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Análise | Encerrar a linha Galaxy Note seria uma decisão sensata da Samsung

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Divulgação/Samsung
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Antes que você comece a xingar até a oitava geração da minha família, vamos deixar uma coisa bem clara: esse que vos escreve sempre foi um fã da linha Galaxy Note — afinal, são smartphones elegantes, poderosos e que trazem diversos recursos, sempre muito úteis, principalmente aos usuários corporativos.

Dito, isso, mantenho o que é dito no título deste texto: um eventual fim da série Galaxy Note seria uma decisão bem sensata da Samsungsempre lembrando que ainda não há nada confirmado nesse sentido. Logo, o que faremos aqui é um exercício de análise.

Antes de explicar o porquê dessa minha afirmação, é bom contextualizar um pouco: nesse ano, a Samsung confirmou que não apresentará o Galaxy Note 21, algo inédito na história da linha desde o seu lançamento, em 2011. Ao invés disso, a fabricante sul-coreana vai centrar seus esforços em sua nova série de celulares dobráveis, mais precisamente os Galaxy Z Fold 3 e Z Flip 3 — uma decisão totalmente acertada, mas falaremos disso um pouco mais abaixo.

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A decisão da Samsung, compreensivelmente, desagradou uma parcela dos usuários. Eles chegaram a criar uma petição online para pedir à empresa para reconsiderar os planos de descontinuar completamente a linha — se é que isso vai mesmo ocorrer. Até o momento, quase 33 mil pessoas já assinaram o pedido, que foi criado na plataforma change.org.

Mas deixando o apego de lado, uma eventual decisão da Samsung faz todo sentido por uma série de fatores que vamos explicar abaixo.

O Galaxy Note não é mais um cartão de visitas para novos recursos da Samsung

O Galaxy Note, pertencente à categoria de phablets (como eram chamados os smartphones com telas maiores de 5,5 polegadas. Hoje o termo caiu em desuso), além de ser uma série direcionada ao público corporativo, sempre foi lançado como uma espécie de "cartão de visitas" da Samsung para novos recursos que a empresa pretendia implementar em seus modelos futuros. Isso valeu, por exemplo, para o DeX (que permite que os aparelhos sejam conectados a um monitor, emulando a interface de um computador), hoje presentes na popular linha S; ou Knox (estrutura de segurança proprietária para gerenciar dispositivos da marca) que já está embarcado em modelos de todas categorias da marca.

No entanto, nos últimos anos, o cenário se inverteu. O papel de precursor de novos recursos dos aparelhos da Samsung ficou a cargo da linha Galaxy S. Os modelos da série são os que vêm trazendo as principais novidades da marca, como o sistema de recarga reversa (Wireless PowerShare), que permite que você recarregue outros celulares e acessórios a partir da bateria do Galaxy S, sem precisar de nenhum tipo de cabo. O Galaxy S10, lançado em 2019, foi o primeiro a trazer a funcionalidade.

E é provável que a decisão de concentrar os novos recursos na linha Galaxy S se dê mais por uma questão estratégica. Os novos modelos da linha são lançados nos primeiros meses do ano, quando os olhos da mídia especializada se voltam a eventos do setor como a Consumer Electronic Show (CES) e, principalmemente, o Mobile World Congress (MWC), quando algumas das principais fabricantes aproveitam para apresentar seus aparelhos. E jogar luz sobre funcionalidades inovadoras nesse período pode ser um fator de compra decisivo para quem busca um novo smartphone.

Além disso, há um forte rumor de que a S Pen, a caneta eletrônica que é a marca registrada da linha Note, pode migrar para os novos modelos dobráveis da Samsung. Ainda que muitos especialistas temam que o uso do acessório possa danificar as telas dos aparelhos dessa categoria, devido à sensibilidade dos displays, a Samsung afirma que pode lançar um dispositivo do gênero adaptado para esse tipo de painel.

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Se isso acontecer, a linha Galaxy Note perde de vez o papel de vitrine, já que muitos de seus recursos já vêm sendo antecipados pela linha Galaxy S. Com isso, não faz sentido para a Samsung ter dois aparelhos topo de linha praticamente iguais em seu roadmap anual, com recursos redundantes. É mais inteligente — e econômico — centrar seus esforços em apenas uma série. Até porque as vendas do Galaxy Note 20 não foram das mais animadoras, segundo estimativas de Tom Kang, analista sênior da Counterpoint Research,que dão conta de que o modelo venderia até 20% menos em 2021. Para completar, ainda há uma escassez de chips para smartphones, cujo setor foi impactado pela pandemia da COVID-19.

A Samsung tem tudo para dominar o mercado de smartphones dobráveis nos próximos anos. Se tiver paciência

O foco da Samsung em seus próximos modelos dobráveis também têm uma outra razão estratégica: a fabricante sul-coreana sabe que dominará a categoria de smartphones dobráveis nos próximos anos e que deve se mostrar uma modalidade das mais lucrativas. Um relatório da DSCC, consultoria especializada em cadeia de suprimentos de telas, aponta que a receita gerada por smartphones com telas dobráveis (incluindo as enroláveis) ultrapassará os US$ 100 bilhões até 2025.

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Além de ter sido a primeira fabricante a lançar um modelo dobrável, a Samsung tem com uma bela vantagem: ela conta com uma unidade própria de fabricação de telas, a Samsung Display — que também fornece painéis para outras concorrentes.

Em tese, contar com uma unidade própria de fabricação de displays permite uma produção mais ágil para os modelos da marca e, teoricamente, comercializar aparelhos mais baratos assim que a tecnologia de tela dobrável ganhar escala, algo que vem ocorrendo aos poucos

No entanto, a categoria de dobráveis ainda engatinha quando falamos de adoção. Um recente relatório da Counterpoint Research referente a esta modalidade aponta que a parcela de remessa de aparelhos desta categoria permanecerá em apenas um dígito até 2022, à medida que a indústria experimenta vários fatores de forma, designs, materiais e variantes de sistema operacional. Os dobráveis representaram 1% do mercado endereçável do total de 1,3 bilhão de aparelhos entregues ano passado e deve atingir apenas 1,2% até 2022.

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De qualquer forma, a fabricante sul-coreana dominou o setor com folga em 2020. Segundo o analista Jene Park, também da Counterpoint Research, a Samsung liderou o segmento em termos de design, marketing e remessas em 2020 com mais de 80% de participação no mercado de dobráveis.

"A empresa também tinha a linha mais forte, com vários modelos e variantes, incluindo um carro-chefe de segunda geração", afirmou Park. "Este ano, no entanto, a Samsung deve enfrentar mais concorrência, com o lançamento do Mate X2, da Huawei, elogiado pela crítica, além do Mi Mix Fold, da Xiaom. Vivo, OPPO e TCL também têm sugerido lançamentos de 2021". 

Mas se o mercado de smartphones dobráveis cresce devagar, por que a Samsung não mantém o Galaxy Note? 

Há diversos fatores que pode explicam essa estratégia. Uma delas, como citamos anteriormente, passa pelo fato de que os últimos modelos da linha Galaxy S e da Galaxy Note são aparelhos bastante semelhantes, o que gera redundância em seu roadmap de lançamentos, maiores custos de produção, marketing e logística e até confusão na cabeça do consumidor.

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No entanto, é um cenário otimista para os smartphones dobráveis que move a Samsung. O mesmo Jene Park, da Counterpoint Research, afirma que o cenário de crescimento será conservador até 2022 e que três coisas importantes devem acontecer antes de vermos um aumento significativo de aparelhos nesta categoria:

  1. Quedas significativas de preços dos carros-chefe, que devem passar a custar entre US$ 1.000 e US$ 1,5 mil;
  2. Maior número de fornecedores — estamos começando a ver isso agora;
  3. A entrada da Apple no neste mercado.

Este último é um marco importante, já que a Apple é conhecida por ser extremamente cautelosa com os custos e o fornecimento de componentes. Um iPhone dobrável é um aceno para a robustez da tecnologia e é provável que isso ocorra no fim de 2022 ou, provavelmente, 2023.

Com esses três fatores, a Samsung está muito bem posicionada diante da concorrência. Isso porque ela terá uma tecnologia de telas dobráveis mais consolidada, mais modelos disponíveis nas lojas e maior penetração em mercados-chave, como Ásia e Europa.

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E a margem de lucro funciona como uma motivação e tanto para a Samsung

Ser a líder global do mercado de smartphones não significa, necessariamente, mais dinheiro no caixa da Samsung. Ou seja, apesar de vender mais celulares que a concorrência, a margem de lucro da empresa não é a maior.

Uma pesquisa da consultoria Strategy Analytics, divulgada em novembro do ano passado, apontou que a Apple ficou com mais de 60,5% da margem de lucro gerada pelos smartphones em todo mundo. Sim, é isso mesmo: a linha de celulares da companhia abocanha mais metade de todo o lucro do setor. E a coisa já foi pior: em 2018, ela abocanhou 77,9% dos lucros mundiais e 75% em 2019. A Samsung vem em um distante segundo lugar, com 32,6% dos lucros — ainda que ela tenha registrado o maior crescimento nesse quesito em seis anos.

Mas, como vendendo muito mais celulares que a Apple, a Samsung lucra menos? Elementar, meu caro Watson: grande parte da base instalada da companhia sul-coreana é formada por aparelhos de entrada e intermediário, cuja margem de lucro é bastante baixa para a empresa. Ou seja, são os modelos topo de linha que rendem mais dinheiro no caixa das fabricantes.

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E o domínio da Apple nesse setor vem de uma receita muito simples: ela aplica uma estratégia de produtos premium para todos os seus iPhones, com poucos modelos lançados por ano e todos custando mais que os seus rivais por nicho, mesmo aparelhos lançados dois, três anos atrás. Mesmo o iPhone mais básico, por exemplo, custa muito mais do que um celular da categoria intermediário premium de outras marcas — e isso inclui até mesmo iPhones de anos anteriores.

Logo, apostar na categoria de smartphones dobráveis — todos considerados topo de linha e vendidos por valores acima dos US$ 1 mil - pode ser uma garantia de maior margem de lucros para a Samsung e, consecutivamente, mais dinheiro no caixa da empresa. Os acionistas da companhia agradecem.

Com todas essas informações, queridos leitores, vocês entenderam por que não faz muito sentido manter a linha Galaxy Note no portfólio da Samsung? Sim, é um ótimo aparelho. Mas, no final, o que importa, é aquela coluna chamada "Lucro operacional", que deve mostrar crescimento a cada relatório trimestral da companhia. Se cortar uma linha de smartphones fará com que as metas sejam batidas, que assim seja.

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E vida que segue.

Com informações de Reuters, GSM Arena, SamMobile, DSCC e Counterpoint Research