Crítica Cavaleiros do Zodíaco | Não é a tragédia que esperavam, mas ainda ruim
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Todo filme aparentemente ruim traz uma aura inevitável de acidente de trânsito. Aquela curiosidade mórbida que, mesmo sabendo que você vai encontrar algo tenebroso, te faz diminuir a velocidade para conferir a tragédia. Um circo dos horrores que sempre nos atrai, gostemos ou não. E esse espírito está presente em Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo desde que ele foi anunciado.
Diante da divulgação quase inexistente e da própria falta de confiança da Sony com o projeto, tudo levava a crer que a adaptação em live-action de um dos animes mais clássicos e icônicos seria um desastre monumental. Algo no nível de um engavetamento com mortes e com cenas lamentáveis na pista. Contudo, contrariando todas as previsões, o longa é apenas um acidente comum, aquele em que o motorista perde o controle do carro e bate no poste, mas não machuca ninguém.
Não me entenda errado: Saint Seiya – O Começo é um filme bem ruim e uma adaptação pior ainda, mas está longe de ser a catástrofe que todo mundo imaginava. Ainda que cometa muitos deslizes e tenha um roteiro fraquíssimo, ele acerta em alguns pontos que o deixam minimamente simpático e que funcionariam muito bem se os produtores não odiassem Cavaleiros do Zodíaco.
Esqueça o anime
Tenha em mente que a única forma de assistir a Saint Seiya – O Começo é esquecendo que ele é uma adaptação de um anime. Se você tem qualquer apego a Cavaleiros do Zodíaco ou espera ver a história clássica sendo recontada, é melhor economizar o dinheiro do ingresso e rever o desenho. Ainda que ele faça algumas referências aqui e ali ao material original, o longa parece ter vergonha de sua origem e faz questão de se afastar dela sempre que possível.
Isso vai desde elementos visuais a questões conceituais que vão incomodar demais os fãs. A ideia de deixar de tratar o Cosmo como algo metafísico para uma energia física é ofensivo no nível midi-chlorians em Star Wars. É algo que empobrece todo o universo que está trabalhando, além de conduzir a história por um caminho lamentável.
Só que, há coisas que funcionam em meio a esse lodaçal que é o roteiro — e já vamos voltar a ele em breve — e tornam a tragédia menor do que o esperado. Ainda que não seja o suficiente para dizer que Saint Seiya – O Começo é bom, a decisão de focar a história apenas em Seiya (Mackenyu Arata) ao invés de trazer todo o grupo de protagonistas de uma só vez é mais do que acertada.
Toda a parte envolvendo o herói é o que realmente segura o filme. Nesse ponto, a trama é bem parecida com aquela que os fãs conhecem — embora mais puxada para a animação em 3D do que para o anime em si —, com Seiya viajando o mundo em busca da sua irmã desaparecida. É quando descobre a existência do Cosmo e seu destino como cavaleiro de Pégaso, o protetor de Saori (Madison Iseman), a reencarnação da deusa Athena.
Todo esse desenvolvimento funciona bem não apenas por estar próximo do material que a gente já conhece, mas pelo roteiro trabalhar um pouco mais esses personagens. Do temperamento e inseguranças do próprio Seiya ao jeito irritante de Saori, você percebe que houve um cuidado para dar o mínimo de camadas para eles a ponto de as coisas ficarem interessantes.
O mesmo acontece quando o herói parte em seu treinamento. Toda sua interação com Marin (Caitlin Hutson) é muito boa e toca naquilo que Cavaleiros do Zodíaco tem de mais interessante. A explicação da Amazona de Prata sobre o Cosmo como essa energia quase metafísica existente em todo o universo é muito legal e é bem apresentada na tela — por mais que seja logo desconsiderada pelo próprio roteiro em seguida.
Outro destaque positivo que Saint Seiya – O Começo traz são as cenas de ação. É evidente que o filme foi feito com um orçamento mínimo, mas a direção e a equipe de coreografias tiram leite de pedra para fazer com que as lutas funcionem apesar da falta de recursos. Ainda que os efeitos meia-boca incomodem em alguns momentos e o arame-fu seja evidente, não dá para negar que há sequências bem legais e muito bem coreografadas.
A cena inicial, com Seiya lutando no octógono, é um bom exemplo de como a criatividade ainda é a melhor forma de criar bons momentos. Até mesmo o excesso dos efeitos de câmera lenta são releváveis quando você entende que o truque serve tanto para dar peso aos golpes como para maquiar a falta de dinheiro. Em compensação, há enquadramentos e movimentos de câmera muito bons que remetem diretamente à estética anime.
O resto é para embalar e jogar no lixo
O grande problema é que, tirando esse núcleo focado em Seiya, todo o restante é terrivelmente ruim. De soluções equivocadas e que contradizem o que o próprio filme apresentou a atuações medonhas e um roteiro pífio, é fácil ver Saint Seiya — O Começo como esse veículo desgovernado que não sabe para onde quer ir e que acaba se destroçando em algum poste qualquer.
E, mais uma vez, ele não falha apenas por ignorar o que é Cavaleiros do Zodíaco. Ele é ruim mesmo se fosse uma história original e não brincasse com a memória dos fãs. Ele é ruim por seus próprios fracassos e não por causa de uma suposta (e inexistente) expectativa.
Toda a trama de Guraad (Famke Janssen) é algo que ofende o legado do anime e, dentro do próprio roteiro, não acrescenta nada. A ideia da organização do mal é algo tão ultrapassado que se torna maçante toda vez que é trabalhada na tela. É tão insuportável que não permite que nem mesmo a tentativa de criar uma tensão emocional entre ela, Saori e Alman Kido (Sean Bean) funcione.
Além de ser esse velho clichê do “precisamos capturá-los para extrair essa energia” que não serve para nada, esse argumento contradiz o que o próprio filme apresenta antes. Toda a explicação do Cosmo como essa energia mística que envolve o universo é jogada fora para dar lugar a uma baboseira de pseudociência que não leva a lugar nenhum.
A ideia de transformar Guraad em uma espécie de Lex Luthor até tem seu valor, contrapondo esse olhar mítico com uma perspectiva científica e pessimista para proteger a humanidade, só que o longa não sabe o que fazer com isso e essa história se perde no meio de clichês vazios.
Por isso mesmo, a comparação com Star Wars: A Ameaça Fantasma é inevitável. Da mesma forma que aconteceu com os midi-chlorians no filme de George Lucas, essa preocupação desnecessária em negar a transcendência do Cosmo serve somente para matar uma das poucas boas que Os Cavaleiros do Zodíaco apresentou neste live-action.
Até porque esse tempo que ele perde com essa bobagem poderia ser usado para desenvolver os personagens que aparecem nesse núcleo. Tanto Cassios (Nick Stahl) quanto Ikki (Diego Tinoco) têm a profundidade de um peso de papel e, por mais que as contrapartes do anime não sejam também um exemplo de escrita, o longa tinha a oportunidade de desenvolvê-los um pouco melhor.
A coisa mais tenebrosa é que a dupla não tem porque existir. Não há nenhuma explicação do porquê Ikki está ajudando Guraad, o que faz com que a tentativa de virada de roteiro soe aleatória e boba. Ela existe porque alguém lembrou que era preciso referenciar o anime e só. Isso sem falar que o ator é ruim em um nível quase amador.
E esse monte de equívocos faz com que todo aquele bom início de Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo se perca e ele seja apenas a tragédia que todo mundo esperava. A essa altura do campeonato, o carro já bateu no poste e tudo o que a gente pode fazer é torcer para que ninguém tenha se machucado.
Aliás, o momento do impacto é justamente a péssima decisão de abrir mão de uma boa luta final. Estamos falando da adaptação de um anime shounen conhecido, veja só você, por suas cenas de luta e alguém teve a brilhante ideia de substituir o último confronto entre os cavaleiros de Pégaso e Fênix por outro clichê inútil: o raio colorido que vem do céu.
E não há boa vontade capaz de lidar com isso. O mínimo que você espera de um filme de Cavaleiros do Zodíaco é uma luta legal com boneco de armadura — ainda mais quando o longa entrega sequências bem interessante de ação em outros momentos — e ele troca isso por um dos recursos mais usados dos últimos anos e que todo mundo já cansou de dizer que não aguenta mais.
Não dá nem mesmo para culpar a falta de orçamento. Seria mais barato colocar os atores em uma luta bem coreografada do que encher a tela de raios coloridos, como acontece. É simplesmente inacreditável.
Vale a pena assistir a Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo?
O grande problema de Saint Seiya – O Começo é que fica evidente o quanto os roteiristas parecem não gostar de Cavaleiros do Zodíaco. Em todas as oportunidades possíveis, o longa se distancia daquilo que fez do anime um sucesso e pelo qual ele é tão querido pelos fãs.
E ele é ruim não somente por ignorar isso, mas porque todo o malabarismo que faz para se afastar do original apenas atrapalha. Não há nada de novo que seja interessante ou compense as mudanças, descaracterizações e negações do próprio conceito. Todos esses elementos são péssimos como Cavaleiros do Zodíaco e também como conteúdo próprio.
Por mais que o mangá e o anime originais não sejam a coisa mais inspirada do mundo, a história de Seiya funciona por ser simples. É sobre a fé do herói e como isso faz com que ele quebre todas as barreiras possíveis, jamais desistindo. Não é preciso inventar moda com organização do mal ou midi-chlorians. O básico era mais do que suficiente e Saint Seiya – O Começo não é capaz nem mesmo disso.
E, por mais que ele tangencie essas questões em alguns momentos a ponto de você sentir as fagulhas do Cosmo, ele nunca chega lá de verdade. Mesmo com todas as concessões possíveis, ele é um filme muito ruim. No fim das contas, um acidente é sempre um acidente.
Os Cavaleiros do Zodíaco - Saint Seiya: O Começo está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil; você pode comprar seu ingresso na Ingresso.com.