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Ciência está perto de descobrir genes que deixaram o cérebro humano tão poderoso

Por  • Editado por Luciana Zaramela | 

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 Robina Weermeijer /Unsplash
Robina Weermeijer /Unsplash

Quando falamos de evolução e genética, é comum focar nas mudanças do DNA ao longo das eras, com pouco se comentando sobre as partes estáticas do genoma, intocadas por milhões de anos — traços compartilhados, por exemplo, por todos os mamíferos, dando as características clássicas do gênero.

Um dos motivos para a importância maior das mutações genéticas é que nós, humanos, somos exceção nesse mundo estático — genes por muito tempo intactos em nossos ancestrais começaram, de repente, a passar por mudanças importantes em um período de tempo bem curto na escala evolutiva.

A reescrita desses trechos de DNA é tão rápida que recebeu um nome específico — regiões humanas aceleradas (HARs) —, e sua influência em nossa biologia vêm sendo estudada incansavelmente pelos cientistas. Há suspeitas de que ao menos alguns desses HARs tenham nos dado as qualidades que nos separam dos parentes biológicos mais próximos, os chimpanzés e bonobos.

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Dobras diferenciadas no DNA

As regiões humanas aceleradas foram descobertas há cerca de 2 décadas ao comparar os genomas de humanos e chimpanzés, e, em um estudo recente publicado na revista científica Zoonomia, um dos mecanismos de mudança genética foi revelado. A equipe da bióloga computacional Katie Pollard, do Instituto Gladstone de Ciência de Dados e Biotecnologia, descobriu que a dobra tridimensional do DNA humano, em seu núcleo, é um fator chave do nosso genoma.

Para entender a situação, convém uma metáfora: imagine que um trecho do DNA de nosso último ancestral comum com os chimpanzés é um cachecol, trazendo listras de várias cores diferentes por toda sua extensão. Alguém, então, tenta reproduzir a mesma peça, mas acaba não seguindo o padrão original. Algumas listras são mais estreitas ou largas, e as cores aparecem em lugares diferentes do primeiro cachecol.

Quando a nova peça é enrolada no pescoço da mesma forma que a original, as listras que ficavam ao lado umas das outras não são mais as mesmas, criando um novo padrão. Nos genomas dos dois animais, então, o mesmo ocorre, com trechos sendo inseridos, deletados ou rearranjados, criando dobras diferentes no núcleo do DNA humano em comparação com os de primatas próximos.

O que os pesquisadores fizeram, então, foi observar se as mudanças estruturais no DNA humano — e consequente alteração nas dobras tridimensionais — levaram genes específicos das HARs a serem “sequestrados”, ou seja, se foram ligados a genes que codificam outras proteínas daquelas às quais eram ligados originalmente.

Muitos genes dos HARs são ligados a outros genes, agindo como acentuassomos, ou seja, sequências que acentuam ou aumentam a transcrição dos genes aos quais são ligados, a depender de como o DNA está dobrado.

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Desvendando os HARs

Outro estudo da equipe de Pollard, também deste ano, já havia sugerido que as variações rápidas das HARs se opunham umas às outras com frequência, aumentando e diminuindo a atividade de acentuassomos em uma espécie de afinação ou melhoria genética. No estudo seguinte, então, foram comparados os genomas de 241 espécies de mamífero, com aprendizado de máquina sendo usado devido à enorme quantidade de dados.

Com isso, 312 HARs foram identificadas, examinando sua localização na vizinhança tridimensional das dobras de DNA. Quase 30% delas estavam em regiões do DNA onde variações estruturais fizeram o genoma dobrar de formas diferentes nos seres humanos. Os pesquisadores também notaram que as vizinhanças contendo HARs eram ricas em genes que diferenciam humanos dos chimpanzés, nossos parentes mais próximos.

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Examinando o DNA em células-tronco em crescimento nos chimpanzés e comparando-o com as mesmas nos seres humanos, foi constatado que ⅓ das HARs foram transcritas especificamente durante o desenvolvimento do neocórtex humano. As HArs têm seu papel no desenvolvimento embrionário, especialmente nos caminhos neurais associados à inteligência, leitura, habilidades sociais, memória, atenção e foco, traços que nos diferenciam de outros animais.

Nas HARs, os acentuassomos, que não haviam mudado em milhões de anos, podem ter precisado se adaptar aos seus genes e domínios regulatórios diferentes. Um acentuassomo que controla os níveis de hormônios no sangue, por exemplo, pode ter sido vítima de uma dobra de DNA, ficando subitamente próximo a um gene de neurotransmissor, tendo então de regular níveis químicos no cérebro ao invés do sangue.

Um acontecimento grande como uma dobra diferente no DNA acaba fazendo com que as células precisem se adaptar rapidamente para evitar uma desvantagem evolucionária. Embora não se saiba exatamente como essas mudanças impactaram o desenvolvimento do cérebro humano, virando parte integral do genoma da nossa espécie, é possível que isso tenha sido o catalisador que precisávamos para evoluir. É esse questionamento que a equipe de Pollard buscará responder agora.

Fonte: Neuron, Zoonomia