relação tem a água tônica com a cloroquina e a COVID-19?

Por| 15 de Abril de 2020 às 18h59

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Ainda falta muito para que as notícias falsas deixem de circular a internet. Em tempos de pandemia do novo coronavírus, que provoca a doença COVID-19, muitas pessoas acabam se vendo em situação de desespero para conseguir evitar a contaminação, ou ainda se tratar.

Até o momento, no entanto, não existe uma medicação comprovada contra a COVID-19, apenas alguns testes sendo feitos com medicamentos já existentes, como a cloroquina. Muito tem se falado sobre este remédio que, inclusive, vem sendo usado na automedicação, o que pode trazer vários riscos para a saúde.

A notícia falsa mais recente, que começou a circular na internet nesta semana, envolve a bebida água tônica, que é vendida em supermercados e lanchonetes, e tem sabor levemente amargo, mas mesmo tempo doce, similar ao de um refrigerante, sendo usada também ainda como ingrediente de drinks alcoólicos. No vídeo que viralizou, uma mulher segura uma lata do produto e mostra que ele contém uma substância chamada quinina, dizendo ser usada como base da cloroquina. Ela diz que está comprando água tônica no supermercado e sugere que a sua ingestão seria recomendada para o tratamento da COVID-19.

Veja:

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Logo, muitas pessoas começaram a se perguntar se o que ela estava falando é verdade. Água tônica tem quinina? É eficaz para o tratamento da COVID-19? É a mesma coisa que ingerir cloroquina? O Canaltech foi atrás de esclarecer esse mal-entendido e conversou com Cedric Graebin, professor de química orgânica e medicinal na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Seropédica/RJ) e autor do podcast Moleculas.

Qual a relação da substância com os produtos?

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Primeiramente, ele explicou qual é a relação da quinina com a água tônica, revelando que se trata de um produto natural da classe dos alcaloides, encontrado na casca de uma árvore chamada Cinchona, e vem sendo utilizada desde o século XVIII para tratar a malária. "Foi utilizada como antimalárico até o surgimento dos antimaláricos de origem sintética (isto é, produzidos a partir de síntese orgânica) nos anos 1940. A água tônica é uma bebida doce gaseificada onde se dissolve o pó de quinina. A quinina é muito amarga e, na forma dessa bebida doce (que chamamos de 'água tônica'), o gosto amargo dela é parcialmente mascarado", disse o professor.

Mas e a cloroquina? O que ela tem a ver com a quinina e a água tônica? De acordo com Cedric, o medicamento que age como um antimalárico possui similaridades com a quinina em sua estrutura química, pois ambos possuem um anel chamado de quinolina na química orgânica. Por isso, dizer que a quinina é a base da cloroquina é mentira, o certo seria dizer que a quinina serviu de inspiração para criar a cloroquina. Veja a semelhança:

"A quinina, por ser o primeiro produto descoberto, serviu de inspiração para a síntese de vários antimaláricos com estruturas similares, que chamamos de antimaláricos quinolínicos: cloroquina, amodiaquina, mefloquina, primaquina e tafenoquina. É importante ressaltar aqui que, embora as estruturas sejam similares, elas não são iguais. Pequenas alterações em uma molécula orgânica podem levar a profundas mudanças na atividade biológica que é observada", alerta Cedric.

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Então, não funciona

Cedric diz que a dose de quinina em uma lata de água tônica é muito baixa e que seria muito difícil que disso saísse um efeito benéfico, contando que a FDA, por exemplo, órgão regulador de saúde norte-americano, limita o máximo de 83 miligramas de quinina por litro de bebida.

O professor deixou claro, portanto, que a água tônica não tem relação nenhuma com as reações da cloroquina, e que ingerir a bebida não é um tratamento eficaz.

"O teor de quinina na água tônica hoje (era mais no passado) está (na média) em 83 mg por litro de água tônica (cada lata tem 0,35 L, então dá perto de 29 mg/lata). A dose antimalárica de quinina em um comprimido era de 500 ou 1000 mg. Mesmo que funcionasse (não funciona e não há evidências de que funcione), você se prontificaria a tomar DEZESSETE latas de água tônica em menos de 30 minutos (para atingir a dose de 500 mg) ou TRINTA E QUATRO (para 1000 mg) em meia hora?", questiona e alerta o profissional.

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Quais são os perigos da ingestão da cloroquina?

O professor reforça que não existe nenhum artigo científico que fale sobre uma possível atividade da quinina contra a COVID-19, ressaltando que a eficácia da cloroquina também não está comprovada. "Estão sendo feitos vários ensaios clínicos ao redor do mundo para observar se ela tem algum efeito em pacientes humanos. Por outro lado, os efeitos adversos da quinina e da cloroquina são bem conhecidos, pois são fármacos que foram e são utilizados há muito tempo para o tratamento da malária", revela o professor, citando ainda que existe o risco de episódios de arritmia cardíaca com o seu uso, principalmente quando são administradas doses mais altas.

"É um risco bem real e tem sido observado em uma boa parte dos ensaios clínicos para a COVID-19. Um deles, em Manaus, teve o recrutamento interrompido na semana passada por causa do óbito de 11 pacientes decorrentes dessa arritmia no grupo que usava a dose mais alta", exemplifica.

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Graebin ressalta, mais uma vez, que a automedicação é perigosa, pois as pessoas podem estar apostando na eficácia de uma substância sem saber se, de fato, haverá qualquer efeito benéfico, se arriscando a sofrer efeitos adversos causados por essas moléculas. "Ao acreditarem que a substância tem efeito benéfico ou 'protetor', isso pode levar as pessoas a não tomarem as precauções recomendadas pelas autoridades sanitárias, pois elas sentem-se 'protegidas'", completa.