Crítica Gavião Arqueiro | As vantagens de não ter expectativas
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
A expectativa é a mãe da decepção — algo que os filmes e séries de quadrinhos nos ensinaram tão bem ao longo dos últimos anos. Por isso mesmo, não esperar nada de Gavião Arqueiro foi a melhor coisa para aproveitar o seriado dedicado ao mais irrelevante membro dos Vingadores.
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Ninguém realmente se importa com o personagem e esse foi o grande trunfo da nova aposta da Marvel. Na falta de grandes poderes, não é preciso ser assim tão responsável assim — e a história se beneficiou bastante com a leveza que essa liberdade oferece. E o que vimos foi uma divertida aventura de Natal que humaniza seus super-heróis, melhora pontos fracos do passado e prepara as coisas para o futuro.
E a maior prova disso é o quanto Gavião Arqueiro adiciona ao Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês). Apesar de seu jeito descompromissado, a última missão de Clint Barton (Jeremy Renner) introduz novos rostos, traz de volta velhos conhecidos e te faz querer ver mais do que vem dessas histórias pé no chão.
Gente como a gente
Depois de todo esse tempo de MCU, a gente até esquece que nem sempre os heróis precisam enfrentar alienígenas, robôs assassinos ou lidar com algum tipo de luz azul no céu que pode acabar com toda a existência de uma hora para a outra. Às vezes, as coisas podem ser bem mais simples e mundanas, como uma gangue de russos tocando o terror na vizinhança, ricaços metidos em negócios escusos ou um grande chefão do submundo do crime.
E Gavião Arqueiro puxa o universo Marvel de volta para essa simplicidade que sempre foi tão comum nos quadrinhos e que se perdeu nos cinemas e na TV. Nem tudo é sobre salvar o mundo e que, às vezes, os heróis também precisam lidar com o crime comum. Essa é a graça dos quadrinhos e que é resgatado por aqui.
Essa abordagem mais pé no chão é algo que já tínhamos visto, em certa medida, em Falcão e o Soldado Invernal, mas ainda carregada de uma seriedade tanto nas temáticas abordadas quanto no próprio avançar da trama. Por isso, Gavião Arqueiro se destaca por se aceitar tão irrelevante quanto um gibi — e isso é um grande elogio.
A série traz toda a leveza que uma história de Natal precisa ao mesmo tempo em que se abre para rir de si mesmo. Se Barton não é o herói favorito de ninguém, que isso seja usado justamente para mostrar o personagem cansado dessa vida de salvar o mundo e só querendo ter um dia de paz, mesmo que isso soe impossível.
É a partir dessas pequenas situações mundanas do Vingador que passa a ter problemas de audição pelas maluquices em que se enfiou, que tem dores nas juntas de ficar se pendurando por aí e que tem de se enrolar em comida congelada para dar conta das luxações é que a gente se aproxima de um Barton que sempre foi muito apagado nos cinemas.
Isso funciona tão bem que é divertido vê-lo tendo que lidar com o faniquito das pessoas quando veem um Vingador ou quando ele tem que se submeter a coisas como uma partida de RPG para conseguir uma flecha. É um sentimento de cansaço que nos é muito comum, mas muito raro ver em qualquer herói e que nos lembra que eles ainda são gente como a gente.
Carisma em grandes doses
A prova de que o Gavião Arqueiro é irrelevante é que nem mesmo a sua série é sua mesmo — e, mais uma vez, isso está longe de ser um problema. A estreia de Kate Bishop (Hailee Steinfeld) é tão forte que a jovem rouba a cena ao longo de todos os episódios, ofuscando o próprio Barton e puxando todos os holofotes para si.
E isso não acontece apenas porque a história realmente gira em torno dela, de sua família e de sua insistência de estar perto de seu ídolo. Além de todas essas razões, a atriz é tão carismática que entrega uma das melhores novidades do MCU dos últimos anos.
Seja com seu entusiasmo quase infantil, suas habilidades realmente impressionantes ou pelos ótimos diálogos que ela tem com praticamente todo mundo, ver Bishop em tela é realmente gostoso demais. No fim das contas, a série é muito mais sobre a origem da Gaviã Arqueira do que do Gavião que a gente viu até aqui.
Além disso, toda a sua dinâmica com Yelena Belova (Florence Pugh) é ainda melhor. A jovem espiã já tinha sido o grande destaque de Viúva Negra e retorna aqui para fazer uma dupla ainda melhor e mais carismática. Mesmo com as duas interagindo apenas na reta final da série, essa parceria é facilmente a melhor coisa de todos os seis episódios.
Aliás, todo o arco envolvendo a relação de Barton com Natasha (Scarlett Johansson) é algo que funciona tão bem por aqui que Gavião Arqueiro se torna uma homenagem muito mais bonita e sincera para a personagem do que todo Viúva Negra.
Mesmo sem mostrar a heroína, o jeito com que Clint se refere a ela e o sentimento de perda e de culpa trazem um peso ainda maior para os acontecimentos de Vingadores: Ultimato e que o longa solo da espiã não conseguiu entregar. Aqui vemos bem o quanto o luto é esse amor que perdura.
O mal da Marvel
Só que o fato de Gavião Arqueiro ser uma série que não se leva tão a sério assim não a isenta de seus problemas. O principal deles é algo que já se mostrou um ponto falho nas demais séries da Marvel, que é justamente as resoluções apressadas e a história corrida, o que acaba por prejudicar alguns dos arcos que tentam ser apresentados.
Neste caso, apenas seis episódios realmente parecem muito pouco para a grande quantidade de coisas que eles queriam contar. Afinal, além da relação de Clint e Kate, há toda a jornada de Maya (Alaqua Cox), de Yelena, as atividades criminosas de Eleanor (Vera Farmiga) e a própria inserção do Rei do Crime (Vincent D’Onofrio).
E tudo isso acaba sendo resolvido de forma acelerada e sem grande profundidade. A aparição de Wilson Fisk foi muito comemorada pelos fãs, mas ela é tão rápida que se torna quase um easter egg do que algo realmente relevante para a história. Afinal, valia a pena criar todo o suspense para entregar algo tão passageiro e sem impacto no restante do MCU?
O mesmo acontece com Maya, que foi apresentada com toda pompa e circunstância como uma vilã à altura do Gavião Arqueiro, mas que é completamente ofuscada já no episódio seguinte à sua estreia — afinal, logo já veio Yelena e o foco foi para ela.
A impressão que fica é que os roteiristas estavam com tanto receio de que a série não tivesse o que contar que inflaram a trama com pequenos plots. O problema é que não há como desenvolver tudo isso direito em seis episódios, de modo que tudo fica só jogado.
Tudo bem que a gente sabe que Maya vai ganhar uma série própria, mas não há como negar que o seu desenvolvimento ficou bem abaixo do esperado, já que ela tem quase a mesma relevância para a trama que o bandido que queria ir ao show do Imagine Dragons. E qual era o interesse de todo mundo no tal relógio que estava sendo leiloado no mercado negro? Nenhum, já que ele simplesmente some da trama para aparecer quando é conveniente.
Essa correria na reta final é algo que já vem se apresentando desde WandaVision e se tornou uma constante nas séries do Disney+. Não é algo que estrague tudo o que vimos até aqui, mas tira muito o brilho não só das adaptações, mas dos próprios personagens. Afinal, com tanto potencial em mãos, é decepcionante ver algumas boas ideias sendo desperdiçadas.
Ainda assim, o saldo de Gavião Arqueiro segue bastante positivo. Com personagens muito carismáticos e com boas promessas para o futuro do MCU, a série que começou sem qualquer expectativa se revelou uma ótima surpresa por lembrar que, no fim das contas, personagens de gibis também estão aí para trazer alguma leveza em suas aventuras— assim como uma história de Natal.
Gavião Arqueiro pode ser assistida por todos os assinantes do Disney+.