Alienígenas farão contato em 2029? Isso não é verdade!
Por Daniele Cavalcante • Editado por Patricia Gnipper |
Talvez você tenha lido hoje por aí alguma notícia dizendo que alienígenas podem entrar em contato com a Terra em 2029. Calma, que não é bem assim!
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Algo tão surpreendente assim ser disseminado primeiro em tabloides sensacionalistas (e não em sites de agências espaciais, de institutos de pesquisa, de universidades de ciências, de cientistas em geral) já deveria ser um sinal de alerta, mas ainda assim (e mais uma vez), muitos blogs e até veículos de imprensa seguem replicando o que foi noticiado de maneira sensacionalista "na gringa".
E, de novo, o Canaltech se vê na obrigação de esclarecer o assunto e informar com responsabilidade.
Palavra da Editora*
Saiu um estudo na The Astronomical Society of the Pacific com essa informação, é verdade. Mas isso é apenas um recorte distorcido do que o estudo realmente propôs. Assim como recortar trechos de uma conversa para dar outro sentido àquelas palavras, também é possível extrair uma informação isolada de um artigo científico e promover desinformação na mídia. Além disso, em casos em que a desinformação é apenas fruto de desconhecimento, vale reforçar mais uma vez a importância de jornalistas e divulgadores em geral saberem como ler e interpretar um artigo científico.
A confirmação de que alienígenas existem é um dos maiores sonhos da humanidade, ainda mais se estivermos falando de civilizações tecnológicas que podem construir instrumentos capazes de nos encontrar e estabelecer algum tipo de comunicação. Algo dessa magnitude teria poder de mudar nossa sociedade radicalmente — e de maneiras que sequer podemos prever. Será que a humanidade iria "surtar" apavorada e haveria um colapso da civilização? Será que isso seria suficiente para o ser humano ter uma visão mais, digamos, universal da vida, superando problemas na Terra? Ou será que passando o hype da novidade ninguém se importaria mais com isso e "vida que segue"?
E justamente por ser um tema que mexe tanto com as pessoas, chega a ser leviano noticiar meias verdades — verdades distorcidas que, no fim das contas, não passam de fake news. É preciso um pouco de ceticismo ao se deparar com notícias surpreendentes como essas, para então entender o que os pesquisadores estão dizendo em seus artigos científicos, principalmente quando se tratam de notícias que podem facilmente se tornar sensacionalistas com uma escolha de palavras equivocada — para dizer o mínimo.
Nas próximas linhas, você encontra a explicação para essa confusão toda. Também entende o que o estudo original realmente disse, e o que aquilo significa.
Entenda a confusão
Os autores Reilly Derrick (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e Howard Isaacson (Universidade da Califórnia em Berkeley) investigaram sinais de rádio transmitidos pela NASA para as missões interplanetárias Voyager 1, Voyager 2, Pioneer 10, Pioneer 11 e New Horizons.
Essas espaçonaves se comunicam com os operadores das missões por meio das antenas de rádio da Deep Station Network (DSN), uma rede internacional da NASA que estabelece contato com as naves em viagens interplanetárias e até mesmo com alguns satélites em órbita da Terra.
Além dessas informações, os autores usaram o catálogo de estrelas do Gaia, o satélite da Agência Espacial Europeia (ESA), para mapear as estrelas que estão ao alcance dessas transmissões, em uma distância de até 100 parsec (1 parsec corresponde a 3,26 anos-luz, ou 30,9 trilhões de quilômetros).
Proxima Centauri, uma das estrelas mais próximas do Sistema Solar, fica a 1,3 parsec de distância de nós — ou seja, 4,22 anos-luz afastada da Terra. Isso significa que os fótons — portadores de todos os sinais eletromagnéticos, incluindo o rádio — demoram 4,22 anos para chegar até essa estrela.
Calcular essas distâncias e o tempo que os sinais de rádio levariam para chegar até as estrelas próximas é relativamente simples. O artigo, no entanto, fez um ótimo trabalho ao usar os objetos mapeados pelo Gaia, que produziu o maior catálogo de estrelas da Via Láctea e verificou quais as estrelas que podem ter sido alcançadas por nossas transmissões.
O resultado é realmente interessante: o catálogo Gaia mostrou 331.312 estrelas nos 100 parsecs estabelecidos pela equipe para os cálculos, com muitos objetos de classe espectral M8 (0.085 vezes a massa do Sol). Entre elas, 92% são anãs vermelhas de classe M9 (0.08 massa solar).
Em estudos não relacionados, os astrônomos debatem o quanto as anãs vermelhas de baixa massa têm mundos potencialmente habitáveis em suas órbitas, e os pesquisadores tendem a concordar que as chances são boas para essas estrelas — embora outras pesquisas discordem.
O novo estudo mostra que os sinais enviados para a Pioneer 11 em 2018 encontram em seu caminho 411 estrelas, o maior número alcançado pelas transmissões. Já os sinais enviados à New Horizons têm em seu caminho o menor grupo, com 112 estrelas. “Para a Voyager 1, 2 e Pioneer 10 são 289 , 325 e 241 estrelas, respectivamente”, escreveram os cientistas.
A melhor notícia é que as transmissões das missões Voyager 2, Pioneer 10 e Pioneer 11 já encontraram pelo menos uma estrela, enquanto os sinais da Voyager 1 e da New Horizons devem encontrar estrelas em um futuro próximo. E é aqui onde devemos ter um pouco de cautela, por diversos fatores, começando pelo tempo de retorno de uma eventual resposta dos aliens.
Como mencionado anteriormente, os sinais de rádio são “carregados” pelos fótons, que viajam à velocidade da luz. Portanto, uma comunicação precisa levar em conta o tempo de ida do sinal e o tempo que uma resposta chegaria aos nossos radiotelescópios. E, claro, os autores do artigo também incluíram esse fator nas contas.
O motivo do alarde na mídia e em redes sociais é que o estudo aponta principalmente para uma transmissão realizada pela NASA em 2002 para a Pioneer 10 — a resposta, caso existam civilizações tecnológicas ao redor da estrela 2611561706216413696, poderia chegar aqui em 2029. E é só isso: o cálculo do tempo de resposta de um sinal vindo de tal estrela se por lá existir alguma civilização alienígena tecnologicamente envolvida.
Ou seja: noticiar que "alienígenas podem fazer contato com a Terra em 2029" é uma gigantesca especulação sem fundamento — além de uma interpretação no mínimo questionável do propósito do estudo.
Também está listado o tempo de resposta para outras transmissões das espaçonaves, incluindo as que a NASA deve fazer no futuro. Por exemplo, respostas para sinais enviados à Voyager 1 só poderiam chegar aqui a partir de 2109. Já os sinais à Voyager 2 já encontraram dois objetos em 2007 e uma resposta de lá pode chegar em 2031 ou 2033.
Apenas em 2336 todas as 272 estrelas próximas terão sido alcançadas pelos sinais da Voyager 2. Sinais à Pioneer 11 já atingiram uma estrela anã em 2018, mas a resposta só chegaria em 2058. Todas as 386 estrelas atingidas por transmissões relacionadas à Pioneer 11 terão recebido um sinal até 2317. Transmissões da New Horizons ainda não encontraram uma estrela, mas isso ocorrerá em 2119 e todas as 139 ao alcance desses sinais serão atingidas em 2338.
Lembrando que, até hoje, não foi detectado um mínimo indício de possibilidade de existir algum tipo de vida em planetas e estrelas conhecidos — ainda que esta busca continue, já que a ciência não pode afirmar que "alienígenas não existem" apenas porque ainda não fomos capazes de encontrá-los.
De qualquer maneira, é muito mais provável que não exista mesmo vida alguma por ali, do que existirem seres extraterrestres tecnologicamente desenvolvidos. Infelizmente, o "primeiro contato" deve continuar existindo apenas na ficção científica por enquanto.
As reais chances de ter ETs nas estrelas estudadas
O escopo do estudo se limita a calcular o alcance desses sinais da DSN em uma área de 100 parsecs. Mas há muito para se levar em consideração, começando com o mais óbvio: há planetas ao redor de todas essas estrelas? E, se houver, são planetas rochosos? Estão na zona habitável das estrelas? Têm condições favoráveis ao surgimento da vida como a conhecemos?
E mais: se existir vida nesses mundos, será que elas são inteligentes ou seriam vida microbiana? Caso existam civilizações avançadas, elas possuem tecnologias capazes de detectar nossos sinais? Ou seriam tão mais avançadas do que nós que algum tipo de comunicação acabaria sendo impossível?
Transmissões de rádio — ou melhor, seus fótons — podem percorrer todo o universo caso não encontrem nenhum obstáculo. Contudo, as ondas enfraquecem à medida que avançam, segundo a lei do inverso quadrado — relação que nos diz a intensidade de radiação (incluindo o rádio) até chegar a um “alvo”.
Segundo essa lei, a força do sinal cai para um quarto toda vez que a distância da fonte dobra. Outro modo de pensar nisso é que, à medida que o raio do sinal cresce durante a viagem, a potência do sinal diminui, pois os fótons se espalham por uma área mais ampla.
Isso implica no segundo fator óbvio: a potência inicial da transmissão, que deve ser forte o suficiente para ser detectado por antenas alienígenas. E também há uma pegadinha escondida aqui: os transmissores dos aliens, caso eles queiram nos responder, devem ser igualmente potentes para recebermos os sinais.
Um fator menos óbvio, mas igualmente importante, é o ruído de fundo na detecção de sinais eletromagnéticos. Os astrônomos observam esse ruído há pelo menos 50 anos, quando a radiação cósmica de fundo (CMB) foi descoberta. Essa radiação é a luz remanescente do Big Bang e está presente em todas as direções do universo.
É praticamente inevitável que a CMB apareça nos sinais de determinadas frequências, então será preciso radioreceptores ainda mais refinados para distinguir nossas transmissões desses ruídos de fundo. E se os aliens puderem fazer isso, ainda terão que trabalhar muito para encontrar de qual pontinho minúsculo veio esse sinal.
Por fim, há questões mais filosóficas, como a teoria da Floresta Escura. Ela sugere que, talvez, alienígenas já nos detectaram, mas não querem falar conosco por enquanto. Afinal, há boas razões para uma civilização ficar "quietinha" no canto delas, sem querer se envolver com povos desconhecidos — e talvez muito menos evoluídos.
Dizem que a esperança é a última que morre, então talvez em 2029 a gente volte a tocar neste assunto. Contudo, as probabilidades são bem poucas de haver contato com alienígenas até lá, considerando todos esses fatores. De qualquer forma, o estudo é importante para restringir a busca por estrelas que podem abrigar planetas potencialmente habitáveis em futuras buscas pela existência de vida na vastidão do universo além da Terra.
*Com colaboração de Patricia Gnipper