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Adenovírus: entenda como funciona uma vacina de vetor viral contra COVID-19

Por| Editado por Luciana Zaramela | 03 de Maio de 2021 às 16h12

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KamranAydinovStudio/Envato Elements
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Na segunda-feira (26), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou um pedido para a importação de milhões de doses da vacina Sputnik V, desenvolvida pelo instituo russo de pesquisa Gamaleya, contra o coronavírus SARS-CoV-2. A decisão envolveu uma série de questões técnicas, como falta de documentação e potenciais riscos do uso de adenovírus em sua composição contra a COVID-19.

Para imunização, a vacina Sputnik V e outras fórmulas já aprovadas pela Anvisa, como a Covishield (Oxford/AstraZeneca) e a vacina da Janssen (da Johnson & Johnson), adotam a tecnologia de vetor viral. Para isso, estas fórmulas utilizam um vírus vivo, mas sem a capacidade de replicação. No entanto, alguns cuidados são necessários durante a produção de imunizantes do tipo.

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Para entender como funciona a tecnologia do vetor viral e os riscos que os adenovírus podem representar para a saúde dos imunizados, o Canaltech conversou com o Sérgio Zanetta, médico sanitarista e professor de Saúde Pública do Centro Universitário São Camilo.

Como funciona um imunizante de vetor viral?

Conhecida por serem vacinas de fase 2, os imunizantes de vetor viral adotam apenas a proteína Spike da membrana do coronavírus para promover a imunização, ou seja, uma parte do responsável pela doença. Dessa forma, estas fórmulas precisam que a informação genética do vírus da COVID-19 (o fragmento da espícula) seja carregada para dentro do corpo humano de alguma forma, nestes casos, através de um segundo vírus que é chamado de vetor viral e que será editado geneticamente para carregar as novas instruções.

"Preciso de um veículo para entrar na célula humana e ensinar organismo a se defender contra uma infecção, produzir anticorpos e provocar uma reação vacinal. Para isso, eu utilizo um vírus vivo, mas que não tem a capacidade de desencadear uma doença em seres humanos", explica o professor Zanetta. Até o momento, as vacinas já aprovadas contra a COVID-19 aqui no Brasil utilizam a técnica para transporte dos adenovírus.

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Estes vírus são encontrados tanto em animais quanto em humanos e atingem, principalmente, a parte respiratória do corpo humano, sendo causadores de resfriados comuns. No entanto, na hora do agente infeccioso ser incluído na vacina, ele é quimicamente inativado, ou seja, é retirada a sua capacidade de se multiplicar, tornando-se não replicante.

Tornar este adenovírus editado em um vírus não replicante é importante para evitar que a pessoa imunizada desenvolva qualquer reação indesejada. "Quando se tem uma vacina com vírus vivo, não é desejável que esse adenovírus se replique, porque isso pode estimular o organismo a combatê-lo. E esse combate pode gerar reações cruzadas", detalha o médico sanitarista.

No entanto, Zanetta ressalta que uma certa taxa de replicação é tolerada. Conforme as normas da agência federal norte-americana, a Food and Drug Administration (FDA), um vírus replicante é aceito a cada 30 bilhões de partículas virais não replicantes. "De 30 bilhões de partículas virais, ela [a agência] aceita que uma possa ser replicante, ou seja, é uma taxa muito baixa de replicação, mas que existe em qualquer vetor viral. Esse parâmetro de segurança é extremo", aponta.

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Quais vacinas contra a COVID-19 adotam a tecnologia de vetor viral?

Para a imunização contra o coronavírus, pelo menos três fórmulas adotam os adenovírus como vetor viral com algumas diferenças. Por exemplo, a Covishield, da AstraZeneca, utiliza um adenovírus que afeta primatas não-humanos, como os chimpanzés. Esta fórmula desenvolvida pela AstraZeneca depende de duas doses, aplicadas em um intervalo de 12 semanas. A eficácia dela é calculada em 62% para casos sintomáticos.

Agora, a fórmula da Johnson & Johnson optou por provocar a imunização contra a COVID-19 a partir de um adenovírus responsável por causar resfriados comuns em humanos, o AD26. No caso específico, os estudos clínicos concluíram que é possível obter uma resposta eficaz contra o coronavírus com uma única dose. Sua eficácia para casos sintomáticos foi de 66%.

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Agora, a Sputnik V é uma vacina "interessante" e "inovadora", como define o professor Zanetta. Isso porque ela depende de duas doses para imunizar contra a COVID-19, mas em cada dose um adenovírus diferente é adotado na formulação (AD26 e AD5). "O objetivo da vacina é provocar uma reação que gere anticorpos neutralizantes contra a doença, então, tento produzir formas de garantir que a vacina gere essa resposta imunológica nas pessoas. Como a segunda dose não é com o mesmo adenovírus, ela provoca uma reação no sistema muito melhor [com o novo estímulo] no ponto de vista da cobertura. Tanto é que a eficácia é de 91,6%", explica.

Adenovírus replicante e a Sputnik V

Por mais que a vacina Sputnik V tenha a maior eficácia entre as fórmulas que adotam um vetor viral, faltam documentos e informações para que a Anvisa possa atestar a segurança do imunizante. Segundo Zanetta, alguns critérios podem ser flexibilizados, como o número de adenovírus replicantes. "Temos que discutir a linha de corte que eles usaram", defende. Isso porque a fórmula do Instituto Gamaleya adotou como parâmetro a possibilidade de até 300 vírus replicantes para cada 30 bilhões de partículas virais, o que é mais permissivo que a normativa extrema da FDA. 

No entanto, o relatório apresentado pela Anvisa apresentou outras questões que também devem ser discutidas, mas considerando a urgência da pandemia da COVID-19 no Brasil. Entram nessa questão os controles de qualidade das fábricas produtoras da fórmula contra o coronavírus, já que pode haver diferenças entre o imunizante adotado nos estudos clínicos e aqueles produzidos aos milhões, em processo fabril.

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"Em ciência, sempre se tem uma margem de erro aceitável. A margem de erro é dada por essa taxa de vírus replicante por bilhões de partículas virais", lembra o médico sanitarista sobre os parâmetros da FDA. Por outro lado, "pode ser que haja uma diferença [maior] entre a fórmula que produzo em laboratório e as condições reais de produção de uma vacina. Pode ser que, na fábrica, a produção de vacina tenha alguma diferença do que estava previsto para acontecer", comenta o professor. 

"Esse problema [o número de adenovírus replicantes por bilhões] pode aumentar, eventualmente, se não tiver uma esteira de produção sem condições adequadas de controle e, ali, pode acontecer uma espécie de contaminação que provoque a replicação dos vírus", afirma Zenetta. Em outras palavras, "é preciso checar e essa checagem garante que o produto seja exatamente aquele que está previsto no estudo”, explica.

"O problema é que, às vezes, a replicação dos vírus podem produzir alguns efeitos de alguma embolia, a produção de alguns trombos", comenta o professor sobre os riscos de adenovírus replicantes caso estejam presentes na composição. Nesses casos, em reação ao vírus, o sistema imunológico causaria a formação de algumas obstruções vasculares, o que pode ser perigoso dependendo da área onde ocorre a trombose. Vale acrescentar que este é um efeito adverso extremamente raro.

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Se faltam documentos sobre estes critérios, uma solução seria a criação de uma comissão, criada pelo Ministério da Saúde, para averiguar potenciais efeitos colaterais da Sputnik V em outros países, o que confirmaria (ou não) os potencias riscos da fórmula. Pensando no rigor dos critérios técnicos da Anvisa, a autorização da vacina Covaxin, desenvolvida pela farmacêutica indiana Bharat Biotech, já foi negada a partir de questões sanitárias envolvendo a fábrica produtora