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Por que algumas vacinas da COVID-19 podem causar trombose?

Por| Editado por Luciana Zaramela | 15 de Abril de 2021 às 14h36

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Artem Podrez / Pexels
Artem Podrez / Pexels

Na imunização contra a COVID-19, pesquisadores, médicos e autoridades de saúde discutem um efeito adverso raro, supostamente ligado a algumas vacinas disponíveis contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2), mais especificamente aos imunizantes que adotam os adenovírus na formulação. Este é o caso da fórmula da Janssen (Johnson & Johnson) e da Covishield (Oxford/AstraZeneca). Ambas as vacinas foram relacionadas a alguns casos de trombose entre os imunizados, principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

Inclusive, na última terça-feira (13), a agência norte-americana que regula medicamentos e vacinas, a Food and Drug Administration (FDA), suspendeu o uso da vacina da Janssen enquanto se investigam seis casos de trombose, após a imunização, notificados em mulheres com idades entre 18 e 48 anos. Já a Covishield — fórmula não aprovada nos EUA — foi relacionada a cerca de uma centena de casos em países da Europa, sendo até suspensa ou até mesmo cancelada em alguns, como na Dinamarca.

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Para entender sobre os motivos que levam a formação de coágulos e a trombose em um baixo número de pessoas já imunizadas com as vacinas Covishield e da Janssen, o Canaltech conversou com o Dr. Erich de Paula, membro do comitê de hemostasia da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Adiantamos que, nos casos relatados, foi observada uma resposta do sistema imunológico anormal diante dos imunizantes, o que deu origem a anticorpos que atacam as próprias plaquetas dos pacientes. 

Quais podem ser os tipos e as causas de trombose?

Antes de entender os possíveis efeitos adversos raros, é preciso definir o que é um caso de trombose. De acordo Erich, a condição acontece quando "há a formação de um coágulo dentro de um vaso sanguíneo, o que pode acontecer tanto nas veias [venosas] quanto nas artérias". Dependendo de onde, o coágulo acontece a trombose apresenta um nível específico de gravidade.

Nesse sentido, a formação de um coágulo nas artérias tende a ser mais grave, já que elas levam oxigênio para os tecidos, o que pode desencadear a falta imediata de oxigênio nesses locais. Isso provoca casos de infarto e derrame e costumam ser mais comuns no coração. Agora, a tromboses venosas acontecem nas veias, ou seja, quando o sangue está voltando para o coração.

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Dessa forma, "as consequências [da trombose venosa] tendem a ser menos dramáticas, no sentido, de que não há uma diminuição imediata do oxigênio para aquele órgão. E o que acontece é o inchaço, dor, porque há uma obstrução que impede que o sangue volte adequadamente", explica o médico. Este tipo de trombose é causado pela hipercoagulabilidade somado a algum outro fator de risco, como uma obstrução do fluxo sanguíneo. Por outro lado, "às vezes, um pedacinho dessa trombose venosa se solta, migra pela veia mesmo até o pulmão e causa uma embolia de pulmão. Aí, sim, a pessoa corre risco de morrer", afirma. 

Como algumas vacinas contra o coronavírus podem causar trombose?

Agora, pensando nos casos de trombose relatados em alguns pacientes que foram imunizados contra a COVID-19 com as vacinas de adenovírus, o principal fator foi o entupimento das veias. “São tromboses, predominantemente, venosas, só que com uma característica diferente. O lugar mais propício costumam ser os membros inferiores, mas, nesses pacientes [imunizados], ela tem acontecido em sítios [locais] incomuns, principalmente no cérebro e no abdômen", comenta o membro do comitê de hemostasia da ABHH.

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Após uma análise detalhada, foi possível observar casos simultâneos de trombose arterial, mas em menor nível. "Aconteceu um fenômeno de hipercoagulabilidade muito intenso e raro, mas quando ocorreu nos casos descritos, ele é extremamente intenso. Talvez, por isso, ele comece numa veia, mas se você olhar com uma lente mais cuidadosa vai ver em outros tecidos, como as artérias", explica o Dr. Erich.

Quanto aos primeiros relatos da formação de trombose ocorreram nesses sítios incomuns, o hematologista especula que "os médicos que atenderam esses primeiros pacientes ficaram surpresos. E quando acontece, normalmente, têm uma causa específica associada a isso". Por isso, foi possível associar a condição a uma reação adversa das vacinas e, neste segundo momento, estão confirmando, especialmente em relação ao imunizante de Oxford/AstraZeneca. 

Existem motivos para os casos de trombose?  

"Essas pessoas que tiveram a trombose [após a imunização] tinham uma característica que é absolutamente rara quando se tem a trombose. É que as plaquetas —  células que temos para fazer a coagulação —  estavam muito baixas. Isso é contraintuitivo, geralmente, o indivíduo com trombose é aquele que tem a coagulação hiperfuncional, não raro tem aumento de plaquetas", afirma o professor da Unicamp.

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Com esta mesma condição do baixo número de plaquetas, existe uma doença já conhecida há décadas, conhecida como a plaquetopenia ou trombocitopenia induzida pela heparina. "A heparina é uma droga que usamos para tratar trombose. Raramente, quando tratamos uma pessoa para prevenir a trombose com heparina, ela pode desenvolver uma condição similar à observada agora", explica. De acordo com as análises feitas, os pacientes não utilizaram o anticoagulante quando desenvolveram a reação adversa rara após a vacinação.

Tanto no caso da heparina quanto no caso de algumas vacinas contra a COVID-19, ocorre uma reação muito expressiva do sistema imunológico, que é quando ele se volta contra o próprio corpo do paciente. Nesse processo, o organismo se confunde e gera anticorpos contra as suas próprias plaquetas, o que possibilita a formação dos coágulos sanguíneos. "Os pacientes têm uma reação do sistema imunológico induzida pela vacina que reduz a contagem de plaquetas. Também foram identificados anticorpos contra um pedacinho da plaqueta [do próprio organismo] e que é o mesmo que a gente identifica nesta outra doença [causada pela heparina]", afirma o hematologista.  

Por isso, a hipótese é que possa ser o vetor das vacinas, no caso os adenovírus, responsáveis pela reação rara. Tanto a vacina da AstraZeneca quanto da Johnson & Johnson usam um segundo vírus para permitir a entrada de fragmentos do coronavírus no organismo da pessoa imunizada. "Uma possibilidade bastante possível é que o organismo reconheça um pedacinho desse adenovírus, o vírus vetor, e isso possa causar a confusão no sistema imune. O fato das duas vacinas estarem associadas a esses eventos e usarem o mesmo tipo de vetor reforça essa ideia", sugere.

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Nessa linha de raciocínio, outras vacinas contra o coronavírus, como as que adotam o coronavírus inativado —  este é o caso da CoronaVac, adotada largamente no Brasil — ou as que utilizam o mRNA (RNA mensageiro) —  como as fórmulas da Pfizer/BioNTech e da Moderna —  não desencadearam a formação de tromboses. Estas evidências corroboram o pensamento.

As vacinas que apresentam o efeito adverso raro devem ser abandonadas?

Entre uma vacina apresentar um risco adverso raro e ter o seu uso abandonado existe uma série de questões a serem analisadas, ainda mais durante uma pandemia. Inclusive, é necessário observar a relação entre benefício e risco de cada medicamento. No caso brasileiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se posicionou sobre a questão da vacina de Oxford/AstraZeneca, pela última vez, no dia 16 de março. Neste caso, "a Anvisa entende que suspender a vacina causaria muito mais danos, mortes, internações do que aplicar", comenta o hematologista.

"Nas bases nacionais que reúnem os eventos ocorridos com vacinas não há registros de embolismo e trombose que tenham relação de causa com as vacinas contra a COVID-19", afirmou a agência, em nota. Além de não ter casos nacionais relatados de trombose, a Anvisa concluiu que "os dados não apontam alteração no equilíbrio benefício‐risco da vacina e recomenda a continuidade do seu uso pela população brasileira". 

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Diferente do Brasil, outros países adotaram posturas mais drásticas relacionadas aos imunizantes, como limitarem o seu para apenas grupos com mais risco de contrair a COVID-19, como os idosos, ou suspenderam totalmente a aplicação. “O cenário brasileiro é complicado, porque dependemos muito da vacina da AstraZeneca. Então, há um entendimento, a não ser que surjam dados novos de uma incidência muito maior do que essa, de que este evento adverso seja possível e que, ainda assim, a vacina continue sendo amplamente indicada", afirma o professor Erich. 

A estimativa do efeito adverso da vacina de Oxford/AstreZeneca na Europa é de 1 para 250 mil, o que "é considerada uma incidência baixa". Com o uso do imunizante autorizado, um fator importante é que os médicos estejam atentos a esses efeitos adversos, caso aconteçam. Até porque existem propostas específicas de atendimento para os casos de trombose relacionado aos imunizantes. 

Quais outros medicamentos podem causar trombose?

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"As pessoas devem se preocupar com a sua saúde, mas não é para ficar imaginando que o único risco é ter uma trombose relacionada à vacina. Risco muito maior é pegar COVID-19 e falecer", afirma o hematologista, a partir da situação epidemiológica que o Brasil enfrenta no combate à doença. Em números, a média móvel diária de óbitos está em 3 mil, de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), e faltam leitos para internação. No entanto, este cenário pode mudar no futuro e o uso do imunizante, então, ser revisto. 

Além disso, “sempre que tomamos um medicamento ou realizamos qualquer tratamento médico, existe um risco embutido. Às vezes, esse risco é maior até do que esse [o das vacinas]", aponta o professor. "A pílula anticoncepcional está associada a um aumento do risco de trombose na população que toma, em torno de 7 vezes do risco basal. Numa estimativa, a cada 200 mil mulheres que tomam pílula, uma pode ter trombose — e [ainda assim] receitamos pílula", ilustra. Em ambos os casos, isso ocorre a partir de uma avaliação de benefício e risco envolvidos em cada caso.