Metaverso deve acontecer entre 5 e 10 anos, diz executivo da Meta
Por Márcio Padrão • Editado por Claudio Yuge |
O metaverso é a grande novidade do futuro próximo ou o maior mico recente da tecnologia, dependendo de quem fala. O ambiente que mescla realidade virtual, gráficos 3D e internet descentralizada ainda é uma incógnita para muita gente. Em entrevista exclusiva ao Canaltech, Conrado Leister, diretor-geral da Meta no Brasil, defende que o conceito abrirá "novas perspectivas para a diversidade e inclusão" e estima que será realidade em tudo o mundo entre cinco a dez anos.
- O metaverso do Facebook é extremamente preocupante, alerta ex-funcionária
- Do que preciso para acessar o Metaverso?
A Meta — conglomerado dono do Facebook, WhatsApp e Instagram — é sem dúvida uma das big techs mais interessadas no sucesso do metaverso. Desde que anunciou sua intenção de focar neste conceito, chamando-o de "próximo capítulo para a internet", Mark Zuckerberg deixou claro que grande parte da pesquisa e desenvolvimento da empresa nos próximos anos será com o metaverso em mente.
No entanto, a empresa vem sendo alvo de desconfiança por conta de seu histórico recente com o tratamento de dados pessoais. Sobretudo no escândalo Cambridge Analytica em 2018, quando informações de mais de 87 milhões de pessoas do Facebook foram usados de forma indevida para campanhas políticas. Por isso especialistas temem o poder informacional amplificado que a Meta poderá adquirir em um novo ambiente de internet, além de usar sua grande participação no mercado para monopolizar comercialmente o conceito.
Em linhas gerais, Leister afirma na entrevista que a Meta pretende não só trazer mais empresas e entidades para a discussão e criar parâmetros de segurança e privacidade mais incisivos, como também diz que a empresa aprendeu com os erros do passado e usará a experiência para se antecipar a problemas semelhantes que vimos — e ainda vemos — na fase atual da internet. "É por isso que estamos tendo conversas abertas com bastante antecedência", diz.
Conrado, o metaverso proposto pela Meta se baseia em quatro pilares: oportunidade econômica, privacidade, segurança/integridade e equidade/inclusão. Por que esses pilares foram escolhidos?
É importante destacar que o metaverso será uma construção conjunta e não será controlado pela Meta ou por qualquer outra empresa. Será similar ao desenvolvimento da internet como um todo e não ao lançamento de um aplicativo específico. Estamos comprometidos em trabalhar nisso ao lado de outras empresas, desenvolvedores, legisladores e especialistas para um desenvolvimento seguro e baseado no princípio da interoperabilidade entre as empresas.
O metaverso não só oferecerá um novo nível de criatividade e inovação para empresas como também permitirá a geração de novas demandas. Algumas marcas têm experimentado aplicações que são uma porta de entrada para essa realidade — desde hologramas a filtros de realidade aumentada, permitindo que as pessoas experimentem maquiagem, modelos de óculos ou testem como um sofá vai ficar na sala de suas casas. Exemplos como esses já estão ao nosso alcance por meio dos aplicativos e dispositivos móveis.
Acreditamos que o metaverso pode facilitar mudanças sociais e abrir perspectivas para a diversidade e inclusão. Estamos comprometidos a criar parcerias com profissionais que ajudarão a construir esse ambiente de maneira diversa (como desenvolvedores e criadores em AR, por exemplo), a tornar essas tecnologias o mais acessível possível, a viabilizar uma representação mais diversa por meio de avatares e a ajudar pessoas a superar barreiras de linguagem através de inteligência artificial, entre outras iniciativas.
Como estão as parcerias e investimentos da Meta para o metaverso? Em outubro a empresa anunciou um fundo de US$ 10 milhões para incentivar criadores a construírem conteúdos no beta do ambiente VR Horizon. Haverá mais exemplos como estes?
Globalmente, estamos investindo US$ 150 milhões (R$ 735 milhões) ao longo de três anos para ajudar a desenvolver a próxima geração de criadores do metaverso. Investir nessa área significa viabilizar experiências imersivas de alta qualidade que podem transformar a forma como aprendemos. E, no futuro, aumentar o acesso à educação por meio de tecnologias a comunidades que provavelmente não teriam acesso a elas de outra forma.
Poderiam adiantar algumas das ideias em desenvolvimento? Já conseguiram cooptar empresas e criadores brasileiros para atuar no metaverso?
Aqui no Brasil, lançamos este mês o Desafio RAP: Realidade Aumentada na Pele, um programa para o Brasil para aumentar a diversidade entre os criadores de filtros de realidade aumentada. Vamos oferecer treinamentos e uma premiação voltados exclusivamente para a comunidade negra, para trazer mais representatividade a esse ecossistema e ajudar a mitigar a grande lacuna de inclusão no ambiente digital.
Em toda a América Latina, fizemos parcerias com organizações como a Platzi, uma das principais plataformas de educação online da América Latina, e a Organização dos Estados Americanos, para treinar criadores em codificação e em nossa tecnologia Spark AR. No total, mais de 13 mil vagas de treinamento para aprendizado imersivo de realidade aumentada foram entregues na região nos últimos seis meses.
Estamos convidando startups em estágio seed da América Latina a se inscreverem para obter capital de nosso braço de investimentos, NPE Ignite. O NPE (Experimentação de Novos Produtos, em inglês) é construído com e para comunidades marginalizadas, experimentando novas tecnologias para que elas um dia possam escalar para o mundo. Acreditamos que o metaverso criará oportunidades em toda a região e estamos ajudando a construir isso com diversidade e responsabilidade desde o início.
Existe um cronograma da Meta para lançar o metaverso gradualmente em cada região do globo? No caso do Brasil, quais seriam as datas para o metaverso começar na prática? As organizações ITS-Rio, Safernet e IP.Rec ainda estão envolvidas?
Acreditamos que o metaverso será construído, de maneira colaborativa, na próxima década — estamos falando de um horizonte de cinco a dez anos. No entanto, algumas partes importantes do metaverso já estão no nosso dia a dia, como a realidade aumentada. Em todo o mundo, mais de 700 milhões de pessoas usam efeitos de realidade aumentada todos os meses em nossos aplicativos. Essa tecnologia já está acessível por meio dos dispositivos móveis e aplicativos em 2D, no Facebook e no Instagram, por meio dos filtros.
Quatro organizações brasileiras estão entre os dez novos parceiros dos nossos programas XR [sigla em inglês para Realidades Estendidas] e fundos de pesquisa. O ITS Rio [Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio] vai estabelecer um hub de especialistas para identificar oportunidades e desafios do metaverso na América Latina, particularmente no Brasil; o IRIS [Institute for Research on Internet and Society] estudará privacidade e proteção de dados em tecnologias imersivas no contexto das políticas e estruturas de governança; a Safernet organizará workshops e hackathons para discutir a segurança de mulheres e crianças em experiências de realidade virtual e aumentada; e o IP.Rec analisará as políticas públicas brasileiras aplicáveis à realidade virtual e aumentada.
O metaverso requer requisitos técnicos para participar, como internet 5G e headsets de realidade virtual. Esses últimos aparelhos não são fabricados no Brasil, além de serem considerados caros e pesados demais. Quando você acha que essa tecnologia ficará mais barata e acessível para os consumidores, incluindo os brasileiros?
Os produtos Oculus não estão disponíveis para venda na América Latina atualmente, mas estamos sempre explorando opções para expandir a distribuição. Queremos levar nossos produtos a novos países de maneira adequada — com idiomas locais, conteúdo e suporte a desenvolvedores. Ao mesmo tempo, estamos investindo em programas e pesquisas focados em tornar o metaverso — assim como os dispositivos e experiências de realidade virtual (VR) — acessíveis a mais pessoas.
Qualquer que seja o aplicativo ou tecnologia que você use, todos devem poder se beneficiar do que o metaverso pode oferecer. O Meta Horizon Worlds, um dos melhores exemplos de experiência no metaverso, não irá funcionar apenas em equipamentos de realidade virtual. Estamos projetando-o para funcionar em apps móveis, websites e nos nossos apps Facebook e Instagram. Ou seja, o metaverso não dependerá exclusivamente do acesso a esses equipamentos.
Quando o conceito de metaverso foi anunciado pela Meta, houve muita desconfiança. O inventor do PlayStation, Ken Kutaragi, acha que ele isolará usuários do mundo real. Para o criador do iPod, Tony Fadell, não existe um problema a ser resolvido com o metaverso. Qual tem sido a resposta da empresa a essas críticas?
Nada substitui estarmos juntos fisicamente. A chegada do metaverso não quer dizer que vamos passar mais tempo online do que ao vivo com as pessoas. Mas quando não pudermos estar pessoalmente, o metaverso vai permitir experiências online mais imersivas e mais significativas. Fica mais fácil sentir que estamos tendo uma experiência compartilhada mesmo quando não podemos estar juntos, como jogar um jogo em família ou assistir a um concerto à distância.
A ex-funcionária da Meta Frances Haugen disse que o metaverso será "viciante e roubará das pessoas ainda mais informações pessoais, ao mesmo tempo que dará à empresa em apuros outro monopólio online". Somado ao escândalo do Cambridge Analytica, como tudo isso afetou e afeta a Meta em seus planos para o metaverso?
Aprendemos muito desde o surgimento da web e da internet móvel e devemos usar isso para ajudar a tornar o metaverso uma plataforma segura. Princípios de privacidade e segurança precisam ser construídos desde o início. E é por isso que estamos tendo conversas abertas com bastante antecedência. Já lançamos um fundo de investimento de US$ 50 milhões [R$ 245 milhões] para os próximos dois anos para colaborar com players da indústria, grupos de direitos civis, governos, ONGs e acadêmicos para explorar como podemos construir essas tecnologias de maneira responsável.
Também vamos aproveitar nossa infraestrutura, investimentos e experiências, incluindo as 40 mil pessoas que trabalham em segurança na Meta, e os mais de US$ 13 bilhões [R$ 63 bilhões] já investidos nessa área desde 2016. Além disso, anunciamos um investimento de mais de US$ 5 bilhões [R$ 24 bilhões] em segurança em 2021.
A Horizon Worlds da Meta vai tomar cerca de 47,5% do valor obtido por desenvolvedores na venda de itens virtuais. O porta-voz da Apple, Fred Sainz, chamou isso de “hipocrisia”, já que Mark Zuckerberg já reclamou das taxas cobradas pela Apple na App Store. Esta taxa está definida mesmo?
Anunciamos recentemente nossos planos para, gradualmente, levar o Horizon Worlds para plataformas para além de aparelhos de VR, para que mais pessoas possam ter acesso às novas tecnologias. À medida que isso aconteça e que o Horizon Worlds chegue a dispositivos móveis, outras empresas cobrarão suas próprias taxas de plataforma. No caso do Meta Quest, usamos a receita gerada por nossa loja para compensar diretamente o custo dos nossos dispositivos Quest — que, vale lembrar, ainda não estão disponíveis para venda na América Latina atualmente — no varejo.
Nossa abordagem é expandir o mercado de realidade virtual oferecendo dispositivos acessíveis, e essa receita é fundamental para que isso aconteça. O valor econômico que entregamos aos nossos desenvolvedores é claro: atualmente, temos mais de 120 títulos com US$ 1 milhão (R$ 4,9 milhões) ou mais em receita bruta apenas na Quest Store, uma conquista que seria impensável em qualquer plataforma de realidade virtual alguns anos atrás.
Quais os planos da Meta para lidar com as esperadas cobranças de governança, segurança e privacidade de dados no metaverso? No que estes planos diferem do que já foi feito no Facebook e outras plataformas do grupo?
Construir o metaverso com responsabilidade é um compromisso da Meta, e deverá ser um esforço coletivo. Como mencionado na resposta anterior, esperamos colaborar com uma série de outros atores nessa jornada, e acreditamos que essa diversidade de perspectivas irá contribuir sensivelmente para que essa nova tecnologia seja moldada de maneira inclusiva, segura, acessível e diversa.