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Saiba por que Sandman era o "Rei dos Easter Eggs" no período pré-internet

Por| 30 de Setembro de 2021 às 11h20

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DC Comics
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Sandman é uma obra-prima da cultura pop, literatura, quadrinhos e das artes gráficas. Tanto o título seriado de 75 edições quanto os especiais trazem um misto de ficção e terror gótico com fábulas em meio a citações históricas, mitologias, religiões, livros, pinturas e autores que tornam tudo o que Neil Gaiman produziu em um mar de criatividade e, claro, muitas referências.

A trajetória do próprio protagonista se confunde com a vida e os momentos icônicos de cada fase de William Shakespeare; e diversos outros momentos da trama envolvem personagens históricos e eventos da jornada da humanidade. Essa brincadeira entre os sonhos e desejos (e destinos, mortes, destruição…) com a realidade sempre foram um “bônus” para os leitores — cada nova leitura das edições de Sandman traz uma experiência diferente, especialmente se você revisita os volumes em distintas etapas da sua vida.

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E, em uma época pré-internet, Sandman pode ser considerado o “Rei dos Easter Eggs”. Isso porque são tantas referências em cada edição que “caçá-las” era um verdadeiro desafio — e encontrá-las um grande deleite. O Canaltech te conta um pouco mais como isso acontecia.

Seção de cartas era tão gostoso de ler quanto a própria revista

Sandman foi publicada originalmente nos Estados Unidos entre janeiro de 1989 até março de 1996. O título chegou ao Brasil na mesma época, pela editora Globo, entre 1989 e 1998. E, embora nos Estados Unidos também houvesse certo atraso em alguns momentos da trajetória da revista, por aqui as coisas foram mais complicadas.

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Algumas edições nacionais demoravam meses para chegar às bancas, e, quando desembarcavam nas prateleiras, havia até mesmo mudança de formato da publicação, com papel ou fonte diferente. Esses hiatos deixavam os fãs muito ansiosos. E uma das maneiras de amenizar um pouco a espera era justamente reler cada precioso número que ainda estava à venda nas comic shops. E muita gente, nessas releituras, encontrava mais e mais easter eggs em meio à trama.

O editor de Sandman na Editora Globo na época, Leandro Luigi Del Manto, sabiamente, abriu o espaço da seção de cartas para que os leitores enviassem “curiosidades sobre o infindável Universo dos Sonhos”, em “Cartas na Areia”. Veja bem, era um período ainda sem internet, então, encontrar os easter eggs e compartilhar as descobertas era algo ainda mais divertido para pessoas que não se conheciam e dividiam a mesma paixão Brasil afora.

Então, as “Cartas na Areia” se tornaram um verdadeiro fórum de descobertas de easter eggs. E como Sandman é abarrotado de referências, ver que um leitor encontrou algo que você não conseguiu enxergar na primeira leitura era uma experiência de aprendizado — e tornava a releitura ainda mais prazerosa, pois, claro, todo mundo queria também observar o que não tinha visto na primeira vez que passou os olhos pelas páginas.

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Mas como esses easter eggs apareciam?

Bem, se você é leitor de Sandman, sabe que em quase toda página há uma homenagem ou citação a um autor, uma obra literária, uma pintura, um evento histórico, um filme, uma música, e por aí vai. Vamos ao exemplo mais óbvio, logo da edição de abertura.

Quando Sandman é capturado no lugar da Morte, isso é realizado por um culto liderado por Roderick Burgess. Tanto o feiticeiro quanto seu grupo são uma referência ao ocultista britânico Aleister Crowley e sua Ordem Hermética da Aurora Dourada.

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No exato momento em que Mestre dos Sonhos é aprisionado, muitas pessoas que estavam dormindo deixam de acordar e só voltam à consciência quando ele foge do confinamento. Nos quadrinhos, Gaiman explica que essa foi a razão do estado catatônico que muitas pessoas apresentaram na epidemia da “doença do sono”, durante a Primeira Guerra Mundial. A encefalite letárgica é retratada no filme Tempo de Despertar (1990), com Robert De Niro e Robin Williams. E a mesma sequência em que isso aparece também há uma homenagem ao Sandman Wesley Dodds, que era um vigilante da DC Comics na Era de Ouro dos Quadrinhos.

Em outra edição de Sandman, vemos que o personagem responsável por nossos pesadelos no Sonhar, o Coríntio, fugiu do reino do Mestre dos Sonhos e caminha pela Terra como um serial killer. O Coríntio, que tem mandíbulas no lugar dos olhos, tinha como assinatura a remoção do globo ocular de suas vítimas. E o período em que ele veio à nossa realidade na trama “coincide” com a época em que Charles Albright, um dos primeiros assassinos seriais modernos, conhecido como “The Eyeball Killer” (“O Assassino do Globo Ocular"), atuava em Dallas, nos Estados Unidos.

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E o que dizer da participação de William Shakespeare? Bem, o “maior escritor de todos os tempos” ganha essa alcunha justamente depois de um pacto com o Mestre dos Sonhos, que lhe encomendou três obras. A entrega da primeira parte dessa encomenda acontece com Sonho de Uma Noite de Verão, que dá nome à edição 24 de Sandman. A história é encenada pela primeira vez em um campo, com Morpheus e seus convidados de Faerie assistindo à peça sobre eles mesmos — a ideia é de que Morpheus é quem colocou os elementos de fantasia do Reino das Fadas nos delírios oníricos de Shakespeare. Esta publicação, aliás, foi a primeira história em quadrinhos a entrar na prestigiada lista de best-sellers literários do jornal The New York Times.

Essas são apenas algumas das centenas de referências, homenagens, citações, easter eggs, chamem do que quiserem, que Sandman proporcionou ao longo de sua publicação.

A “brincadeira” de caça a easter eggs se tornou coisa séria

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Pois então, as referências eram tantas, que um dia o pesquisador Leslie S. Klinger decidiu transformar a “brincadeira” de “caça a easter eggs” em coisa séria: Klinger passou horas observando cada minúcia das principais edições de Sandman para criar quatro volumes de luxo com anotações sobre as referências espalhadas pela revista — e fez isso página a página, painel por painel.

Klinger teve horas de conversas com o próprio Gaiman e diz ter visitado a própria biblioteca pessoal do autor, que abriu uma exceção e deixou-o consultar várias de suas fontes para a criação de Sandman. Assim, o pesquisador juntou suas horas e horas de leituras sobre mitologias, eventos históricos, autores, músicas, filmes e demais obras, para chegar a The Annotated Sandman.

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O resultado são quatro volumes com capa dura e proteção de luxo, no formato 30.73 x 4.24 x 30.73 cm de aproximadamente 560 páginas cada um, que ganharam ilustrações especiais do próprio capista do título mensal, Dave McKean. Ao lado da história, reproduzida em preto e branco, você pode conferir os easter eggs numerados, com a explicação do que significam, de onde saíram e por que Gaiman incluiu-os na trama.

É uma experiência ainda mais completa da jornada de Sandman, e, para os leitores mais fieis, é uma peça de colecionador obrigatória. Bem, a trajetória do Mestre dos Sonhos e de sua incomum família está prestes a chegar à Netflix. E, pode apostar, a série também vai tornar muitos dos espectadores em “caçadores easter eggs” — e, agora, você sabe por que Sandman foi o “Rei dos Easter Eggs” em uma era pré-internet, especialmente no Brasil.