Traumas podem causar TOC; como identificar e tratar?
Por Lillian Sibila Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |
Transtornos obsessivos compulsivos, conhecidos popularmente como TOC, podem nascer na infância e adolescência e persistir até a vida adulta, especialmente a partir de traumas sofridos. Um caso recente e emblemático é o de Maria da Graça Xuxa Meneghel, que revelou, na série documental Xuxa, o Documentário, tomar 4 banhos por dia e se esfregar até machucar a si mesma.
- 5 transtornos mentais mais comuns e seus sintomas
- Como funciona a mente de quem tem TOC? Eis o que a ciência sabe até agora
Para nos aprofundar no assunto e entender como o TOC se desenvolve e como pode ser tratado, conversamos com Wimer Bottura, psiquiatra e psicoterapeuta pelo IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Segundo o profissional, há diversas explicações e motivos diferentes para o surgimento do TOC, então nenhum fator é completamente dominante na questão. Traumas de infância podem gerar a condição, mas não são a única causa, e em algumas instâncias, o tratamento e superação do trauma não são acompanhados pela cura do comportamento obsessivo.
O psiquiatra também comenta que há fatores genéticos envolvidos. Quem tem histórico de TOC na família possui chances maiores de apresentar o transtorno (isto é, aliado a condições ambientais), que é mais prevalente em gêmeos univitelinos. Nestes últimos, há muitos mais casos do que em gêmeos bivitelinos ou na parcela não-gêmea da população. Cerca de 2 milhões de brasileiros sofrem com a condição, e 2,5% de toda a população mundial a apresentará em algum momento da vida.
Como traumas causam TOC?
Segundo Bottura, quase todas as pessoas já tiveram pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos em algum momento da vida — a questão é que eles não se tornam repetitivos na maioria das vezes. Muitas vezes, o transtorno começa como uma forma de evitar um problema, ou pelo menos que se acredite fazer evitar.
Um exemplo da infância pode ser “se eu não bater na porta três vezes, minha mãe ficará doente”, uma atitude que atribui simbologia a algum ato. A compulsão do ato seria um gesto que evita um acontecimento ruim, uma proteção simbólica a si ou a outro. O diagnóstico ocorre quando a mania se torna obsessiva, gerando medo e ansiedade exacerbadas quando o ato não é completado.
Em alguns casos, a simbologia pode desaparecer e levar o TOC consigo, mas em outros, segue até a vida adulta. No caso de Xuxa Meneghel, o comportamento perdurou — e teve origem em traumas. Na adolescência e juventude, a apresentadora sofreu diversos abusos, e, em seu documentário, relata que pensar no assunto a leva a se perguntar o porquê de suas irmãs não terem passado pelo menos.
Sua mente acaba lhe convencendo de que a culpa seria de algum comportamento ou atitude diferente, como se sentar de alguma maneira específica, botando a culpa em si mesma. Ao se sentir “suja”, ela sente a compulsão de tomar muitos banhos e se esfregar demais com a esponja, o que a levou a ter uma infecção urinária crônica desde os 9 anos, se machucando intimamente com a limpeza excessiva.
Segundo Bottura, o TOC tem essa característica invasiva, tornando alguns aspectos da vida muito difíceis. A depender do que o comportamento causa, a criança pode até não conseguir frequentar a escola, ou, na vida adulta, não conseguir trabalhar, em alguns casos até incapacitando o indivíduo para a vida social. Quando a atitude compulsiva passa a tomar uma hora ou mais da vida do sujeito, é aí que a patologia pode ser definida.
Quando o transtorno é passageiro, ele não gera grandes problemas, mas a persistência o caracteriza como doença — quando passa a impactar na vida do paciente. Um exemplo é quando a pessoa passa a lavar excessivamente o corpo ou a casa, ou organiza demais os móveis ou mesmo checa a porta diversas vezes, gerando atrasos, impactando negativamente a vida.
A frequência e a gravidade dos sintomas é o que define a instalação do transtorno. A atribuição dos sintomas ao TOC não pode ser feita quando é resultado do efeito de uso de substâncias, como drogas ilícitas ou medicamentos que causem dependência. Quando obsessões e/ou compulsões são resultado de condições neurológicas, o diagnóstico também não é de TOC.
Como tratar o TOC?
Tratamentos voltados ao TOC, atualmente, utilizam medicamentos antidepressivos, funcionando razoavelmente bem, segundo Bottura. Eles são combinados com psicoterapia, que pode ser a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que ajuda a mitigar os sintomas, e terapias mais profundas, que buscam o simbolismo por trás do transtorno e podem até levar à cura — geralmente, descobrir o motivo da repetição (como a proteção a um ente querido) resolve o problema, mas apenas em uma minoria dos casos.
É difícil chegar à cura completa, com índices bem menores do que ansiedade e depressão, por exemplo. A dificuldade em vasculhar o subconsciente e encontrar a origem do comportamento impede, muitas vezes, que seja possível fazer algo além de aliviar os sintomas. E os sintomas podem variar, passando por insônia ou doenças dermatológicas por conta de repetição de ações, como na infecção de Xuxa Meneghel.
Segundo Bottura, a associação dos remédios com psicoterapia aumenta muito as chances do tratamento ser bem-sucedido. Segundo a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o uso unicamente dos medicamentos leva à cura completa dos sintomas em apenas 20% dos pacientes, com a maioria ainda apresentando sintomas residuais e até 90% tendo recaídas nos quatro meses seguintes à interrupção do uso.
Fonte: UFRGS