DNA coletado em colar de 20 mil anos descobre possível dona
Por Lillian Sibila Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela | •

Um esforço guiado por cientistas do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária conseguiu desenvolver um novo método de isolar o DNA de ossos e dentes sem causar quaisquer danos ao material, melhorando — e muito — a obtenção de material genético, o que abre possibilidade para análises e conclusões sobre a estrutura social e vida dos humanos de tempos antigos.
Em um dos primeiros estudos feitos através do método inovador, foi recuperado o DNA de uma mulher de 20.000 anos atrás, preservada na caverna russa de Denisova, que deixou seu material genético em um colar feito de dentes de cervo. Os restos do artefato ficaram intactos após o método de extração ser utilizado, mostrando sua eficiência.
Desenvolvendo a técnica
Os pesquisadores tinham em mente, especificamente, artefatos arqueológicos feitos por restos de ossos, material mais poroso e com mais chances de reter o DNA presente em células da pele, suor e outros fluidos corporais. No início dos experimentos, era preciso garantir que o objeto estudado não sairia danificado pelo método. A estrutura superficial de artefatos de osso e dente do paleolítico dá informações importantes sobre sua produção e uso, então sua integridade é importantíssima, mesmo a de microestruturas.
Foram testadas, então, diversas soluções químicas na estrutura superficial de ossos e dentes arqueológicos, encontrando, finalmente, a melhor delas — um método não-destrutivo baseado em fosfato. É como uma “máquina de lavar” laboratorial, onde os artefatos são lavados em temperaturas de até 90 ºC e o DNA é recolhido da “água” resultante, mantendo os objetos intactos.
Nos primeiros experimentos com o método já estabelecido, foram utilizados materiais recolhidos da caverna de Quinçay, entre as décadas de 1970 e 1990. Em alguns casos, foi possível identificar o DNA dos animais que deram origem aos artefatos, mas a maior parte do material genético vinha dos humanos que manusearam os achados durante ou após a escavação, dificultando a obtenção de DNA de humanos antigos.
Para evitar o problema de contaminação por humanos contemporâneos, mudou-se o foco para materiais recém-escavados utilizando luvas e máscaras de proteção e depositados em sacolas plásticas com sedimentos ainda grudados. Três colares de osso da Caverna Bacho Kiro, na Bulgária, onde estão os ossos mais antigos e melhor preservados de humanos modernos na Europa, mostraram níveis significativamente baixos de contaminação por DNA recente, mas nenhum DNA antigo pôde ser identificado nas amostras.
Desvendando colares milenares
A primeira descoberta significativa utilizando a nova técnica aconteceu quando ela foi aplicada em material coletado na caverna de Denisova, em 2019, escavado com cuidado mesmo sem saber das necessidades do novo método. O objeto escolhido foi um colar de dentes de cervo do final do Paleolítico, e, primeiramente, foi possível descobrir a espécie do animal — era um uapiti (Cervus canadensis).
O item também tinha DNA humano, que foi isolado de forma “extraordinária”, segundo os cientistas: “era como se a amostra viesse do dente de um humano do nosso tempo”, em suas próprias palavras. Analisando o DNA mitocondrial — o que vem exclusivamente da mãe —, determinou-se que o material genético vinha de apenas uma pessoa. Com os genomas mitocondriais do animal e do humano, a idade do colar foi estimada entre 19.000 e 25.000 atrás, sem precisar de datação por carbono-14.
Além do DNA mitocondrial, uma fração considerável do genoma nuclear foi recuperada, e, com base no número de cromossomos X, descobriu-se que o colar foi feito, usado ou vestido por uma mulher. Também descobriu-se que ela era geneticamente próxima a uma população da época de regiões mais a oeste da Sibéria (onde fica a caverna de Denisova), os chamados Eurasianos Antigos do Norte, cujas ossadas já foram estudadas.
Os pesquisadores comentam que cientistas forenses não se surpreenderiam com o isolamento de DNA humano de um objeto manuseado com frequência — a parte incrível do método é a possibilidade de fazer isso 20.000 anos depois do manuseio. O método, agora, deve ser utilizado em diversos outros objetos de osso e dentes da Idade da Pedra, buscando saber cada vez mais detalhes da ancestralidade, sexo e cultura dos indivíduos que os fabricaram ou usaram em seu cotidiano.